segunda-feira, 8 de maio de 2017

DO BAÚ DO JANER CRISTALDO- sábado, dezembro 25, 2010 NATAL EM BERLIM

Já não lembro quando estive pela primeira vez em Berlim. Terá sido no final dos 70. O Muro parecia uma fronteira erguida para a eternidade e ninguém sonhava, naqueles anos, que um dia pudesse ser demolido. Berlim Ocidental era uma ilha de prosperidade em pleno deserto socialista. Você embarcava em alguma cidade fronteiriça da Alemanha Ocidental e no trem já sentia o cheiro do socialismo. Trens vagabundos, policiais carrancudos acompanhados por cães também policiais, um tratamento hostil dos passageiros, mais ou menos do tipo “o que você veio fazer aqui?” 

Ao desembarcar na Berlim Ocidental, a volta ao conforto e bem-estar. A cidade era rica e privilegiada. Funcionava como uma vitrine do capitalismo em meio ao inferno socialista. O Senado berlinense proporcionava uma série de subsídios a quem lá vivia, para manter habitada a vitrine. Era uma das cidades mais confortáveis e baratas da Europa. A amiga que me recebia vivia em um belo apartamento de quatro quartos, cujo aluguel era a metade do que eu pagava em Paris por um quarto-e-sala.

Berlim era a cidade preferida de aposentados e de jovens que preferiam não entrar de rijo na competição capitalista. Um pequeno paraíso incrustado no mundo soviético. A Kurfürstendamm, Kudamm para os íntimos, com suas lojas e restaurantes suntuosos, fazia um contraste escandaloso à miséria do outro lado do Muro. Minha amiga levou-me lá, para sentir o cheiro do socialismo. Não estou falando por metáforas. Socialismo cheira mal mesmo. Mal atravessei a fronteira, um odor desagradável de carvão vegetal inundou-me as narinas.

As diferenças começavam já na travessia do Muro. Do lado de cá, ao entrar no metrô, você punha o tíquete numa máquina eletrônica, que o devolvia do outro lado. Do lado de lá, você tinha de picotar o tíquete em uma alavanca enferrujada. Na fronteira, um policial com cara de buldogue olhava um minuto para sua foto no passaporte e mais outro minuto para seu rosto. Quem vive em Livramento ou Rivera, onde se passa de um pais a outro sem dar satisfação a autoridade alguma, ficaria perplexo ante a Berlim de então.

Minha cicerone queria mostrar-me como era um restaurante socialista. Primeiro, precisamos achá-lo, que no paraíso soviético restaurantes não têm placas. Após uma boa hora pela neve, interrogando pessoas na rua, achamos um. Ficava no primeiro andar de um prédio qualquer, sem qualquer indicação de restaurante. Na escadaria, sem calefação alguma, uma boa dezena de pessoas esperavam na fila. Mais de meia hora de espera. Lá dentro, de fato todas as mesas estavam lotadas. Mas as mesas eram imensas, a ponto de dificultar a conversação. E ficavam a meia légua uma da outra. Fossem menores e estivessem mais próximas, a sala teria seu espaço útil triplicado, sem desconforto algum.

Os garçons, nem te ligo. Não recebiam gorjeta, não havia então porque preocupar-se com o cliente. Lá pelas tantas, um deles dignou-se vir até minha mesa. Pedi o cardápio. Teria umas quinze opções de pratos. Fui pedindo, um a um, para ouvir sempre um invariável “não tem”. Cheguei ao último. Era o prato do dia, o único que serviam. O cardápio era de mentirinha, resquícios de uma Alemanha que ainda não era comunista. Do outro lado do Muro, na Berlim ocidental, os restaurantes regurgitavam de gente, sem fila alguma e com cardápios de verdade.

Berlim hoje é uma só. Não há mais distinção de tratamento entre ocidentais e orientais. A cidade não está dividida por uma fronteira. Se você quer ver as diferenças entre as antigas cidades, a Ocidental e capitalista, e a Oriental e comunista, procure o filme "Adeus, Lênin", de Wolfgang Becker, uma das mais belas sátiras sobre o socialismo que vi nos últimos anos. Uma senhora, comunista devota, entra em coma antes da queda do Muro E só sai do coma depois. O filho, que já havia se libertado das tralhas e hábitos socialistas, não quer chocá-la. Sai então a buscar no lixo os ícones socialistas. Entre eles, um poster de Che Guevara. O que é simbólico. Enquanto na América Latina ainda se cultua o celerado argentino, na Alemanha já o jogaram na famosa lata de lixo da História.

