Ele tinha certa dificuldade em fazer amigos. Para
dizer a verdade não tinha nenhuma facilidade em se aproximar de alguém. Para
uns era um grande chato, para outros apenas um jovem profundamente melancólico.
Algo que Joel não sabia era sorrir, sempre taciturno, vivia para si. Naquela
cidade não havia por certo pessoa mais solitária e triste, sua única amiga era
uma televisão de 20 polegadas que dele não podia fugir. Do trabalho no banco
para casa e nada mais. Não tinha empregada em casa nem bichos para cuidar.
Pensou num cachorro, mas logo desistiu, não queria ter o trabalho de limpar sua
sujeira. Teve sua tragédia pessoal quando sua noiva o trocou por outra. Não
reagiu, não lutou nem um pouquinho para sair da tristeza, apenas entrou no baú
dos solitários. E foi assim que um dia sua própria sombra resolveu deixá-lo,
abandonando um corpo quase já sem vida. E quando o sol mostrava seu brilho e
calor Joel caminhava pelas ruas sem ter sequer a própria sombra por companhia.
quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018
NICE
Esta é a curta história de Nice, uma doce bombinha,
faceira e formosa que apressadamente marcou um encontro com um pombo galã após
conhecê-lo pelo facebook. Embora avisada pelos familiares dos perigos de
encontros assim, não deu bola e foi. Usou seu melhor perfume e carregou na
maquiagem. O local combinado para o encontro foi um casarão abandonado na Vila
Dores. Chegaram ao local e foram para o sobrado. Já nas primeiras carícias o
tal pombo mostrou a sua verdadeira face. Ela ficou apavorada quando o dito
mostrou suas garras. Na verdade não era um pombo, mas sim um gavião disfarçado.
Azar da pobre pombinha que foi literalmente comida no primeiro encontro.
Restaram da Nice somente penas e sua nécessaire.
PAPO DA TARDE
Quase 18h e dona Zefa Fofoca estava na janela observando o movimento e destilando
veneno na companhia de Jureminha Bunda-de-Tábua, que vinha sem pressa da venda
e parou para um papo amigo. Falavam das coxas de fora da menina Matilde e da
barriguinha esquisita da filha da Norma-Bucheira. O falatório desenfreado é
quase lazer nas cidades pequenas. O conversê estava animado quando um ciclista
gorduchinho passou pela calçada e sem querer passou com o rodado da bicicleta
sobre a língua de dona Zefa que no momento estava em repouso sobre a calçada.
Foi para o hospital levada pelo SAMU sob os olhares risonhos da vizinhança. Jureminha e mais dois enfermeiros conseguiram
carregar a língua amassada. O ciclista fugiu pensando que havia passado por
cima de uma sucuri.
PÓ
Noite. Uma rua solitária na periferia. Um gato
malhado salta entre os telhados enquanto cães ladram ao vento. O excesso de
lixo caiu fora das latas e escorre pelo chão de terra. Baratas passeiam fugindo
dos pés dos meninos que brincam de bola na via. Mães e irmãs mais velhas chamam
para dentro os garotos de pés encardidos. É hora do banho e do jantar. Crianças
recolhidas, agora chegam automóveis com ocupantes que procuram nas esquinas
pelos empresários do pó. A lua e as estrelas observam o movimento. Dinheiro
para cá, pó para lá. Negócio feito lá e vão os loucos em busca de alucinações,
enquanto os empresários da farinha perigosa contam as notas. O inferno para
ambos os lados é logo ali.
A PIOR TEMPESTADE ESTAVA POR VIR
O céu ficou escuro e houve uma sensação de pânico
geral. As nuvens ruidosas pareciam cair sobre as casas. Ventos enfurecidos
revoltavam as melenas cobertas de poeira e faziam arder os olhos. Pequenos
galhos e folhas já corriam pelas ruas sem lugar para ficar. Placas
publicitárias de pernas fortes voavam como penas. As gentes fechavam suas
casas, cães e gatos eram recolhidos para lugares abrigados. Apressei o passo
para chegar logo em casa e fugir das nuvens ameaçadoras. Algumas lesmas pegaram
carona em pneus de bicicletas, enquanto outras eram rápidas em seus patinetes.
