segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

IMB- As consequências políticas e culturais da inflação

Pode parecer atípico um economista falar sobre cultura. Normalmente, nós economistas falamos sobre preços e produção, sobre quantidades produzidas, sobre emprego, sobre a estrutura de produção de uma economia, sobre recursos escassos, e sobre empreendedorismo.

Mas há certas coisas que economistas podem dizer sobre a cultura; mais precisamente, sobre a transformação da cultura.

O que é cultura? Colocando de maneira simples, é a maneira como fazemos as coisas. Isso inclui a maneira como comemos — se jantamos ou não com nossa família regularmente, por exemplo —, como dormimos e como utilizamos automóveis ou outros meios de transporte. E, é claro, a maneira como produzimos, consumimos ou acumulamos capital também são aspectos importantes da cultura.

Limitar o orçamento é o segredo para limitar os governos

Para entender os efeitos da inflação, é necessário primeiramente analisarmos a relação entre os sistemas financeiros e a natureza do governo.

Um grande número de economistas já enfatizou que a adoção de um papel-moeda fiduciário e de curso forçado — isto é, um dinheiro de papel que pode ser impresso livremente pelo governo e cuja aceitação é obrigatória pelos cidadãos — é um pré-requisito para que haja um governo tirânico. A ideia de que o intervencionismo monetário pavimenta o caminho para um governo tirânico é tão antiga que remonta ao filósofo matemático Nicolas de Oresme, no século XIV.

Essa ideia não foi devidamente enfatizada no século XX, mas Ludwig von Mises esteve entre aqueles poucos que salientaram a importância dessa relação. Mises disse que, no que diz respeito a limitar o poder governamental, é essencial que o governo seja financeiramente dependente de seus cidadãos. E isso passa pelo fundamental problema político de se controlar os indivíduos que ocupam os altos cargos do poder.

Sabemos que, no geral, uma vez no poder, políticos eleitos tendem a fazer coisas bem diferentes daquelas que prometeram fazer quando estavam na campanha eleitoral; vários deles inclusive agem contrariamente aos interesses de seus eleitores.

Sendo assim, como garantir que os indivíduos que estão no poder — políticos e burocratas — sejam controlados?

Mises afirma que a maneira de controlar o governo é por meio do orçamento. Mais ainda: tal vigilância é crucial para a sobrevivência de uma sociedade livre.

Em um sistema democrático, determinadas pessoas são eleitas para o governo e elas frequentemente assumem seus cargos acreditando ter um mandato para fazer determinados tipos de coisas enquanto estiverem no poder. Mas não basta que o povo diga aos funcionários do governo o que eles devem fazer. É igualmente importante, se não mais importante, ditar quanto de dinheiro o governo disporá para alcançar esses objetivos.

Sendo assim, não basta dizer ao governo que sua única tarefa será proteger a propriedade privada. Tal objetivo poderia ser alcançado tanto com um orçamento de $100.000 quanto com um de $1 bilhão. Tudo depende do quanto as pessoas estão dispostas a pagar. Portanto, se o orçamento do governo não for efetivamente controlado, um mandato de quatro anos, por si só, não oferece nenhuma limitação à tributação ou à quantidade de dinheiro que o governo irá gastar.

Mises acreditava que aqueles que efetivamente pagam os impostos deveriam limitar, de maneira específica, o tamanho do orçamento do governo. O governo não pode determinar autonomamente a quantidade de dinheiro que ele irá utilizar em sua função.

É provável, no entanto, que várias pessoas reclamem que, se o orçamento do governo for rigidamente controlado, então jamais haverá um aumento na quantidade de serviços estatais oferecidos, pois os cidadãos odeiam pagar impostos. Isso até poderia vir a ocorrer; porém, e obviamente, este é justamente o objetivo.

Por outro lado, se abandonarmos essa estrita conexão entre o tanto que os cidadãos pagam de impostos e o tanto que o governo gasta, iremos nos afastar de um modelo em que o governo é controlado pelos cidadãos que são tributados e iremos nos encaminhar para um modelo em que o governo é efetivamente gerido pelas elites.