Em meio a isso, espanta constatar que muito universitário brasileiro, e mesmo professores universitários, 21 anos após a queda do Muro, ainda não sabem o que aconteceu no dia Nove de Novembro de 1989, uma das duas datas mais significativas do século passado.

Neste Natal, Berlim está soterrada pelas neves e não convida ao passeio. Melhor enfurnar-se nos Stuben e curtir o bom vinho ou a boa cerveja, rematando com uma kirschwasser ou akvavit. Até a Kurfürstendamm, sempre gloriosa, está agora feia, manchada pelo barro que a neve produz.

Segunda-feira, volto para Paris, onde o clima é mais ameno. 


PS - Att tänka fritt är stor, att tänka rät är större.

TIVE AZAR

Sou um grande visualizador de calcinhas rendadas e simples; de coxas belas se lisas; de bundas firmes e salientes; de pernas torneadas de brancas, negras, mulatas e morenas. De algumas consigo até visualizar os pelos sedosos que teimam em escapar do tecido delicado. Vejo tantas coisas maravilhosas e, no entanto, não posso tocá-las e nem mesmo sentir o perfume que delas emana. A vida é assim; tive azar e nasci um mero capacho para porta de salão de beleza.

H.L. MENCKEN- TIPOS DE HOMENS- O MÉDICO

A medicina preventiva é a corrupção da medicina pela moralidade. É
impossível encontrar um médico que não avacalhe a sua teoria da saúde com a
teoria da virtude. Toda a medicina, de fato, culmina numa exortação ética. Isto
resulta num conflito diametral com a idéia da medicina em si. O verdadeiro
objetivo da medicina não é tornar o homem virtuoso; é o de protegê-lo e salvá-lo
das conseqüências de seus vícios. O médico não prega o arrependimento; ele
oferece a absolvição.

1919

BEIJO DE LÍNGUA

Saí aos pulos da minha casa felpuda, pois ouvi um grito de socorro rouco vindo do banheiro. Fui procurar para ver o que acontecia e num canto encontrei uma barata que envenenada, agonizava. Fui ter com ela e disse-lhe: ‘Não tem jeito amiga, para você não há volta, faça o seu último pedido. Então gaguejou ela: ‘Um beijo de língua, um beijo de língua... - Puta que pariu barata morra logo! Saí de fininho antes que meu mole coração fizesse uma besteira da qual iria me arrepender para o resto da vida.
                           
Pulga Lurdes

DO BAÚ DO JANER CRISTALDO- sexta-feira, abril 28, 2006 E A LUZ SE DESFEZ

Estava almoçando em um café quando chegou ela, a presença que chamo de civilizadora, a mulher. Era jovem, alta, esguia e linda. Sua entrada iluminou o ambiente.

No café, havia uma estante com jornais e revistas. Ela a examinou e parece não ter encontrado o que queria. Perguntou então ao garçom: vocês não têm Contigo?

De súbito, a luz se desfez.

DO BAÚ DO JANER CRISTALDO- domingo, abril 30, 2006 AIATOLICES AMEAÇAM EUROPA

De uma amiga de Estocolmo, recebo notícias de que a maior associação de muçulmanos na Suécia está exigindo leis especiais para muçulmanos. A organização quer, entre outras coisas, que os divórcios entre muçulmanos sejam reconhecidos por um imã, o que seria uma mudança no direito de família sueco. "É função dos imãs decidir se a família continuará a viver junto", diz Mahamoud Aldebe, porta-voz da Sveriges Muslimka Förbund. Ou seja, como no Islã quem decide o divórcio é sempre o macho, as imigrantes muçulmanas podem abandonar qualquer veleidade de abandonar o marido e senhor.

Se na Suécia as leis especiais para muçulmanos estão ainda na fase de exigência, no Reino Unido alguns quesitos já foram conquistados. Uma outra amiga me informa que as prisões inglesas já fornecem aos prisioneiros muçulmanos vasos sanitários especiais, dispostos de forma que o crente não defeque orientado para Meca. O Islã não só invade, como já domina a Europa. Seria interessante que os europeus lessem as obras mestras dos grandes líderes muçulmanos, antes de render-se incondicionalmente às crenças dos imigrantes árabes.

