quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Caio Blinder- O túnel de Gaza (Amos Oz)


O velho guerreiro “peacenik”
Cá estou, no retorrno formal das férias, que não foram de gozo integral. Afinal, nem tudo é prazer quando tentamos descansar. Não resisti à tentação das breaking news (obrigado Ucrânia, obrigado Gaza). No texto que costuma ficar de molho na coluna durante as minhas férias, eu observo que “posso ignorar os jogos de palavras nas colunas de Thomas Friedman, no New York Times“, durante os dias de dolce vita. No entanto, sofri na ausência do gozo integral das férias e acabei lendo Thomas Friedman. Até que ele montou um bom joguinho, em um texto sobre Gaza, ao escrever que “esta é uma geração de líderes israelenses, palestinos e árabes especialistas na construção de túneis e de muros. Nenhum deles fez o curso sobre pontes e portões”.
Já são três guerras em Gaza em menos de seis anos. E agora? Teremos apenas uma pausa até uma nova espiral de violência ou existe alguma luz no fim do túnel que não seja um terrorista palestino disparando contra a “entidade sionista”, com as retaliações israelenses? Nesta mesma coluna, Friedman observa que a única esperança de luz no fim de túnel é fortalecer a anêmica Autoridade Palestina de Mahmoud Abbas, desacreditada por suas próprias tergiversações e torpedeada pelas tergiversações de Israel.
Somente a Autoridade Palestina, que precariamente manda na Cisjordânia, pode neutralizar as patologias do Hamas e as fantasias de Benjamin Netanyahu de que dá para manter o status quo de forma indefinida ao fingir empenho na construção de um estado palestino e recorrer a periódicas escaladas em Gaza naquilo que é conhecido como “aparar a grama”. Eu endosso a sabedoria convencional de Thomas Friedman.
Li bem mais do que devia para minha saúde emocional sobre Gaza durante minhas férias. E Gaza não fez bem para a saúde de Amos Oz, que, aos 75 anos, antes da crise, já não estava bem. Compartilho com os leitores as pensatas do maior escritor israelense e patrono dos “peaceniks” do país, em entrevista dada na semana passada à rádio alemã Deutsche Welle.
Oz tem vigor para pegar a bola no início da entrevista e lançar duas perguntas ao entrevistador e aos ouvintes:
1) O que você faria se o seu vizinho, do outro lado da rua, sentado na varanda, colocasse seu pequeno filho no colo e começasse a disparar fogo de metralhadora contra sua creche?
2) O que você faria se o seu vizinho, do outro lado da rua, cavasse um túnel da creche dele para a sua creche para explodir sua casa ou sequestrar sua família?
Dito isso sobre o Hamas, Amos Oz complica a conversa. Como em outras guerras israelenses contra o Hamas e o movimento terrorista libanês Hezbollah, o escritor “peacenik” defende o direito de autodefesa de Israel com ressalvas: a estratégia militar israelense é “justificada, mas excessiva”. Tudo é complicado em um contexto atroz. O escritor é favorável ao fim do bloqueio de Gaza e ressalta que Israel está em uma “lose-lose situation”, em razão da estratégia do Hamas: mais baixas israelenses, melhor para o Hamas; mais baixas civis palestinas, melhor para o Hamas.
No entanto, Amos Oz olha adiante, contrário à rotina de “aparar a grama”. Diz que Israel precisa se aproximar de Mahmoud Abbas e aceitar os termos conhecidos da solução dos dois estados: duas capitais em Jerusalém, modificações territoriais ao longo da fronteira pré-guerra de 1967 e remoção da maioria dos assentamentos judaicos da Cisjordânia. Para Amos Oz, “se o povo de Gaza ver o povo da Cisjordânia vivendo em paz e prosperidade, ele vai mais cedo ou mais tarde fazer com o Hamas o que o povo romeno fez com Ceaucescu” (o ditador comunista e sua mulher foram executados por um pelotão de fuzilamento após julgamento sumário em 1989).
Já agora, no precário esforço para consolidar o cessar-fogo em Gaza, existe a pressão capitaneada pelo Egito para dar um papel relevante à Autoridade Palestina na reconstrução e normalização da vida no território. São metas, algumas quixotescas, como conferir “autoridade” à Autoridade Palestina no controle fronteiriço (pedágio nos túneis?) e desarmar o Hamas.
Amos Oz é um crítico ferrenho da direita israelense, mas ao longo da entrevista justifica outras vezes a operação militar em Gaza, além de manifestar perplexidade com a incapacidade global para entender as razões de Israel. Há um fosso entre Israel e o resto do mundo e isto fica evidente na autodefinição de Amos Oz: “Ao contrário dos pacifistas europeus, eu nunca acreditei que o pior mal no mundo fosse a guerra. É a agressão e a única maneira de combatê-la infelizmente é pela força”.
Amos Oz lutou na guerra de 1967 e foi um pioneiro para combater a ocupação dos territórios, condenar a criação dos assentamentos e pedir o estabelecimento de um estado palestino. O velho guerreiro “peacenik” insiste na entrevista à rádio alemã que a solução para a crise palestina é política e não militar, embora isto não irá acontecer em 24 ou 48 horas. Infelizmente, talvez nem em 24 ou em 48 anos. O túnel é longo e escuro.
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