A primeira maneira como essa mudança pode ocorrer é com o governo se endividando de maneira crescente. Ao fazer isso, a relação governo/governado irá pender para o grupo que está financiando o governo — a saber, aqueles que estão concedendo empréstimos para o governo. Isso, por conseguinte, irá enfraquecer a relação entre governo e cidadãos tributados, e irá também permitir que o governo gaste mais dinheiro do que poderia gastar caso dependesse apenas da tributação.

[Nota do IMB: com a recente alteração da Lei de Diretrizes Orçamentárias, que na prática liberou o governo federal para se endividar mais e gastar independentemente de suas receitas tributárias, o tiro de misericórdia no último bastião de resistência à tirania estatal foi disparado].

É óbvio que a existência de um papel-moeda fiduciário e de cunho forçado permite que o governo tome empréstimos de maneira virtualmente ilimitada, pois o dinheiro fiduciário pode, por definição, ser produzido sem limites — comerciais ou tecnológicos — e em qualquer quantidade desejável. Para isso, o governo se beneficia do apoio dado por um Banco Central.

E é esperado que tal apoio ocorra, pois o próprio Banco Central existe para isso e usufrui de um monopólio legal concedido pelo governo.

Ao permitir que o governo adquira receitas que não sejam oriundas da tributação direta da população, o dinheiro fiduciário permite que haja uma expansão das atividades do governo sem o consentimento daquela fatia da população que efetivamente paga os impostos.

Mais ainda: permite que o governo cresça de uma forma desconectada do desejo da população de realmente permitir um aumento das receitas do governo.

O gerenciamento do governo passa então a ser controlado pelas elites do mercado financeiro — fundos de investimento, sistema bancário e Banco Central, o qual existe para proteger os bancos — e não pelos cidadãos trabalhadores e pagadores de impostos.

E a capacidade do governo de aumentar seus gastos se torna mais dependente de sua capacidade de conseguir empréstimos dos financistas do que de sua capacidade de convencer os cidadãos a aceitar o fardo de uma carga tributária maior.

As características culturais de uma economia baseada no endividamento

E assim podemos perceber as várias maneiras como um sistema de dinheiro fiduciário afeta o comportamento dos cidadãos comuns.

Uma das características centrais de um sistema de dinheiro fiduciário é que ele tende a gerar uma inflação de preços permanente. Isso contrasta acentuadamente com o funcionamento de uma economia baseada em um dinheiro natural, como o ouro ou a prata. Sob um sistema de dinheiro natural, a inflação de preços tende a permanecer nula no longo prazo, ou até mesmo apresentar uma deflação, especialmente se estiver ocorrendo um vigoroso crescimento econômico. Isso ocorreu durante o século XIX tanto na Europa quanto nos EUA, onde o crescimento com deflação de preços foi a regra.

Viver sob uma contínua inflação de preços afeta o comportamento e a cultura de uma sociedade de variadas maneiras, e isso quase sempre foi feito de forma deliberada. Entre os ideólogos e planejadores governamentais de todos os tipos, mesmo antes de Keynes, sempre foi uma constante a ideia de que pessoas comuns deveriam ser impedidas de "entesourar" dinheiro em suas casas.

Em uma economia livre, na qual o sistema monetário é formado por um dinheiro natural, há um forte incentivo para poupar dinheiro mantendo-o em casa, sob sua posse direta e sob seu imediato controle. Investimentos em contas bancárias ou em outras aplicações relativamente seguras também ocorrem, mas manter dinheiro em casa é a principal forma de poupança, especialmente entre as famílias de baixa renda.

Em contraste, quando há uma contínua inflação de preços, como ocorre em um sistema monetário fiduciário, guardar dinheiro em casa se torna uma atitude suicida, pois a inflação de preços — a qual gera uma contínua desvalorização da moeda — aniquila o poder de compra da poupança.

Nesse cenário, estratégias financeiras alternativas se tornam mais aconselháveis. Passa a ser mais prudente aplicar seu dinheiro em "produtos financeiros" apenas para compensar a perda do poder de compra do dinheiro. Também passa a ser interessante se endividar e se alavancar para investir em determinados produtos do mercado financeiro.

Em suma, passa a ser racional buscar investimentos mais arriscados com o intuito de encontrar uma taxa de retorno que seja igual ou superior à taca de inflação de preços. E isso vale para todos os setores da economia, desde a dona de casa até empresas produtivas.