Entre as pérolas de minha biblioteca, tenho uma súmula do Valayaté-Faghih, do Kachfol-Astar e do Towzihol-Masael, os três livros-chave de um escritor que, em 1979, recebeu generoso asilo em terras de França, em cidade nas cercanias de Paris. Traduzindo, pela ordem: O Reino do EruditoA Chave dos Mistérios e A Explicação dos Problemas. O livro foi publicado em Paris, em 1979, por ocasião do exílio do autor, pelas Éditions Libres-Hallier. Pinço cá e lá algumas reflexões do erudito pensador, principalmente no que diz respeito à higiene pessoal e direito matrimonial:

- No momento de urinar ou defecar, é preciso se agachar de modo a não ficar de frente nem dar as costas para Meca.
- Não é necessário limpar o ânus com três pedras ou três pedaços de pano, uma só pedra ou um só pedaço de pano bastam. Mas, se se o limpa com um osso ou com coisas sagradas como, por exemplo, um papel contendo o nome de Deus, não se pode fazer orações nesse estado.
- É preferível agachar-se num lugar isolado para urinar ou defecar. É igualmente preferível entrar nesse lugar com o pé esquerdo e dele sair com o pé direito. Recomenda-se cobrir a cabeça durante a evacuação e apoiar o peso do corpo no pé esquerdo.
- Durante a evacuação, a pessoa não deve se agachar de cara para o sol ou para a lua, a não ser que cubra o sexo. Para defecar, deve também evitar se agachar exposto ao vento, nos lugares públicos, na porta da casa ou sob uma árvore frutífera. Deve-se igualmente evitar, durante a evacuação, comer, demorar e lavar o ânus com a mão direita. Finalmente, deve-se evitar falar, a menos que se seja forçado, ou se eleve uma prece a Deus.
- A carne de cavalo, de mula e de burro não é recomendável. Fica estritamente proibido o seu consumo se o animal tiver sido sodomizado, quando vivo, por um homem. Nesse caso, é preciso levar o animal para fora da cidade e vendê-lo.
- Quando se comete um ato de sodomia com um boi, um carneiro ou um camelo, a sua urina e os seus excrementos ficam impuros e nem mesmo o seu leite pode ser consumido. Torna-se, pois, necessário matar o animal o mais depressa possível e queimá-lo, fazendo aquele que o sodomizou pagar o preço do animal a seu proprietário.
- Onze coisas são impuras: a urina, os excrementos, o esperma, as ossadas, o sangue, o cão, o porco, o homem e a mulher não-muçulmanos, o vinho, a cerveja, o suor do camelo comedor de porcarias.
- O vinho e todas as outras cervejas que embriagam são impuros, mas o ópio e o haxixe não o são.
- O homem que ejaculou após ter tido relações com uma mulher que não é sua e que de novo ejaculou ao ter relações com a legítima esposa, não tem o direito de fazer orações se estiver suado; mas, se primeiro tiver tido relações com a sua mulher legítima e depois com uma mulher ilegítima, poderá fazer as suas orações mesmo se estiver suado.
- Por ocasião do coito, se o pênis penetrar na vagina da mulher ou no ânus do homem completamente, ou até o anel da circuncisão, as duas pessoas ficarão impuras, mesmo sendo impúberes, e deverão fazer as suas abluções.
- No caso de o homem - que Deus o guarde disso! - fornicar com animal e ejacular, a ablução será necessária.
- Durante a menstruação da mulher, é preferível o homem evitar o coito, mesmo que não penetre completamente - ou seja, até o anel da circuncisão - e que não ejacule. É igualmente desaconselhável sodomizá-la.
- Dividindo o número de dias da menstruação da mulher por três, o marido que mantiver relações durante os dois primeiros dias deverá pagar o equivalente a 18 nokhod (três gramas) de ouro aos pobres; se tiver relações sexuais durante o terceiro e quarto dias, o eqüivalente a 9 nokhod e, nos dois últimos dias, o eqüivalente a 4½ nokhod.
- Sodomizar uma mulher menstruada não torna necessários esses pagamentos.
- Se o homem tiver relações sexuais com a sua mulher durante três períodos menstruais, deverá pagar o eqüivalente em ouro a 31½ nokhod. Caso o preço tiver se alterado entre o momento do coito e o do pagamento, deverá ser tomado como base o preço vigente no dia do pagamento.
- De duas maneiras a mulher poderá pertencer legalmente a um homem: pelo casamento contínuo e pelo casamento temporário. No primeiro, não é necessário precisar a duração do casamento. No segundo, deve-se indicar, por exemplo, se a duração será de uma hora, de um dia, de um mês, de um ano ou mais.
- Enquanto o homem e a mulher não estiverem casados, não terão o direito de se olhar.
- É proibido casar com a mãe, com a irmã ou com a sogra,
- O homem que cometeu adultério com a sua tia não deve casar com as filhas dela, isto é, como suas primas-irmãs.
- Se o homem que casou com uma prima-irmã cometer adultério com a mãe dela, o casamento não será anulado.
- Se o homem sodomizar o filho, o irmão ou o pai de sua esposa após o casamento, este permanece válido. 
- O marido deve ter relações com a esposa pelo menos uma vez em cada quatro meses.
- Se, por motivos médicos, um homem ou uma mulher forem obrigados a olhar as partes genitais de outrem, deverão fazê-lo indiretamente, através de um espelho, salvo em caso de força maior.
- É aconselhável ter pressa em casar uma filha púbere. Um dos motivos de regozijo do homem está em que sua filha não tenha as primeiras regras na casa paterna, e sim na casa do marido.
- A mulher que tiver nove anos completos ou que ainda não tiver chegado à menopausa deverá esperar três períodos de regras após o divórcio para poder voltar a casar.
- Qualquer comércio de objetos de prazer, como os instrumentos musicais, por menores que sejam, é estritamente proibido.
- É proibido olhar para uma mulher que não a sua, para um animal ou uma estátua de maneira sensual ou lúbrica.

