domingo, 1 de março de 2015

“Se no planeta só existissem socialistas, quem eles iriam culpar pelos seus males? Marcianos?” (Eriatlov)

“O Brasil é mesmo um país desgraçado. Alguns desocupados não querem deixar a gente ganhar um dinheirinho desonestamente.” (Dep. Arnaldo Comissão)

"Não pretendo morrer perguntando se a minha vida valeu a pena." (Filosofeno)

“Grandes erros são cometidos quando pensamos que não somos mais tolos." (Filosofeno)

“Antigamente quando me chacoalhavam caíam moedas. Hoje nem isso.” (Climério)

“Se o sexo não nos salva pelo menos nos diverte.” (Mim)

“A velhice chegou. Estou tomando pílulas para me lembrar que preciso tomar outras pílulas.” (Nono Ambrósio)

UM CRENTE DIFERENTE

UM CRENTE DIFERENTE
Ele era um crente
Que não contente em ser apenas crente
Queria ser diferente
Então arrancou os dentes
E fez um rosário reluzente
Não satisfeito com o presente
Tatuou na bunda um crucifixo
E para mostrar e rimar
Chamou amigos e parentes.

Alguém está sentindo falta do Sarney?

Maus ventos que sopram da Mãe Rússia

Maus ventos que sopram da Mãe Rússia

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O levantamento de suspeitas acerca da morte do opositor russo Boris Nemtsov, que havia dito temer por sua vida em razão das críticas que fez ao conflito na Ucrânia, não chega a ser uma surpresa, tampouco um evento isolado. Mesmo após o fim oficial da União Soviética, abundam evidências de que a situação da desejada “democracia”, naquele verdadeiro colosso que é a Rússia, não anda muito boa.
Em notícia de O Globo de 23 de novembro passado, medidas excessivas de regulação da Internet e das atividades artísticas foram relatadas, numa escalada repressiva do governo do ex-membro da KGB – ou não; como se costuma dizer, uma vez KGB, sempre KGB. A retórica nacionalista e “anti-Ocidente” também marca presença, de forma cada vez mais explícita e confessada.
Falamos de um país, para começo de conversa, que iniciou sua história de concentração de poderes com o czarado e as monarquias absolutistas, cuja continuidade foi interrompida com a Revolução Russa de 1917 para que se pusesse em seu lugar… O totalitarismo soviético! As ideias liberais e democráticas parecem jamais ter apresentado presença consistente na história russa; os brasileiros nos queixamos, e acertadamente, de nossa situação atual e da sucessão de governos coletivistas e intervencionistas que acumulamos em nossa história republicana, mas a grande verdade – se isto servir de consolo – é que, nesse particular, estamos e sempre estivemos numa situação melhor do que a do grande país a Oriente. Desde a formação e desenvolvimento de nossa monarquia, figuras como José Bonifácio e Joaquim Nabuco já sustentavam princípios estruturalmente liberais e constitucionais, e o impacto do liberalismo faz eco também na República, por meio de figuras como Rui Barbosa, Roberto Campos, Carlos Lacerda, entre outras. Ideias de mercado, Estado de Direito, separação de poderes, mesmo que de forma irregular e profundamente comprometida em diversos aspectos, fazem parte de nossa trajetória de pensamento como nação. Um país que perfaz quase toda a sua história com governos monárquicos absolutistas e uma longa ditadura comunista assassina e expansionista está, naturalmente, em situação mais complicada a esse respeito. Considerando o peso que a Rússia teve e tem no concerto dos países, as implicações disso são muito sérias.
Nada, entretanto, me deixou mais estupefato do que fazer uma observação geral da configuração ideológico-partidária do quadro político local. Essa herança estatizante e de pouco respeito aos limites de poder marca presença, em maior ou menor medida, em quase todos os partidos! O legado das aspirações ocidentais e capitalistas que surgiram na década de 90, imediatamente após o fim da União Soviética – aspirações essas que foram alvo de polêmica interna e ingrediente para conflitos dolorosos, como a crise constitucional de 1993, ao tempo de Boris Ieltsin -, é verdade, permanece representado. Há a SPS (em inglês, Union of the Right Forces), que, desde 2011, deixou de ser um partido político e se tornou apenas uma associação pública, filiada à International Democratic Union (IDU). Alguns partidos menores, vinculados a esses ideais, estão distribuídos nos parlamentos regionais.
