sábado, 8 de agosto de 2020

GUSTAVINHO

 Ontem Gustavinho não gostou do almoço. Gustavinho menininho de bons dentes e de estomago forte. Deixou de lado a comida e começou a comer pratos e talheres, sob os olhares da família em transe. Comeu todos, menos uma faca feita de metal de serra fita. Acho que sobrou porque tinha gosto de graxa.


O MURO

 Faz alguns anos que na Vila Marta havia um grande terreno murado que aguçava a curiosidade dos moradores e passantes. O muro de mais de dois metros de altura, todo caiado,

 era como se fosse um monumento naquele quarteirão. Uma enorme placa dizia: “Perigo. Muito cuidado! Não tente pular este muro!” As gentes se perguntavam o que poderia existir de perigoso por detrás daqueles tijolos pintados de branco, que sabiam não ter moradia. Bichos? Plantas venenosas? Canibais?Amigos falsos? Comunistas?Parentes do Lula? Então certo dia, após uns goles, uns gaiatos resolveram dar fim à curiosidade e pular o obstáculo. Uma escada foi colocada, e quando dois deles subiram no muro,ele ruiu por completo. No chão, cheio de dores e machucados, os dois observaram no meio do terreno uma pequena placa e nela escrito: “Eu avisei!”


O EREMITA DO VALE DO RIO URUGUAI

 O velho eremita Herodes vive na mata, não por desilusão ou coisa assim, mas porque gosta de solidão, dos animais e do cheiro das folhas verdes. Já viúvo, tem no cão Batmann seu amigo companheiro. Tem verdadeira devoção pelo cãozinho branco/caramelo, há nove anos na sua companhia. Mora num pequeno barraco trançado de cipós, arbustos bem folheados e uma velha lona sobre tudo, impedindo que entre água da chuva. Do seu lugar se vê o Rio Uruguai serpenteando, dividindo os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Uma vez por mês desce ao Porto para pegar algumas provisões e receber sua aposentadoria. Pouco tem: um velho colchão; dois lençóis; um travesseiro; uma lata de dois quilos de arroz; banha de porco; açucar; café; charque;uma barra de sabão. De utensílios,um isqueiro grande,  uma panela, uma frigideira, um copo de lata. duas facas, e duas colheres.Tem creme dental e escova,algumas bermudas e camisetas. Duas toalhas de banho e um grosso cobertor. Alguns livros guarda com carinho: D. Quixote- O Vermelho e o Negro-Cândido-Crime e Castigo- O Castelo de Vidro e uma coleção de Mario Vargas Llosa.  Fala rindo:" velho e pobre sim, inculto não!" Não muito longe há uma pequena cascata, onde toma banho e apanha água potável. Entre suas tralhas guarda algumas linhas de pesca. Vez ou outra o arroz é acompanhado de peixe frito. Fez um banquinho de madeira e cipós para quando se cansa de ficar em pé. Tem papel higiênico também. Faz suas necessidades a trezentos metros do barraco, e sempre enterra. Alguns dizem que é louco, porque fala com os animais, mas o conheço bem, louco ele não é. Se fala com os bichos é por amor, e para impor desafios à sua mente, evitando que se torne preguiçosa. Debate com o  lagarto Sebastião questões universais, como se vamos para algum lugar depois da morte, ou se existe vida inteligente no universo além da nossa. Herodes acredita que não somos únicos no universo, mas acredita que pós-morte existe o nada. Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?-  também assunto dele com a coruja Lucrécia. Tanto ele quanto ela acreditam que foi a galinha, mas o assunto é polêmico e divide até os homens da ciência. Dos políticos não generaliza, a maioria não vale um centavo, mas há os bons em pequeno número. Com o tucano Antenor debate assuntos econômicos, e os dois concordam que governos devem ser austeros, valorizar a poupança interna, para ter dinheiro barato para investimentos necessários à população. Dias atrás passou para um papo  garça viajante, chegada em assuntos gramaticais, que observou que o nome Cordilheira Alta se trata de uma grande redundância, mas vá lá, disse bem humorada,que o povo decida. Então se alguém topar com Herodes, não se assuste, apesar de excêntrico se trata de um grande coração. Mal não faz, só pensa o bem, é um anjo que vive na mata.