O autor destes eruditos preceitos não é nenhum doente mental - ou pelo menos assim nunca foi oficialmente considerado - nem, pelo que me conste, esteve algum dia sob camisa de força. Ao contrário, foi líder respeitado pelas esquerdas internacionais e um dos chefes de Estado que mais freqüentou as primeiras páginas da imprensa internacional no final do século passado. Do alto de sua sabedoria e humanismo, o grande estadista ousou reptar as potências e não há hoje cerimônia oficial no Irã em que sua imagem não sobrepaire acima das autoridades. Seus despojos estão hoje abrigados em um templo mil-e-uma-noitesco em Teerã, que atrai milhões de peregrinos. O autor de tão doutas prescrições é nada menos que o aiatolá Ruhollah Khomeiny. Excertos destas suas três obras foram publicadas em vários países, no Brasil inclusive, onde teve três edições, sob o título genérico de O Livro verde dos Princípios Políticos, Filosóficos, Sociais e Religiosos do Aiatolá Khomeini, Rio, Editora Record. As edições não têm data, mas creio serem dos anos 80.

Allah-u-Akbar!

GUMERCINDO

Mocorongo feito que, solitário e abandonado pela mulher além de extremamente endividado, Gumercindo estava tão para baixo que andava feito louco procurando pelos bolsos e gavetas dos velhos armários o próprio atestado de óbito. Não encontrou nenhum atestado, mas achou mais dívidas deixadas pela ex- mulher sem-vergonha. A cada dia que se passava a cabeça mais ficava na lua que aqui na terra. E foi assim zanzando para lá e para cá até findar sua existência como um morto vivo sem eira nem beira, terminando por ser enterrado sob uma touceira de guanxuma.

A CANETA

Havia uma bela caneta que só gostava de escrever coisas relacionadas ao amor. Porém por essas coisas da vida foi parar nas mãos de um bruto cheio de ódio na Síria. Certo dia cansada ver cabeças cortadas, bombas dilacerando inocentes e de escrever discursos abomináveis contra a vida, transformou-se num pequeno lagarto e enterrou-se na areia do deserto para sempre.

LULA, O COVARDE

Lula só é valente diante de plateias amigas. Rodeado de bajuladores ele desce o verbo, é  pai da matéria, o todo poderoso. Aposto que irá usar fraldas diante do juiz. Pula sapo!Pula! Sua vida, sua história, uma grande farsa.

LUTERO

Lutero era um homem muito mau. Na comunidade onde morava ninguém gostava da sua pessoa, nem cães e gatos. A família idem. Era pura bandidagem e maldade. Quando morreu somente o caixão foi ao velório. Até a mãe passou à tarde num bailão da terceira idade.