Porém, observando as legendas mais amplamente representativas no Parlamento federal, a Duma, ficam bem claros os motivos de minha preocupação; o cenário interno daquele país é tão sério, que achei por bem fazer um resumo que desperte a atenção dos leitores para esse problema. O maior partido na Duma é o Rússia Unida (em português), a sigla de Putin. Não é uma legenda que se defina muito claramente em termos ideológicos, sendo apresentada até como uma vertente que preza pelo equilíbrio e o pragmatismo. O que demonstra a gestão autoritária do presidente, que deixou o mundo em alerta, é algo bem diferente do discurso oficial. A personalidade de Putin parece ser a de alguém que manipula todas as peças a seu dispor para conservar e aprimorar o poder, inclusive fazendo uso de um poderoso marketing que procura passar uma imagem imponente e altiva do líder. Neste momento, ganha voz uma estranha síntese entre uma espécie de “conservadorismo religioso”, a partir da vinculação direta com a Igreja Ortodoxa Russa, e uma concepção de Estado centralizadora e avessa ao liberalismo. Essa mistura consegue sustentação teórica no pensamento de Alexandr Dugin, um intelectual de fortes relações com a elite política. Dugin propõe o que chama de “Eurasianismo”; seu discurso é o de que os pensares políticos clássicos, como liberalismo, socialismo e fascismo, estariam ultrapassados, e seria necessária uma nova configuração que defenderia, fundamentalmente, a manutenção das tradições regionais, numa plataforma de oposição a uma suposta ameaça imperialista cultural americana. Na prática, como fica claro, por exemplo, em seu debate com o pensador brasileiro Olavo de Carvalho (publicado em português sob o título “Os EUA e a Nova Ordem Mundial”), a doutrina de Dugin é um fascismo mal disfarçado, que já angariou adeptos e simpatizantes por aqui. Aliás, essa questão nos afeta diretamente, tendo em vista as articulações do Brasil dentro dos BRICS, e as referências de Dugin ao país, como tendo um campo cultural distinto do restante do Ocidente e apresentando possibilidades interessantes de articulação com seus delírios geopolíticos. Essas ideias são especialmente perigosas porque têm apelo, em alguma medida, tanto para personalidades oriundas do socialismo – que se identificam com seu antiamericanismo -, quanto para personalidades mais identificadas com um certo  viés “moralmente tradicionalista” em dose equivocada e intrusiva, prontas a aplaudir um político apenas por tomar medidas que sinalizem para uma repressão aos homossexuais e à “defesa de valores cristãos”. Muito que bem, mas a que preço? Parece o tipo de dilema vivido na Europa, em que certos partidos nacionalistas e intervencionistas ganham peso por sustentarem uma agenda moralmente contrária aos projetos da Nova Esquerda, do feminismo e do multiculturalismo radical e inconsequente, mas cuja alternativa não é, a meu ver, realmente desejável. Lembremo-nos: os fascistas clássicos eram anticomunistas. Para deter o socialismo, eles seriam opção?
O segundo maior partido da Federação Russa é o… Partido Comunista! Isso mesmo. Lembrando muito certas “lenga-lengas” latino-americanas, a legenda nefasta se apresenta como a opção para concretizar um “socialismo do século XXI”, ainda inspirado nas lições marxistas-leninistas que protagonizaram tantas tragédias por aquelas paragens – e ali como em quase nenhum outro lugar. Em essência, tanto o Partido Comunista quanto Putin apelam a um sentimento nostálgico de um suposto passado glorioso em que a União Soviética dividia o poder no mundo com os EUA – mas retomamos, a que preço? Sabemos as consequências deploráveis dessas inclinações. A história já as desnudou.
O mesmo ufanismo cego aparece na terceira legenda, curiosamente designada “Partido Liberal-Democrático da Rússia”. O nome, atualmente, entra em choque profundo com a sua realidade prática: nacionalista, considera as reformas capitalistas dos anos 90 um avanço do “capitalismo selvagem” e ecoa a ideia de que as “pretensões imperialistas ocidentais” representam um perigo à “glória da Rússia”. O quarto partido na Duma, finalmente, a “Rússia Justa”, é declaradamente social democrata, embora também use a patética expressão “novo socialismo do século XXI”.
Eurasianistas, membros da KGB, comunistas, nacionalistas extremados e, incrivelmente menos mal, social democratas. Esse é o perfil dominante no espectro político? Não é surpresa que maus ventos estejam soprando de lá. Sendo esse um país enorme e decisivamente relevante, deve ser alvo da mais cuidadosa observação e preocupação de todos nós, na medida em que fornece mostras preocupantes e apimentadas da sua fragilidade democrática. Um amigo disse certa vez que a Rússia, dado esse quadro, poderia ser vista como uma “bomba-relógio”. Os amantes da liberdade em todo o mundo esperam que ela não exploda.
Acadêmico de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, na UFRJ, e colunista do Instituto Liberal. Estagiou por dois anos na assessoria de imprensa da AGETRANSP-RJ. Sambista, escreveu sobre o Carnaval carioca para uma revista de cultura e entretenimento. Participante convidado ocasional de programas na Rádio Rio de Janeiro.