Antes do século XX e da disseminação do dinheiro fiduciário, o endividamento era algo raro e nada corriqueiro. Havia um imperativo cultural contra o ato de se endividar para consumir. O crédito para as famílias, por exemplo, era praticamente desconhecido antes do século XX, e somente famílias muito pobres recorriam ao endividamento para financiar seu consumo.

Já em um sistema monetário fiduciário, à medida que a inflação de preços vai diminuindo o poder de compra da poupança de um indivíduo, ele não tem escolha senão adotar uma perspectiva de curto prazo. Ele terá de ou virar um especialista no mercado financeiro para investir seu dinheiro corretamente, ou ele terá de se apressar em obter crédito o mais rápido possível e auferir receitas desse endividamento o mais rápido possível, pois sua poupança perderá poder de compra caso ele decida apenas guardar seu dinheiro em casa.

Não mais faz sentido poupar durante uma década para comprar um imóvel, por exemplo. É muito mais oportuno se endividar para comprar um imóvel imediatamente e quitar a dívida ao longo do tempo, com um dinheiro já desvalorizado. Isso gera uma corrida para a alavancagem, uma vez que o investimento financiado por dívida gera retornos maiores do que simplesmente poupar em dinheiro ou fazer investimentos financiados por capital próprio.

Desnecessário enfatizar que essa tendência não possui um ponto final. Em outras palavras, sistemas monetários fiduciários tendem a deixar as pessoas insaciáveis em sua busca por retornos monetários cada vez maiores para seus investimentos.

Em um sistema monetário natural, à medida que a poupança aumenta, a taxa de retorno sobre todos os tipos de investimento diminui. Passa ser menos interessante investir a poupança para tentar auferir algum retorno, pois este será baixo. Consequentemente, outras motivações ganham mais proeminência. A poupança será cada vez mais utilizada para financiar projetos pessoais, inclusive a aquisição de bens de consumo duráveis e até mesmo atividades filantrópicas. Foi exatamente isso o que aconteceu no Ocidente durante o século XIX.

Por outro lado, em uma sociedade gerida por um sistema monetário fiduciário, os indivíduos estão mais propensos a aumentar seus retornos financeiros por meio do contínuo endividamento e de uma crescente alavancagem.

[Nota do IMB: esse fenômeno da contínua desvalorização da moeda gerou um agigantamento do setor financeiro — pois as pessoas, afinal, têm de adotar alguma medida para proteger o poder de compra da sua poupança —, criando justamente aquilo que os críticos do capitalismo chamam de "financeirização" da economia, arranjo em que os mercados financeiros adquirem importância central, deixando o setor produtivo, que é quem genuinamente gera riqueza, em segundo plano.]

É possível imaginar, portanto, como esse sistema baseado na inflação monetária e no endividamento irá, ao longo do tempo, alterar a cultura e o comportamento de toda uma sociedade. As pessoas irão se tornar mais materialistas do que seriam sob um sistema monetário natural. Elas não mais poderão apenas guardar seu dinheiro em casa, terão de monitorar suas aplicações bancárias constantemente, e terão de pensar em juros e em rentabilidade continuamente — caso contrário, se a rentabilidade não for alta o bastante, elas estarão na prática ficando mais pobres.

O fato de que o sistema monetário fiduciário empurra as pessoas para investimentos mais arriscados também aumenta a dependência sobre terceiros, pois cada indivíduo passa agora a depender do bom comportamento daqueles de quem o valor de seus investimentos depende.

Similarmente, quanto mais alto o nível de endividamento mais acentuada é nossa preocupação egoísta com o comportamento de terceiros que estejam nos devendo dinheiro. Desta forma, o dinheiro fiduciário cria uma tentativa de controlar o comportamento de terceiros por meio do sistema político.

Porém, ao mesmo tempo, nenhuma família e nenhuma empresa possuem interesse individual em abolir o sistema de dinheiro fiduciário e substituí-lo por um sistema monetário natural. Os custos de curto prazo de tal transição seriam enormes. Sendo assim, podemos dizer que estamos em uma "armadilha da racionalidade", na qual as pessoas são motivadas a manter o atual sistema monetário fiduciário apesar de todas as suas desvantagens, e também porque a cultura já foi irremediavelmente transformada por mais de um século de acesso fácil ao crédito e ao dinheiro fiduciário.