ACONTECEU EM CUBA

No silêncio do cemitério ouviram-se gritos: tirem-nos daqui! Tirem-nos daqui!- O vigia passou a procurar de onde vinham e demorou um bocado para localizar. Descobriu que era do túmulo de um feroz dirigente comunista cubano que os gritos provinham. Rapidamente tirou a tampa do caixão e para sua surpresa uma enormidade de vermes pularam fora do esquife pedindo educadamente um lugar para vomitar.

ROEDORES

Os ratos atacam a família. Os ratos atacam o bolso dos cidadãos. Os ratos atacam o ensino de qualidade. Os ratos bloqueiam a porta que leva ao futuro e à modernidade. Os ratos roem as bases das instituições democráticas. Os ratos urinam e defecam sobra a Constituição. Os ratos têm muito espaço na mídia, não deveriam ter, pois já sabemos e estamos cansados de tanto rói e rói. Ou destruímos os ratos ou eles destruirão o pouco que nos resta.

ALUNOS

Dois jovens canadenses de Toronto resolveram fazer o curso superior para corruptos. Terminado o curso foram instados pelo professor para dizer onde iriam demonstrar suas aptidões. Os dois responderam o Brasil. O professor ficou rindo por alguns minutos e após matriculou os dois num curso de pós-graduação. Justificou-se dizendo que o Brasil não é para iniciantes.

A SUPREMA EMBOSCADA por Fernando Gabeira. Artigo publicado em 07.05.2017

(Publicado originalmente no Estadão)
Não gosto de escrever sobre Gilmar Mendes. Acho-o uma figura antipática e apreensões subjetivas costumam ser um risco ao equilíbrio e ao senso elementar de justiça.
Critiquei Mendes quando foi ao Congresso defender a urgência da lei de abuso de autoridade, aliando-se momentaneamente a Renan Calheiros. Não só pela posição que defendeu, mas pela forma de argumentar. Gilmar afirmou que operações como a Lava Jato acontecem todos os anos. O correto seria dizer que foi a mais importante das últimas décadas.
Subestimar a Operação Lavo Jato ou mesmo opor-se a ela faz parte do jogo democrático. No entanto, ele deu um passo adiante quando afirmou que o vazamento poderia anular a delação da Odebrecht. Nessa conclusão, nem seus defensores se alinharam com ele. A própria ministra Cármen Lúcia afirmou que as delações não seriam anuladas. Uma decisão desse tipo teria repercussão continental. Muitas acusações contra os políticos em vários países seriam contestadas se o Brasil anulasse um documento de importância histórica.
Gilmar perdeu nessa. Mas havia outro caminho: questionar a duração das prisões preventivas da Lava Jato. O Supremo, segundo ele, teria um encontro marcado com essas prisões alongadas.
Gilmar, individualmente, libertou Eike Batista e seu sócio, Flávio Godinho. Ele argumenta, com razão, que existe grande número de presos provisórios no Brasil e quer reduzi-lo. É uma tese. No entanto, na prática, Gilmar resolve apenas o problema de um milionário e seu sócio, porque à sua mesa só chegam casos patrocinados por grandes bancas de advocacia.
Gilmar, ao conceder a liberdade a Eike, tomou o cuidado de determinar medidas cautelares. Isso pelo menos abre uma brecha para negociação.
Parece estranho usar esse verbo, mas Gilmar Mendes lidera a maioria na turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que trata da Lava Jato. Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli fecham com ele, porque, fiéis ao PT, são do gênero de magistrado bolivariano, que faz tudo o que seu governo quer.
A Lava Jato se encontra, portanto, diante de um grande obstáculo. Não creio que a libertação de presos seja decisiva para delações premiadas. Suponho que pessoas inocentes e adultas não confessam algo só porque estão presas. Na minha suposição, o fator decisivo nas delações premiadas é a soma de evidências que é posta na mesa, a certeza do preso de que vai ser condenado.
De qualquer maneira vai se dar o confronto entre as pessoas que apoiam a Lava Jato e a trinca de ministros que podem neutralizar a operação. Não tenho fórmulas para algo tão surpreendente, uma vez que são ministros poderosos e, como dizemos no esporte, casca grossa, no sentido de que suportam a pressão social.
Um foco de resistência ao STF são as próprias medidas cautelares. No caso de Eike Batista, suspeito de esconder sua fortuna, foi imposta a multa de R$ 52 milhões. Pelo que se entende, se Eike não pagar, voltará para a cadeia, o que me parece improvável. De qualquer forma, é claro que uma das razões de sua prisão é evitar que maneje o que restou de sua fortuna, parte dela formada com dinheiro oficial, isenção de impostos e, por intermédio de Cabral, expulsão, à força, de pequenos agricultores de São João da Barra.
O caminho será sempre o de demonstrar a necessidade da prisão. Gilmar, Toffoli e Lewandowski vão discordar. Mas a sucessão de conflitos entre as necessidades da investigação e o esforço do trio de ministros para liberar presos pode levar também ao Supremo a necessidade de ampliar a discussão, em alguns casos.
O importante ao longo do debate é contestar a ofensiva de Gilmar e seus dois colegas com fatos, demonstrações precisas de que as pessoas precisam continuar presas. É difícil ficar contra a tese de que prisioneiros devem ter um limite para sua prisão provisória. Mas é perfeitamente possível demonstrar, em cada caso, como a prisão ainda é necessária.
No julgamento em que o Superior Tribunal de Justiça (STF) negou por unanimidade a soltura de Sérgio Cabral, um dos motivos alegados tem grande peso: combater a sensação de impunidade. Um peso simbólico que vai estar presente no maior feito da trinca de juízes: libertar José Dirceu, acusado de continuar no crime, mesmo depois de condenado no processo do mensalão.
A principal mensagem da Lava Jato de que a lei vale para todos e que os poderosos serão punidos sofre um abalo. Na argumentação de Gilmar, a lei que rege as prisões provisórias está sendo cumprida. Mas o fato de que vale apenas para quem consegue chegar à sua mesa reafirma a tese de que a Justiça atua de forma diferenciada.
A trinca de juízes articulada para neutralizar a Operação Lava Jato deverá enfrentar uma série de reações que não posso prever aqui. Uma das mais eficazes seria apressar os julgamentos em segunda instância, o que levaria os já condenados de novo à prisão.
São fatores um pouco distantes de nossa capacidade de influência. Ainda assim, não há motive para pânico: a Lava Jato já conquistou muito e deixou sua marca na História moderna do continente. A ideia de que a lei vale para todos tem uma força própria e, de alguma forma, a sociedade transformará essa expectativa em realidade. É improvável que uma trinca de ministros consiga derrubá-la, liberando políticos e empresários corruptos, batendo de frente com a lógica de investigações, preocupadas em evitar a destruição de provas e encontrar o dinheiro roubado.
Sem dúvida, começa uma fase difícil para a Lava Jato e aqueles que a apoiam. Lutar contra uma forca instalada no coração do Supremo não é algo comum.
Mas também diria que concordo com a ideia de que a História, na maioria dos casos, não apresenta problemas sem solução. É apenas mais uma pedra no caminho. O maior escândalo de corrupção foi posto a nu. O corpo é muito grande para três juízes se livrarem dele.
*Jornalista

