quarta-feira, 27 de junho de 2018

O VELHO JOSÉ


O velho José já passando dos setenta ficava em frente de casa vendo o movimento da rua. Viúvo e sem filhos, ali ficava para passar o tempo. E os dias foram se passando, os meses, os anos, e o velho José ali olhando o movimento sentado na sua cadeira de palha. Os vizinhos foram morrendo de velhice, casas demolidas e o seu José por ali observando o movimento. Com os anos chegaram os edifícios e novos vizinhos que desconheciam o idoso seu José, coisa de cidade grande e correria maluca. Talvez por isso foi que demorou alguns anos para descobrirem o esqueleto do seu José sentado na sua cadeira, cigarro entre os dentes de sua caveira, ainda contando os automóveis que passavam pela rua.

ROMEU E O GATO


Endividado, Romeu entrou num bueiro pra fugir das dívidas. Dentro do buraco as dívidas se transformaram em ratazanas e passaram a persegui-lo. Guinchavam e mostravam seus dentes enormes e afiados querendo morder seus calcanhares numa corrida aflitiva. Romeu pesado e já sem fôlego nem mesmo conseguia gritar por socorro, embora não acreditando que alguém estaria dentro de um buraco daqueles para socorrê-lo.  Quando as ratazanas estavam prestes a alcançá-lo eis que surge Garfield louco de fome e num piscar de olhos destroça os roedores e o leva para fora daquele lugar imundo. Romeu era um cidadão obeso. Durante o pesadelo ele caiu da cama sobre o gato que dormia sossegado no chão, não tendo o bichano chance alguma diante do tamanho do homem, mesmo ele tendo sete vidas. Esmagou numa só tacada todas as vidas do bichano que morreu se perguntando: “o que esse elefante está fazendo sobre mim?”

BICHO DA GOIABA


Era uma vez um bicho da goiaba que nasceu para ser bicho da goiaba não outra coisa, pois preenchia todos os requisitos físicos e psicológicos, mas por problemas desconhecidos não queria ser bicho da goiaba de jeito nenhum. Certo dia fugiu da goiaba, apanhou um besouro táxi e foi para dentro da casa de uma senhora que fazia tricô. Andou para lá e para cá até penetrar num novelo de lã que pensou ser um enorme pêssego. Seu sonho era ser um bicho do pêssego até amadurecer, procriar, morrer e ir para o céu. Morreu de fome solitariamente o bicho da goiaba que sonhava ser um bicho do pêssego. Mas pelo menos tentou.

“É preciso ter mingau na cabeça para acreditar em astrologia.” (Paulo Francis)



“Não há quem não cometa erros, e grandes homens cometem grandes erros.” (Paulo Francis)



“Ser comunista, hoje, exige um ato de fé sobre-humana.” (Paulo Francis)


BANANAS


Aconchegadas na fruteira
São elas irmãs verdes deitadas
Ouvindo as conversas da casa
Em absoluto silêncio
Enquanto esperam pelo amarelo doce do amadurecer.


DE CABO A RABO


Queria um país de dirigentes austeros
Severos
Mas o que temos?
Meros gastadores
Descomprometidos
Vivendo o faz de conta da responsabilidade
Num país pra lá de falido
Corrompido até o último fio de cabelo.

GARIMPEIRO URBANO


Ainda o sol não nasceu
Sopra um vento gelado pelas ruas da cidade vazia
Um solitário de casaco puído e sujo caminha de olhos  no chão
Mãos trêmulas nos bolsos
Lábios rachados e  boca seca
Procurando pequenos alentos nas calçadas e sarjetas
Pois é um garimpeiro urbano
Um garimpeiro de moedas perdidas.


ABRINDO PORTAS


Tal é a carantonha
Que assusta quem por perto está
Não sei por que não tentam
Um cumprimentar alegre
Saber falar com licença
Por favor
Muito obrigado
Que não são chaves
Mas que abrem muitas portas.

TÉDIO


Na rotina cansativa
A grande ameaça é assumir o tédio
Impondo ao ser o desalento
O não sonhar
A terrível amargura da desesperança.