Conclusão

Podemos aplicar a análise econômica para explicar transformações culturais, e um exemplo particularmente importante é o do dinheiro fiduciário. Ele possui um impacto crucial sobre nossa cultura. E isso é algo que não veríamos caso não adotássemos uma perspectiva histórica de longo prazo.

É claro que há vários outros fatores que também influenciam, mas o dinheiro fiduciário é um fator crucial, e o atual sistema é perpetuado pelo fato de que todos têm muito a perder no curto prazo caso ele seja substituído. No que mais, considerando que nossa cultura moderna foi profundamente moldada pelos sistemas monetários fiduciários, aboli-lo ou simplesmente alterá-lo iria contra as próprias fundações culturais de nossa atual sociedade.

Não obstante os vários custos de curto prazo, ainda assim deveríamos ousar em alterar tal sistema. Em última instância, é uma questão de coragem, percepção e vontade.



Jörg Guido Hülsmann é membro sênior do Mises Institute e autor de Mises: The Last Knight of Liberalism e e The Ethics of Money Production. Ele leciona na França, na Université d'Angers.

Tradução de Leandro Roque

“Às vezes famintos somos obrigados a nos saciar com porcarias. Como exemplo cito hienas e comunistas.” (Leão Bob)

Ação da Petrobras cai abaixo de R$10; ‘Faxinaço’ amanhã

Não é pelos R$ 9,18. É pela indignidade da coisa toda.
No dia em que a ação PN da Petrobras fechou a preço de lojinha de importados chineses, foi marcado para amanhã um ‘faxinaço’ em frente a escritórios da empresa em seis capitais brasileiras e em Houston, no Texas. (veja os locais abaixo)
“Traga baldes, vassouras e rodos! Vamos acabar com essa sujeira!” diz o convite para o evento. “Protestaremos pelo fim da corrupção, por uma gestão profissional e fim do uso político para indicação nos cargos administrativos.”
“Tem muitos funcionários da empresa dizendo para conhecidos que adorariam estar lá na manifestação, mas que têm medo de represálias,” disse uma pessoa próxima à organização do evento, que está sendo marcado pelo Facebook.
A ação entrou em leilão na Bovespa pelo menos duas vezes no pregão de hoje — o que acontece quanto a queda é muito abrupta.
No mercado, chama a atenção a incapacidade do Governo de reagir ao derretimento da ação, cada vez mais avassalador. O Palácio do Planalto, pela primeira vez, parece estar deixando o mercado determinar o preço de alguma coisa no País — em vez de ditar o preço de cima para baixo.
Os focos de incerteza sobre o futuro da estatal incluem o tamanho do impairment(reconhecimento de perda no valor dos ativos) que terá que ser feito no balanço, o timing da publicação do balanço auditado, a continuidade da atual gestão, e o efeito da desvalorização cambial sobre o endividamento da empresa.
A “destruição da Petrobras”, antes uma figura de linguagem, cada dia se materializa mais como um evento concreto, surreal e com uma dinâmica própria.
FAXINACO
***
Aos leitores:  Você pode acompanhar este blog no Facebook ou pelo Twitter.
Por Geraldo Samor

CAPACIDADE RECONHECIDA- São Paulo- Citado na Máfia do ISS, petista é eleito presidente da Câmara

Antonio Donato, do PT.Um ano depois de perder cargo na gestão Fernando Haddad ao ser citado na Máfia do ISS, vereador petista chega ao maior posto do Legislativo

O JABUTI MONTOU UM CHIQUEIRO E AGORA CARREGA NAS COSTAS UM SACO DE MERDA- Ação da Petrobras cai 9% e fecha a menos de R$ 10

Novo adiamento da divulgação de balanço preocupa mercado. Dólar subiu pela quarta sessão seguida e encostou em R$ 2,70.

IGUALDADE

Imagem

INQUIETUDE

INQUIETUDE

Mar
Campo
Serra
Floresta
Cerrado
Deserto
Cidade grande
Cidade pequena
Vila
A verdade é que nenhum lugar é bom
Quando não se está em paz.

O JABUTI ACERTOU O DEDÃO NUM TOCO- Prévia do PIB aponta queda de 0,26% na economia

Resultado contrariou analistas, que esperavam avanço de 0,2% em outubro.

