quinta-feira, 9 de maio de 2019
UM DIA
DE CÃO
Nilson acordou estranho naquele dia. Saiu da cama
sem vontade de caminhar, preferiu andar de quatro. No lugar de ir ao banheiro
foi para fora e fez xixi no canto da casa. Após comer a ração do Totó fez um montinho
no gramado lateral. Depois correu pelas ruas próximas perseguindo automóveis.
Quando voltou para seu quintal foi pego pela esposa roendo um osso sobre a
calçada. Ela foi para dentro e voltou com uma coleira nas mãos. Colocou o
marido preso próximo da casinha, pôs água limpa e ração nova. Recomendou que
não latisse para não perturbar os vizinhos. Isto feito tomou banho e foi às
compras.
A TRANSFORMAÇÃO
Não importava o sol abrasador que torrava os
miolos. Não importava o odor terrível que emanava daqueles latões de lixo,
tanto que até urubus passavam por perto usando máscaras. Mas Demétrio não se
importava; lá estava ele todos os dias mexendo em tudo, fedendo ele próprio
mais que os restos ali depositados. Seu corpanzil há anos não sabia o que era
uma carícia das águas que não fosse da chuva. Carregava moscas pelo rosto todos
os dias, como se fosse um lotação de insetos, sendo algumas também embarcadas
nas orelhas. Vivia, comia e dormia na imundície, lugar mais sujo impossível. O
corpo adornado de perebas já nem se importava mais. Assim foi por muitos e
muitos anos. Porém um dia acordou sentindo-se estranho, muito diferente. Olhou
para algumas ratazanas com segundas intenções. Estava dentuço e peludo. Tinha
agora os gostos de um rato, bigodes de rato, orelhas de rato, dentes de rato,
enfim, transformara-se num rato. Ao contrário do caixeiro- viajante Gregor
Samsa, de Kafka, o Demétrio rato estava feliz. E assim continuou vivendo por
mais alguns dias até ser comido por um gato esfomeado.
POR
LIVRE OBRIGAÇÃO
Paulino corria pelo campo aberto e de vez em quando
olhava para trás. O suor descia pelo rosto, os pés doíam, os dedos faziam força
para fugir dos sapatos. O sol ardia na pele e as bochechas estavam em brasas.
Uma pequena brisa amainava um pouco o mal-estar do calor. Quando subia uma
pequena elevação pedregosa teve que esquivar-se de uma cobra cascavel. Adiante
se deparou com um encontro de escorpiões, tendo que dar saltos acrobáticos para
escapar ileso. Passou por uma cerca de fazenda e foi recebido a tiros pelos
peões. Vomitou de medo e cansaço. Depois atravessando um milharal foi corrido
por porcos do mato. Olhou para trás e viu à distância homens montados em
velozes cavalos vindos em sua direção. Não demorou muito para desmaiar diante
de um muro de pedra. Foi logo alcançado pelos cavaleiros, medicado e levado de
volta à cidade. Após ser lavado, vestido e perfumado, foi entregue à noiva na
porta da igreja.
AZARADO
Bernardo, trinta anos, sempre fora um sujeito
azarado, maldição sofrida por seus antepassados de fama ruim. Então certo dia
de sua podre existência foi dormir como homem e quando acordou estava
transformado numa minúscula e feia minhoca. Resignado com sua nova forma, enterrou-se
numa terra úmida para cumprir sua jornada. Pois não demorou dois dias quando
arrancaram ele de onde estava para servir de isca na pesca de jundiás.
RATINHO PAULO
RATINHO PAULO
Durante um tornado de grandes proporções o ratinho
Paulo foi levado pela tempestade e acabou caindo dentro do depósito de um
grande laticínio. Por ser um ratinho muito religioso ao ver tantos queijos
disponíveis disse para si mesmo:
- Jesus!!! Deus existe e aqui deve ser o paraíso.
Aleluia!
VILA
TRISTEZA
Na terra de gente triste tristeza é o material que
não falta. Pelas ruas de Vila Tristeza não se ouve sorrisos de crianças e o
cantar dos passarinhos. Música é algo que não se escuta. Não se ouve também a
bola quicar nos campinhos de terra e o alegre tagarelar das comadres no final
de uma tarde de verão. Andorinhas não voam perto dela, temendo perder seu
trinar. Na Vila Tristeza como o nome já diz, uma tristeza chorosa tomou conta
de todos; até as flores são aborrecidas e sem cores. Um viajante que por ali
passe não receberá por certo um comprimento de bom dia ou um sorriso amável;
apenas o frio distanciamento de seres que vivem num mundo estranho e sem nenhum
calor humano. Quando a noite chega todas as janelas e portas se fecham, o mundo
coletivo que pouco existe durante o calor do sol deixa de existir por completo,
é cada um por si. Na pequena vila impera o orgulho e todos são donos da
verdade.
PREGUIÇA
PREGUIÇA
Acordando hoje com dois quatis nas costas
Exaltando a siesta mexicana
Lembrei-me da história do sujeito
Que de preguiça morria de fome na cama
Foi então que alma boa
Ofereceu-lhe vida afora
Arroz com casca em qualquer demanda
Para aplacar sua fome a qualquer hora
Sabendo disso o sujeito
Do arroz com casca e não cozido
Agradeceu do vivente a nobre fidalguia
Mas que ante o trabalho da descasca
A boa morte preferia.
MUI CORDIAL
MUI CORDIAL
O grande metálico corre pela estrada
Na curva difícil tomba
O motorista jaz
A carga se dilacera
O motorista agoniza
O povo cordial saqueia.
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