quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Caio Blinder-O túnel de Gaza (vozes árabes)



Que solidariedade é esta?
Que solidariedade é esta?
Na coluna meio deprê de volta das férias, com salamaleques para Amos Oz, eu disse que ler sobre Gaza durante o “ócio” não fez bem para minha saúde. Raros textos me motivaram positivamente. Um deles foi escrito pelo escritor argelino Mohamed Kacimi no jornal francês Le Monde (aqui a versão em inglês), em solidariedade a Kamel Daoud, outro escritor argelino. Daoud foi xingado de apóstata, criminoso sionista, judeu sujo e cúmplice de assassinato por desconstruir a “solidariedade” árabe aos palestinos, mais uma vez orquestrada nesta crise em Gaza.
Daoud escreveu um ensaio (aqui o original em francês), dizendo não se sentir embalado pela onda de solidariedade árabe aos palestinos e Kacimi lança as perguntas pertinentes: será que a causa palestina se tornou o sexto pilar do islamismo? Como ignorar os massacres na Síria e no Iraque enquanto somos forçados a professar urbi et orbi solidariedade ao povo palestino? Com prazer e dor, eu ressalto a distribe de Kacimi contra a rede de televisão Al Jazeera, que investe nos cadáveres e necrotérios de Gaza “para vender a morte às massas árabes”.
Como escreve Kacimi, os foguetes disparados de Gaza contra Israel eram contados com júbilo na rede Al Jazeera, quando deveria haver uma narrativa “sobre milhões de almas submetidas a obscurantistas regimes religiosos e autoritários (no mundo árabe). Nas mesquitas, estas almas são ensinadas a desprezar a liberdade, as mulheres, a vida, os outros”. Para Al Jazeera, financiada pelo regime de Catar, que também financia a Irmandade Muçulmana e o Hamas, é mais conveniente contar os foguetes e esbravejar contra o inimigo sionista do que contar o que se passa no mundo árabe-islâmico.
Há uma parágrafo lapidar no texto exasperado de Kacimi: “Do interior de Rif-Berber (no Marrocos) à áspera periferia de Paris, cada um está pedindo por mais. No entanto, vamos ser honestos: algumas vezes é conveniente atribuir a culpa a Israel! Sem isto, como os regimes árabes justificariam o fracasso do seu mundo que, desde 1948, de Rabat a Bagdá, é apenas um vasto gulag com mesquitas servindo de torres de observação e onde homens barbudos estão postados como guardas armados?”
Mais para o final do texto, Kacimi retorna para a eloquência de Kamel Daoud (embora a dele também diga muito). Daoud explica que a causa palestina desgalhou por causa de regimes árabes e partidos islâmicos, em uma perda para jovens gerações. Longe de ser uma causa política, Palestina é um veículo de catarse, de expressão de frustração coletiva.
Portanto, basta da chamada solidariedade árabe. Como escreve Daoud, de vez em quando é importante limpar o seu próprio quintal, reconhecer suas próprias barbaridades e assumir suas discriminações (em muitos países árabes, é perpetuado o status de refugiados dos palestinos e a eles é negada a cidadania ou mesmo o direito de ter uma atividade normal na sociedade). Desde 1970, árabes mataram mais palestinos do que os soldados israelenses; é melhor viver num campo de refugiados palestinos de Gaza ou da Cisjordânia do que nos campos de Beirute ou de Damasco.
Kacimi é comovente quando faz um apelo para os árabes se esforçarem, não para negarem Israel, mas para entenderem suas realidades, suas contradições e sua história. Ele lembra a importância de entender o judaísmo com seu brilho, alegrias e questionamento infindável. Kacimi diz que Doud pensa “outside the box”. Ele também e eu saúdo estas duas corajosas vozes árabes, uma luz no fim do túnel.

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