“A mortandade nas estradas brasileiras nada mais é que o fiel retrato de uma imensa ignorância coletiva."(Mim)

Rodrigo Constantino- Dilemas morais, religiosos e amorosos: o novo livro de Ian McEwan

Já estou em Tel Aviv, mas meu primeiro texto escrito de Israel não será sobre a nação judaica, e sim sobre o livro que devorei na viagem. Tinha ficado de ler a história do povo judeu, do professor Simon Schama, uma recomendação de João Pereira Coutinho. Mas não foi o que acabei lendo. Explico: ele está no meu kindle, e vinha aprendendo um bocado sobre a origem dos hebreus quando mandarem desligar todos os aparelhos eletrônicos para a decolagem. Peguei o reserva, no bom e velho formato de papel, que levei para tais ocasiões. Não consegui mais parar. Li, como se diz, de um fôlego só.
Trata-se do novo livro de Ian McEwan, A balada de Adam Henry. O escritor inglês aborda vários dilemas morais na obra, que gira em torno de um rapaz de 17 anos com leucemia que precisa de transfusão de sangue para sobreviver, mas cuja família é da seita religiosa Testemunhas de Jeová, que se recusa a aceitar o procedimento. Esse caso cai nas mãos da juíza Fiona Maye, a personagem principal que é do Tribunal Superior, vara de famílias. E vai mudar sua vida.
Seguindo sua mais recente linha, o livro é um embate com o obscurantismo religioso, mas não sem tato, sem abordar o outro lado. O tema é visto em sua complexidade, tangenciando outros aspectos da moralidade e da busca de sentido. Não há respostas fáceis. Como dizia Mencken, afinal, para todo problema complexo há uma resposta clara, simples, e errada. McEwan não foge do desafio de responder aos dilemas sob seu ponto de vista, ou no caso o da juíza racional em um sistema laico. Mas compreende que sempre algo se perde no caminho.
O drama central, porém, pertence à própria Fiona. Prestes a completar 60 anos, bem-sucedida profissionalmente, casada há décadas num relacionamento feliz, seu mundo desaba de repente quando seu marido deseja algo que ela não é mais capaz de lhe dar, ou assim pensa. Sem filhos, e com um desejo maternal reprimido, encontra-se nesse abismo momentâneo de sua vida pessoal justo no instante em que precisa deliberar sobre o caso de Adam, o rapaz de quase 18 anos que não quer o tratamento com sangue “impuro” de estranhos, mesmo ciente de que deverá morrer sem ele. Seu mundo seguro vira de ponta a cabeça da noite para o dia.
No decorrer do livro, o autor vai nos apresentando casos delicados em que juízes precisam decidir, como gêmeos colados que vão morrer sem uma cirurgia de separação, mas que se for feita a cirurgia somente um poderá sobreviver. Ou então o caso de filhos de pais viciados que disputam sua guarda. Ou ainda o caso de uma separação em que um pai religioso e ortodoxo não aceita que a ex-mulher trabalhe e é preciso decidir como será a criação da filha deles, sob qual modelo ético. Em suma, quando e em que circunstâncias cabe ao estado intervir para proteger as crianças de seus próprios pais?
O paternalismo, quando o estado trata adultos como crianças indefesas, é execrável para um liberal como eu. Mas quando o assunto envolve crianças fica mais complicado. Os pais devem gozar de grande autonomia na criação de seus filhos, mas naturalmente há limites. Os pais não podem tudo, certamente. Como definir a linha divisória? Como decidir quando é desejável usar o monopólio da força estatal para garantir os direitos e o futuro das crianças? O autor arrisca uma resposta com base numa passagem de uma sentença conhecida na Inglaterra:
O bem-estar e a felicidade deviam incorporar o conceito filosófico de uma vida virtuosa, relacionando alguns ingredientes relevantes, metas que uma criança poderia perseguir: liberdade econômica e moral; virtude, compaixão e altruísmo; um trabalho satisfatório a exigir empenho na solução de problemas; uma rede florescente de relações pessoais; a conquista da estima de seus pares; e a busca por significados maiores para sua existência, assim como manter, ocupando o lugar central em sua vida, um ou alguns poucos relacionamentos importantes definidos acima de tudo pelo amor.
Uma lista bonita, mas ainda com margem para diferentes interpretações subjetivas. “Os tribunais deveriam se mostrar cuidadosos ao intervir a favor das crianças caso isso contrariasse os princípios religiosos dos pais. Às vezes a intervenção seria necessária. Mas quando?”, pergunta o narrador. A questão da idade pesa, pois o garoto tem quase 18 anos, e nessa idade, a ser completada em três meses, ele teria o direito inalienável de escolher. Mas há que ter uma linha arbitrária separando a “infância” da vida adulta, e até cruzar essa linha, o jovem precisa ser protegido de si mesmo muitas vezes, ou de seus pais fanáticos, se for o caso.
Não vou me aprofundar para não estragar as surpresas de quem não leu ainda o livro e pretende fazê-lo, o que recomendo. Mas fecho, tentando manter de alguma forma o mistério, lembrando aquilo que Freud já alertava, se não me engano: cuidado para não derrubar todas as ilusões e fantasias da pessoa sem ter nada a oferecer para colocar no lugar. O resultado pode ser um profundo vazio existencial, um desespero niilista, ou a busca por um novo fanatismo. A própria juíza, mulher até então segura de si, ambiciosa e feliz, terá de encarar seus fantasmas, descobrir de onde extrair novas forças para não desmoronar, para seguir em frente, reconstruir sua vida. E todos nós não temos, cedo ou tarde, que passar por provação similar nesse breve espaço de tempo entre o nada e o nada?
Rodrigo Constantino