ROBERTO CAMPOS, MINHAS HOMENAGENS por Percival Puggina. Artigo publicado em 09.05.2017

Texto que escrevi para o livro Lanterna na proa, 100 anos de Roberto Campos, obra coletiva de 62 autores em homenagem ao grande brasileiro. O título do texto é Baixa Mobilidade Vertical no País de Baixo IDH. O livro é uma edição da Livraria Resistência Cultural
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Quando me pus a redigir estas páginas sobre Roberto Campos, vieram-me à lembrança os artigos de sua autoria publicados pelo Correio do Povo, principal jornal gaúcho durante boa parte do século passado. Ali, por muitos anos, ainda jovem, pude provar de seu conhecimento e das lúcidas observações que fazia sobre a realidade nacional.
Acompanhei a evolução de seu pensamento e, dado meu gosto pela forma do texto, percebi o quanto ele foi se tornando mais agudo, mais crítico, mais irônico em relação aos que o contestavam. Imagino o quanto seus escritos deviam irritar adversários. Em Roberto Campos, a ironia era um punhal que cortava com o gume do argumento e cortava, também, com a exposição de seus antagonistas ao riso dos leitores. Muitas vezes, lendo-o, pensei comigo: “O velho Bob está ficando confiado”. E seu maior atrevimento consistiu em subir o aclive liberal num tempo em que o Brasil começou a resvalar na rampa socialista. Era uma época em que, com as palavras dele mesmo, o liberalismo ainda não havia nascido entre nós. E o parto continua.
Os constituintes de 1988 decidiram criar no Brasil um Estado de bem-estar social. O povo brasileiro lhes concedera o poder máximo para estabelecerem o que quisessem sobre nosso país. Nós nos submeteríamos. Então, nada aparentemente mais natural nem mais bem-intencionado do que redigir uma versão nacional do paraíso terrestre. Quase um trabalho divino de criação, na linha do – “Faça-se o bem-estar e a felicidade geral!”. Para alcançar os dois efeitos, nossos refundadores usaram uma varinha de condão pela qual cada condição necessária foi declarada “direito de todos e dever do Estado”.
Como sinalizou com precisão o constituinte Roberto Campos, sobrevieram tempos difíceis ao Brasil. Ele advertia sobre isso seus colegas demagogos e espertos que trocavam benesses constitucionais por votos. E fazia o mesmo com os ingênuos que interpretavam as generosas prescrições da “Constituição Cidadã” como sinalização de um horizonte, espécie de projeto nacional a ser alcançado. Era, de fato, previsível: todo aquele conteúdo entrou pelo protocolo dos tribunais como ações reivindicatórias e saiu pelos acórdãos como preceito de aplicação imediata, gerando direito líquido e certo, contas a pagar, impostos a aumentar e dívidas a assumir.
Com a sociedade e os constituintes convencidos de que as nações mais prósperas e com mais elevado índice de desenvolvimento humano da Europa alcançaram essa condição por terem criado boas condições ao bem-estar social, o Brasil entrou para o crédulo clube dos povos que pretenderam gerar prosperidade e felicidade geral mediante determinações constitucionais impostas a essa suposta terceira pessoa do singular – ele, o Estado. É uma crença que se mantém, apesar de não se conhecer país pobre que se haja tornado rico por implantar um “Estado de bem-estar social”. Isso só pode acontecer (se é que pode) naqueles que se tornaram ricos com o capitalismo, conforme constatou, por primeiro, o ex-marxista alemão Eduard Bernstein. Mas não há como recolher, desse modelo de Estado, condições para enriquecer um país pobre. Ao optar pelo Estado benevolente, ao qual todos recorrem em suas necessidades, garantidor de direitos reais e imaginários, provedor inesgotável, inclusive das