domingo, 25 de fevereiro de 2018

AZARADO


Bernardo, trinta anos, sempre fora um sujeito azarado, maldição sofrida por seus antepassados de fama ruim. Então certo dia de sua podre existência foi dormir como homem e quando acordou estava transformado numa minúscula e feia minhoca. Resignado com sua nova forma, enterrou-se numa terra úmida para cumprir sua jornada. Pois não demorou dois dias quando arrancaram ele de onde estava para servir de isca na pesca de jundiás.


ALAN RATON


Meu nome é Alan Raton. Digo que  é muito duro não saber ler, posso dizer que é mortal. Sou um rato não alfabetizado, entregue aos perigos do mundo. Agora estou morrendo; comi uns grãos de raticida crendo tratar-se de salgadinhos da Elma Chips. Estou indo, deu, fui. Será que existe outra vida?


VAI DAR PROCESSO


Não tem como não dar processo. Sem dúvida uma verdadeira afronta ao consumidor. Se eu fosse advogado eu pegava a causa sem pestanejar.  Que pouca vergonha! Onde estamos? Não falta mais nada mesmo! Não basta o que já sofremos? Sem mais rodeios, eu conto: Em Brasília Doma Emengarda encontrou um corrupto dentro do pote de margarina de 1 kg. Penso que caminhamos para o fim.

O ANTRO


Tardinha de sexta-feira. Sala no subsolo. Ambiente enfumaçado, conversas em voz baixa, sujeitos mal-encarados e outros nem tanto, todos bafejando álcool em grande estilo. Políticos, assaltantes, traficantes, proxenetas, jogadores e algumas prostitutas. Só cidadãos de primeira linha. Ali se reunia a catrefa para planejar novos golpes e maldades embalados por todos os tipos de drogas. Assim do nada tlac tlac tlac tlac...tlac tlac tlac...tlac tlac..tlac. Um pequeno cubo mágico rolou pela escada. Então, TRANSFORMERS JUSTICEIRO!!
Não sobrou nem mesmo o barman.


O TEMPO


Menino Glauber estava descalço e de calção na sala assistindo televisão. Depois se levantou e foi até a janela para ver a vida passar. Chupou duas balas, voltou para dentro e aí percebeu que já estava com setenta anos. Pois é o tempo, o implacável tempo.  Voa o precioso e quase não percebemos. Sentimos o início e o fim e quase sempre perdemos o meio.

VINGANÇA


Os peludos ratos entraram na despensa e começaram a fuçar. Na escuridão outros olhos estavam à espreita. Eram bichinhos brancos, outros amarelados, cheirosos e com muitos furinhos. Quando os ratos estavam prontos para comer eles atacaram sem dó, acabando com todos os dentuços em poucos segundos. A Era da Vingança havia começado; foi o primeiro ataque conhecido dos Queijos Assassinos.


O SUPER-HOMEM


Teodoro acordou naquele dia sentindo-se o Super-Homem. Meteu os pés nos chinelos, bateu no peito, respirou fundo e falou –‘vamos lá dia!” Aí foi pegar o penico que estava sob a cama e se descadeirou  todo. Não saiu do lugar sem ajuda. Teve que chamar a Super-Girl dona Jurema para colocar nele um emplasto Sabiá.

CORONEL OLIVEIRO



Oito horas da manhã. O suicida subiu na torre da igreja e de lá ameaçava se jogar. O povo foi chegando, se aglomerando e comentando. Uns diziam “se jogue!” outros gritavam “Não faça isso!” O tempo foi passando e que diante da grande dificuldade ninguém conseguia subir na torre para tirar o homem. Havia risco para os policiais. Onze e meia da manhã e o homem por um fio, agarrado nos braços de Santo Antônio. O Coronel Oliveiro ia passando e foi saber a causa da balbúrdia. Inteirado dos fatos, sacou do revólver e derrubou o potencial suicida, que a chumbo foi para o outro lado. Coronel Oliveiro olhou o corpo estirado na calçada e disse- “Aí está um homem que conseguiu o que queria. Queria morrer, pois está morto!” E foi para o almoço, pois a barriga já estava roncando.

LINHA CEMITÉRIO


Na década de 1960/ 1970 poucos tinham automóveis na minha Chapecó. Então todo enterro tinha serviço de transporte de ônibus para familiares e amigos.  Era importante que todos pudessem ir até o campo santo para dar o último adeus aos que partiam. Havia também o fato de quanto mais gente no enterro, mais considerado era o defunto.  Mas havia um caso especial; as irmãs Martinez; Ana, 11, Cláudia, 13, e Mirtes, 14. Fosse onde fosse o velório não faltavam às irmãs Martinez, com suas carinhas sérias e olhos lacrimejantes.   Com chuva ou sol, longe ou perto, lá estavam. Acredito que na maioria das vezes nem sabiam quem era o falecido; o negócio delas era rodar.  Olhava-se para o ônibus e lá estava o trio curioso grudado nas janelas rumando ao cemitério. O falecido era o que menos interessava; o importante era passear de coletivo, ter coisas para contar. Elas cresceram, foram embora do lugar, os tempos são outros, não vejo mais ônibus nos enterros e nem as irmãs pelas ruas.

HOMEM SANTO


Jesuíno era um exemplo de homem bom. Com certeza não houve nunca houve no planeta homem mais santo. Não carregava chifres, carregava pombas brancas na cabeça.  Era só paz e amor, e I Love You.  Fazia boas ações todos os dias e rezava como um jumento beato, desgastando rosários vida afora.  Mas quando morreu Jesuíno não conheceu o paraíso. Pelo bom currículo São Pedro o mandou ao inferno para dar aulas de tolerância ao capeta.


DONO DO TEMPO


Ano 3.050. João saiu para o quintal e observou nuvens carregadas, céu escuro, prenúncio de fortes chuvas.  Foi até a máquina na sala e contrariado viu que estava programada para ambiente de chuvas torrenciais. Trocou para o canal tempo bom e um límpido céu azul surgiu sobre a residência. Gritou: ”crianças, podem brincar no quintal, não irá chover! Troquei de canal!

O VELHO EREMITA


O velho eremita tentou mudar os homens de sua comunidade por anos seguidos. Foi infeliz no seu projeto. Desiludido subiu numa grande árvore e disse que somente desceria de lá quando os homens da sua vila fossem menos astutos e canalhas. Pois a grande árvore morreu e virou petróleo; o velho eremita também. Caso contrário ele ainda estaria lá, esperando pela mudança.