“Somos o país da paz. Só morrem assassinados uns 150 humanos por dia. Vai ver é porque controlamos a venda de armas. (Pócrates)

Petrobras se meteu em processo para conter documentos

O departamento jurídico da Petrobras interveio numa ação judicial em que acionistas do Grupo Ipiranga buscam indenização por prejuízos causados na incorporação da empresa pela Ultrapar.
A Petrobras não é parte do processo, mas foi à Justiça para dificultar a obtenção de provas contra a Ultrapar.Graça Foster
Na ação, ajuizada em dezembro de 2010, fundos de investimento geridos pela Polo Capital processam a Ultrapar, seus executivos e conselheiros pela forma como a Ultrapar incorporou empresas do Grupo Ipiranga em 2007. Os gestores da Polo alegam que a relação de troca de ações foi “totalmente irregular e artificial” e que seus fundos, acionistas da Ipiranga, sofreram “vultosos prejuízos” como consequência da operação.
Quando, no curso desta ação, os advogados da Polo pediram que um perito judicial tivesse acesso a documentos da CVM que comprovariam irregularidades na incorporação, a Petrobras, que não é parte na ação, ingressou em fevereiro de 2012 como “terceira interessada”, pedindo que a Justiça negasse acesso aos documentos.
Os documentos da CVM em questão referem-se a um processo administrativo instaurado em 2009 para investigar irregularidades na incorporação da Ipiranga. Cinco anos depois, este processo permanece sem ser julgado.
Ao entrar em juízo para evitar que o perito judicial tivesse acesso aos documentos da CVM, os advogados da Petrobras alegaram que a Polo poderia usar as informações para especular com ações, ainda que as informações fossem de cinco anos antes. Alegaram também que se tratava de “documentos estratégicos sobre sensível setor da economia (notadamente o refino e distribuição de petróleo).” A Petrobras comprou, da Ultrapar, uma parte dos ativos do Grupo Ipiranga, mas essa operação não era objeto da demanda judicial da Polo.
Em 18 de junho deste ano, a Polo enviou uma carta ao conselho de administração da Petrobras reclamando do que considera interferência abusiva da Petrobras no processo e dizendo que a conduta da empresa, ao obstaculizar a obtenção de provas, afronta os princípios mais básicos da governança corporativa.
A carta, a que VEJA Mercados teve acesso, diz que o jurídico da Petrobras mostrou “estranha combatividade no interesse de terceiros” porque, depois de ter seu pedido negado pelo juiz, a Petrobras ainda recorreu, primeiro ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio (onde seu pedido foi parcialmente atendido) e, mais tarde, ao Superior Tribunal de Justiça em Brasília. Ainda hoje, a Petrobras tenta impedir, no TJ do Rio, o acesso aos documentos da CVM.
Como o conselho da Petrobras não respondeu à carta, a gestora voltou a escrever aos conselheiros em 14 de novembro.
Diz a Polo na segunda carta: “Neste contexto, considerando tantas e tamanhas evidências veiculadas na mídia a respeito dos sucessivos escândalos de corrupção e outros malfeitos envolvendo a Petrobras, até então mantidos sob indevido sigilo, servimo-nos da presente para reiterar os termos [da carta anterior] e manifestar nossa veemente insatisfação quanto à posição de Vossas Senhorias, que até a presente data permanecem inteiramente omissos quanto à elucidação dos fatos.”
Por Geraldo Samor

Caio Blinder- Se oriente, Japão!