mais insaciáveis demandas, o Brasil fez e faz, ao contrário, uma opção fundamental pela pobreza. Roberto Campos foi incisivo: “Ao contrário da mãe das Cartas Magnas democráticas – a Constituição de Filadélfia – que é, como diz o professor James Buchanan, a ‘política sem romance’, as constituições recentes fizeram o ‘romance da política’. Baseiam-se em dois erros. Primeiro, a ‘arrogância fatal’, de que nos fala Hayek, de pensar que o processo político é mais eficaz que o mercado na promoção do desenvolvimento. Segundo, a ideia romântica de que o Estado (…) é uma entidade benevolente e capaz. Essa idiotice foi mundialmente demolida com o colapso do socialismo na inesperada Revolução de 1989/91, no Leste Europeu.”
O Brasil é a própria evidência do quanto foi prudente o ensino de Roberto Campos. Depois que tudo se comprovou errado, nosso país optou por tentar de novo. O PT criou o Foro de São Paulo e, em seguida, providenciou o caos. Teve, contudo, o cuidado de servir-se do bem-estar em primeiro lugar, com garçons de punhos alvos, jatinhos fretados e comprados e amantes distribuídas pelas folhas de pagamento do setor público e empreiteiras corruptas. Foi fácil proporcionar ao país a crise em curso. Bastou optar por Celso Furtado e Maria da Conceição Tavares na economia, por Paulo Freire na educação, por Lula na política. E, num país católico, claro, entregar a CNBB aos cuidados teológicos de Leonardo Boff. Foi isso que nosso país fez. E tem, agora, a tarefa de desfazer.
Roberto Campos afirmou que a pobreza não pode ser vista como “uma imposição da fatalidade”. Pelo viés oposto, os influentes cidadãos acima mencionados não apenas levaram a sério o livro Veias abertas da América Latina, rejeitado pelo próprio autor, como o transformaram em catecismo didático – para que todos saibam que não somos pobres por conta própria, mas por culpa de ações do hemisfério Norte contra o hemisfério Sul. Com isso, em vez de nos preocuparmos com o mau gerenciamento do capital humano, dele negligenciamos, como apontava Campos. E confiamos a educação da juventude brasileira a uma pedagogia que, em vez de formar construtores do próprio destino, forma militantes para a utopia revolucionária, cujo melhor resultado acontece quando fracassa também nisso.
Por óbvio, quem escapa de tal trampa, provavelmente numa escola privada de padrão bem superior à média geral, vai em frente e sobe aos andares mais elevados da vida social, onde a vista é mais larga e a vida mais promissora. Os vitimados pelo sistema público de ensino se tornam incapacitados (os de língua espanhola usavam, antes do “politicamente correto”, a expressão minusválido que, em sua forma tosca, identifica com boa precisão o que realmente acontece no Brasil). É assim que se explica, ainda que não se justifique, a cristalização da miséria nos porões do país.
No ranking do IDH relativo aos dados do ano 2000, publicado em 2002, o Brasil ocupava o 65º lugar. Passados 14 anos, o ranking relativo ao ano 2014, divulgado em fins de 2015, situava o Brasil em 77º lugar.
A sociedade contemporânea já demonstrou, com excesso de evidências, que a promoção eficiente do desenvolvimento social, sem prejuízo da solidariedade, exige: zelosa formação de recursos humanos, através da educação; inserção dos indivíduos na vida social, política e econômica; segurança jurídica e atividades produtivas desempenhadas em economia livre. Só são contra isso os que têm mais ódio ao materialmente rico do que amor ao materialmente pobre. Cegos pela ideologia, semeiam o que dizem combater: pobreza material e crescentes desníveis sociais. Em meio à saudade, é sempre bom matá-la revisando lições com Roberto Campos.