Entrei em casa a tempo de observar pela janela o mandatário- mor da cidade
passar voando em sua cadeira de trabalho. A secretária sentada em seu colo
fazia anotações e ajeitava os cabelos negros. Não muito distante dali a
primeira-dama já sabendo do fato, visto por centenas de olhos da comunidade,
tirava do baú um chicote de três tentos e dava lustro num cassetete de aroeira.
SEM SEGREDOS
Na tarde de ontem Reginaldo seguiu sua mulher e
então descobriu que era corno. Como nunca gostou de segredinhos foi até a uma
serigrafia e mandou estampar em seis camisetas ‘EU SOU UM CORNO’. Á noite
convidou os amigos para uma festinha e anunciar a entrada no clube. Na manhã de
hoje comprou um capacete viking e plantou uma placa no jardim da casa ‘AQUI
MORA UM CHIFRUDO APAIXONADO’. Como ela é
uma safada bem bonitinha, já tem vizinho perguntando quando a moça pretende
plantar mais um galho na testa do feliz.
O DEFUNTO INDIGNADO
Morreu D. Inácio Gomes. Velório grande na comunidade.
Coroas de flores de lotar estádio de futebol. Mas acontece que os Gomes não
gostam dos Fagundes nem perto, nem longe, coisa centenária. Pois não é que até
os Fagundes vieram prestar condolências ao falecido? Diante de tal afronta o
defunto pulou do caixão e de dedo em riste disse: “Se é para ser velado até
pelos Fagundes, eu não morro mais!”- E dito isso saiu porta afora esbravejando
contra tudo e todos.
MENINO OBEDIENTE
Renatinho é um menino obediente. A mãe o mandou comprar marshmallow. Não encontrou no supermercado perto de sua casa e seguiu em frente, sempre procurando. Isso faz quinze dias. Foi visto ontem em Miami com um pacotinho na mão. Contam que está retornando ao Brasil a nado.
SÍLVIO
O pensamento em fogo de altas labaredas. O vento forte, o mar
revolto, sentado na ponta do trapiche um Sílvio sem forças. Suas lágrimas
misturadas ao sal, o frio que doía bem menos que o tridente cravado em seu
coração. Sem rumo, sem foco, sem nada, esperando o tempo ficar velho. Então
acobertada por uma chuva formidável, veio navegando sobre uma onda brava uma bela
sereia. Toda cheia de encanto e ternura carregou Sílvio em seus braços mar
adentro, levando ele para o recanto da eterna mansidão.
ESQUECIDO
Distraído , esquecido, Guilherme é um sujeito que viaja na maionese. Esquece coisas nos lugares mais impróprios e jamais se lembra de ir buscá-los. Ontem fez doze anos que deixou a mulher na casa da sogra.
DONA MEIGA
Filha de Bastião Louco e Eldorina, Dona Meiga nasceu e viveu por mais setenta anos em Barra do Sarapião. Teve uma infância normal entre algumas dezenas de cadáveres de amigos do pai. Adulta, um doce era Dona Meiga. Vivia da lavoura e nas horas de folga matava alguns conterrâneos em troco de uns cobres. Não judiava é verdade, somente matava a tiros como manda o bom figurino. Mas era na matança muito delicada e deveras tão gentil que alguns até agradeciam por estar entrando pra bala.
MAQUIADOS
Não há nada de novo por aqui
Os ratos continuam mais ratos do que nunca
Contaminaram a casa já meio bagunçada com urina e
fezes
E o pior é ver eles na sacada
Acenando à multidão
Maquiados maravilhosamente
Para se parecerem
Não com ratos
Mas sim com araras coloridas.
CIVILIZAÇÃO
O
barulho musical trepidante enerva-me
O
silêncio absoluto apazigua-me
Fico
feliz quando as hostes barulhentas silenciam
Então
ouço novamente o belo cantar dos pássaros
E
observo o retorno da civilização à sua estrada.
ÁRIDA
De
gole em gole
De bar
em bar
O
pobre homem presente o fim da vida
Sem na
verdade saber porque esteve aqui.
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