terça-feira, 1 de janeiro de 2019

GENTIL COVEIRO


”À noite os mortos aqui do meu cemitério têm bastante companhia. É tanta fumaça que até os defuntos ficam emaconhados.” (Gentil, o coveiro)

ÁRIDA


De gole em gole
De bar em bar
O pobre homem presente o fim da vida
Sem na verdade saber porque esteve aqui.


Noite. Uma rua solitária na periferia. Um gato malhado salta entre os telhados enquanto cães ladram ao vento. O excesso de lixo caiu fora das latas e escorre pelo chão de terra. Baratas passeiam fugindo dos pés dos meninos que brincam de bola na via. Mães e irmãs mais velhas chamam para dentro os garotos de pés encardidos. É hora do banho e do jantar. Crianças recolhidas, agora chegam automóveis com ocupantes que procuram nas esquinas pelos empresários do pó. A lua e as estrelas observam o movimento. Dinheiro para cá, pó para lá. Negócio feito lá e vão os loucos em busca de alucinações, enquanto os empresários da farinha perigosa contam as notas. O inferno para ambos os lados é logo ali.

NICE


Esta é a curta história de Nice, uma doce bombinha, faceira e formosa que apressadamente marcou um encontro com um pombo galã após conhecê-lo pelo facebook. Embora avisada pelos familiares dos perigos de encontros assim, não deu bola e foi. Usou seu melhor perfume e carregou na maquiagem. O local combinado para o encontro foi um casarão abandonado na Vila Dores. Chegaram ao local e foram para o sobrado. Já nas primeiras carícias o tal pombo mostrou a sua verdadeira face. Ela ficou apavorada quando o dito mostrou suas garras. Na verdade não era um pombo, mas sim um gavião disfarçado. Azar da pobre pombinha que foi literalmente comida no primeiro encontro. Restaram da Nice somente penas e sua nécessaire.

SEM SOMBRA


Ele tinha certa dificuldade em fazer amigos. Para dizer a verdade não tinha nenhuma facilidade em se aproximar de alguém. Para uns era um grande chato, para outros apenas um jovem profundamente melancólico. Algo que Joel não sabia era sorrir, sempre taciturno, vivia para si. Naquela cidade não havia por certo pessoa mais solitária e triste, sua única amiga era uma televisão de 20 polegadas que dele não podia fugir. Do trabalho no banco para casa e nada mais. Não tinha empregada em casa nem bichos para cuidar. Pensou num cachorro, mas logo desistiu, não queria ter o trabalho de limpar sua sujeira. Teve sua tragédia pessoal quando sua noiva o trocou por outra. Não reagiu, não lutou nem um pouquinho para sair da tristeza, apenas entrou no baú dos solitários. E foi assim que um dia sua própria sombra resolveu deixá-lo, abandonando um corpo quase já sem vida. E quando o sol mostrava seu brilho e calor Joel caminhava pelas ruas sem ter sequer a própria sombra por companhia.