quinta-feira, 22 de março de 2018


As pessoas defendem apaixonadamente a religião que receberam de seus pais. Defenderiam com igual paixão qualquer outra fé, possivelmente oposta, se tivessem nascido em outra família.

 Richard Dawkins

O ENROLÃO


O avião em que ele estava caiu num lugar quente e deserto. Mariel machucado e perdido por três dias; sofria de sede e desidratação, não tendo encontrado nem mesmo um pequeno arbusto para se proteger, nem uma plantinha de onde pudesse retirar água. Já no desespero viu ao longe viu uma edificação e depois de muito esforço chegando mais perto leu a inscrição BAR DO BETO. Aliviado entrou, foi até o balcão e pediu uma água mineral bem gelada. O atendente com a preguiça assentada no lombo fuçava no celular então demorou em vir atendê-lo e quando veio solicitou pagamento adiantado. O sedento homem alcançou uma nota de cem reais e o mesmo alegou não ter troco. Mariel disse que não precisaria dar troco, iria beber toda a nota em água. O atendente começou então a verificar a nota achando que talvez fosse falsa. Pediu um tempo para ir ao banheiro, já voltaria. A sede matava o homem e o atendente se enrolando. Nisso chegou o Beto e prontamente atendeu o cliente, além de cuidar dos seus ferimentos. “Disse ele:” Não ligue para o meu funcionário. “A vida toda esteve com políticos, está aprendendo a trabalhar agora.”

JEAN


Jean rapaz; ele não estuda, ele não trabalha, não projeta o futuro, vive apenas o presente aprisionado por pesadelos e fantasmas. Caiu no poço da desgraça faz tempo, não consegue sair. Grita ”meu pai me ajude, minha mãe me ajude!” Porém onde eles estão não podem mais ouvi-lo e os amigos de outrora estão na mesma situação de desespero; presos ou então mortos. Encostado numa calçada imunda, fedendo a suor reciclado no próprio corpo, entre uma crise e outra compra uma pedra. Consegue o alívio que dura pouco, o sofrimento retorna dobrado. Assim são os seus dias de vidador. Não há luz, somente escuridão-sofreguidão. Mas ele quer não quer continuar assim. Fácil foi entrar nesse labirinto de perdição, difícil é encontrar a porta de saída quando a força maior do vício não deixa. Algumas mãos já passaram pela sua frente oferecendo ajuda e foram enxotadas. Uma pena; a vida de Jean está ficando sem tempo.

O INVENTOR


Carlotto era inventor. Inventou a lâmpada que não acende para poupar energia; inventou o ralador que não rala; a maquina de fatiar que não fatia e o espremedor que não espreme. Também criou a famosa caixa de joias que só se abre por dentro; uma vez fechada, babau! Ontem fez a demonstração da sua última invenção: o ventilador nuclear supersônico. Funcionou. Tanto funcionou que arrancou sua cabeça e derrubou o prédio onde morava. Uma perda lastimável para a ciência nacional. E como!

O AMIGO


Loreno vivia só numa casinha num local distante de tudo. Arrumou um cão para ter companhia. Depois de algum tempo o cão morreu. Loreno então conseguiu um gato. Depois de algum tempo o gato também morreu. O homem não tinha sorte com os animais, todos morriam logo. Depois do gato teve uma ovelha; uma coruja; um jabuti; uma jaguatirica; um veado campeiro; duas codornas; um papagaio; um macaco prego; uma arara e por fim arranjou como bom amigo um homem perdido que na sua casa bateu pedindo ajuda. Não demorou um ano Loreno morreu. O amigo? O amigo continua bem vivo. Tomou posse da casa e vive ainda por lá, já beirando os oitenta anos. Não tem bicho nenhum, só uma potranca quarenta anos mais nova.

O SACO


Um caminhão passou em disparada e deixou cair um saco. Era um saco de gatos. A meninada da rua ao abri-lo tirou de lá: cinco deputados; três senadores; doze empreiteiros; quinze sindicalistas ligados ao PT e por incrível que pareça uma licitação que ainda não havia sido fraudada.

ÁGUA


Após anos de seca desgraçada, no ano de 2003 num canto de pedras nas terras do Brasilino Esperança brotou água abundante. Jorrava alto, vinte, trinta metros de altura. Uma maravilha! Nasceu assim, ao natural, como um presente da natureza. O povo todo das comunidades vizinhas comemorou efusivamente, mas Brasilino já curtido pelas decepções da vida não foi ao pote com muita sede e mandou antes examinar o presente. Pois não deu outra: a água estava contaminada pelo sapovírus e pelo parasita dilmoridium parvum.

APOLÔNIO


Apolônio é um cabrito montês que acreditava pular até a lua num salto só. Seus familiares e amigos o chamavam de louco. Subiu mais alto que pode e na hora apropriada pulou. Pois pulou tão longe que caiu sobre o cavalo de São Jorge que pastava tranquilo (Não me pergunte como, mas cavalo santo tem pasto, água e ar limpo na lua, é santo ora!) São Jorge na verdade já havia morrido, então Apolônio ficou por lá fazendo companhia ao bom cavalo. Não acredita? Observe descrente nas noites de lua cheia e verás a sombra do Apolônio passeando sobre o solo lunar.

BILU CÃO


“A menina da casa irá participar do baile de debutantes. Vai ser apresentada à sociedade. Deve ser a apresentação do umbigo pra cima, pois a região do parque já foi apresentada e precisou até de manutenção.” (Bilu Cão)