Percival Puggina é arquiteto, empresário, escrito e membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

REI TOLO

Para quem pensa somente em si e no poder
Pouco importa como será o amanhã dos outros
Assim sendo a total desconstrução da nação
O abraço dado na mediocridade
Em detrimento da qualidade e sapiência
Faz fugir os sábios do embate
E subir ao trono o tolo dos tolos
Manipulado pelos bajuladores
Crendo ser ele o iluminado
E mais esperto que Maquiavel.

PARADOXO

Vejam só como são as coisas
O defunto está deitado sobre uma cama de flores
Para ele agora pouco importa
O paradoxo fica por conta de quando vivo
Foi posto a dormir pelos mesmos floristas
Numa cama de espinhos.

DESPACHADO

Um dia tudo passa
A dor
O amor
O choro
O riso
A tristeza
A alegria
No final de tudo
Só resta um corpo inerte
Deitado sobre e cercado de madeira
Pranteado por seus amados
E como praxe da vida que segue
Encaminhado para o esquecimento.

REMORSOS

Vivo os meus dias com alegria
Mas não sou imune aos remorsos
Dos muitos erros que cometi
Só me resta aprender com a dor
Que a consciência traz à tona
Nos silenciosos momentos de reflexão.

SORTE

“A sorte não agracia fulano ou beltrano por merecimento. A sorte cavalga no vento, e sem escolher cai às vezes no colo de um imprestável.” (Filosofeno)

TOLO

"Quem segue um líder cegamente sem deixar para si o direito da dúvida não passa de um grande tolo.” (Filosofeno)

EXPLORADORES

“Os maiores exploradores da ignorância estão nos púlpitos e nos partidos políticos. Às vezes estão juntos.” (Filosofeno)

O DURO COMBATE

“Considero competição válida e interessante, e gostaria que fosse travada por todos os humanos diariamente: o duro combate para fugir da ignorância.” (Filosofeno)

MORTE

“Penso que as pessoas maduras devem pensar na morte, não como uma coisa trágica e sobrenatural, mas tendo em vista uma preparação tanto documental quanto psicológica para este fim natural de todos os seres vivos.” (Filosofeno)

ELOGIO

“Acho o elogio importante. E gosto de elogiar. Mas se não for sincero o elogio gera um efeito contrário e mina as chances de aproximação.” (Filosofeno)
“Não se doma o bicho conhecimento sem esforço.“ (Filosofeno)
“Deus e o Diabo são mais jovens que o homem. São construções da sua fábrica de domínio.” (Filosofeno)


“A inveja é a irmã má do desejo.” (Filosofeno)
“A morte é o sono sem sonhos ou pesadelos. Sem alterações. ”(Filosofeno)
“As víboras humanas passam seus venenos no chocolate.” (Filosofeno)
“Quando acordo todas as manhãs aguardo pelo sol, não pela tempestade.” (Filosofeno)