E o Japão? Como está o Japão? A gente fica na conversa interminável (e amarga) sobre a América Latina no fundo do poço, o poço de sempre que é o Oriente Médio, a poço de lama que é a agressão russa na Ucrânia, o poço disfuncional de Washington e a China expandindo o seu poço. Assim, parece que condenamos a terceira economia mundial a uma irrelevância global, um poço esquecido.
Claro que não, o Japão não parece, mas é vital. Tem até um raro caso de líder do mundo maduro e democrático que é vigoroso e consegue ser reeleito em um cenário de estagnação. Os japoneses deram no domingo uma terceira chance a Shinzo Abe, 60 anos, com as eleições parlamentares que ele convocou às pressas, justamente para ter um mandato mais assertivo. A eleição foi um referendo sobre o programa de revitalização econômica de Abe (“Abenomics”), no cargo há dois anos (ele teve uma primeira, fugaz e frustrante experiência de um ano em 2006/2007).
O desfecho é discutível, apesar das aparências de triunfo. Abe é vigoroso, mas não a sociedade que lidera. O seu partido conservador, o Liberal Democrata, e o aliado budista Komeiro conseguiram manter a supermaioria de 2/3 das cadeiras na Câmara Baixa do Parlamento (e desta forma podem passar legislação sem a Câmara Alta). No entanto, foi o mais baixo índice de comparecimento às urnas na história democrática do Japão: 52.4%. O. Os eleitores não se motivaram com a alternativa, os desmoralizados oposicionistas um pouco à esquerda do Partido Democrático do Japão.
Os japoneses estão desanimados, o que condiz com duas décadas de estagnação de uma economia famosa por milagres. Abe gostaria de ser o santo milagreiro, tirando o Japão de sua deflação e impulsionando o crescimento (no terceiro trimestre a economia contraiu acima das expectativas). Ele colocou em prática uma política econômica ambiciosa das três flechas, mas nem tudo foi certeiro. As duas primeiras foram afrouxamento monetário e estímulos fiscais.
Agora com este novo mandato, ele precisa mostrar coragem (e não ser “complacente”, como alertou no domingo) para disparar a terceira flecha: as reformas estruturais. Os dois obstáculos clássicos são: acabar com o protecionismo do setor agrário e desregulamentar o mercado de trabalho, em um país geriátrico e no qual os jovens estão desmotivados para trabalhar.
Abe tem ainda uma quarta flecha, bem afiada: uma política externa mais agressiva que rechaça o pacifismo japonês do pós-guerra. Tal postura traz um certo alívio para os aliados americanos cansados de guerra, mas inquieta muito a vizinhança no Pacífico, a destacar China e Coreia do Sul, furiosos com o revisionismo histórico japonês.
O Shinzo Abe mais assertivo com este novo capital político deverá intensificar as tensões geopolíticas no Pacífico. E basta olhar o calendário: 2015 está aí, 70 anos do final da Segunda Guerra Mundial. É um momento de muito dilema para Shinzo Abe, com seu vigor mais nacionalista. Ele desafia as exigências chinesas por mais desculpas pelo comportamento atroz do Japão na Segunda Guerra, mas precisa se ajustar à realidade econômica que é garantir o mercado chinês para as empresas japonesas, especialmente no setor de serviços.
O samurai Shinzo Abe dá muita flechada. Sua tradição é acertar muito (como convocar estas eleições), mas também errar muito o alvo.

CHOQUE DE REALIDADE- “Não amor, não ficaremos juntos até o fim. Alguém precisa ficar do lado de fora para fechar o caixão.” (Climério)

“O álcool é companheiro da irresponsabilidade.” (Mim)

Em relação ao governo- “A gente não pode ter tudo, mas por que ter tão pouco?” (Mim)

“O que nos espera no novo ano? Mais Dilma. É para acabar!” (Eriatlov)