A direita de Moises Mendes

A direita de Moisés Mendes

chileChutar cachorro morto é fácil. Mais fácil ainda é chutar um cachorro inexistente. Moisés Mendes, colunista de Zero Hora, resolveu fazer a segunda coisa em seu texto intitulado “A direita estudantil”. O jornalista inventou um cusco qualquer, nomeou-o de “direita” e meteu-lhe a bota nos fundilhos.
É preciso destrinchar o tortuoso caminho do pensamento que ele trilha para, a partir de fatos inexistentes, cobrar coisas de quem nem mesmo está habilitado a ser cobrado. Por isso me permito responder o texto naquelas que são suas passagens principais (a íntegra você confere aqui). Moisés Mendes vai em negrito, sempre seguido de meus comentários:
“A história está cheia de políticos que, na tentativa de reavaliação de ideias e atos compartilhados, foram condenados ao ostracismo ou à morte. Não são apenas os episódios bíblicos, tampouco os associados aos ditos revisionismos.
Temos eventos pontuais e recentes. Há no Brasil um esforço de parte da esquerda nessa reavaliação de condutas. O PT é o reduto do embate entre alguns históricos do partido e seus seguidores, de um lado, e os pragmáticos patrocinadores de coalizões, conchavos, acertos e escândalos, de outro.”
O exemplo petista de embate interno é um despautério. A que ele se refere? Qual é o conflito que se dá no partido? Nem mesmo se pode alegar que as históricas correntes ainda tenham o papel que uma vez tiveram. Pelo menos não depois das frequentes desmoralizações patrocinadas pelas dedadas oficiais de Lula, que impôs candidatos, seja em São Paulo, seja no Maranhão, seja em nível Federal.
Mas não é a esse tipo de situação que Moisés se refere. Ele pretende nos fazer crer que há uma disputa entre moralistas e corruptores na legenda. De um lado estariam pessoas como Tarso Genro, Olívio Dutra e Raul Ponte. Do outro lado ele não nomeia. Penso que seriam José Dirceu, José Genoíno e João Paulo Cunha. Talvez até mesmo Lula e Dilma. Se o Moises da Bíblia obteve sucesso em dividir as águas do Mar Vermelho, o Moises da Zero Hora não consegue o mesmo quando tenta dividir as águas do Mar de Lama.
Não há disputa alguma. O que houve, de forma muito tímida, foram manifestações isoladas. Olívio Dutra em particular. De resto, é uníssono, e Tarso Genro é um dos principais caudatários, que os integrantes do partido se considerem perseguidos políticos, e seu governo alvo de uma tentativa de golpe orquestrado inclusive pelo jornal do qual o referido autor faz parte. Enquanto Moisés coloca Tarso no assento dos justos, Tarso coloca o jornal que publica Moisés no rol dos inimigos do progressismo oficialista.
Nem é preciso lembrar que, quando do escândalo do Mensalão, Tarso Genro abandonou sua função de Ministro da Educação para assumir a presidência do PT. Na época, o agora ex-governador gaúcho pretendia “refundar o PT”. Na sua tentativa, acabou torpedeado por Dirceu, detentor das chaves internas do partido. Perdeu calado. Poderia ter saído da agremiação, fundando um partido que estivesse de acordo com suas ideias novas. Preferiu continuar no partido não refundado. Aquele que na época era conhecido pelo mensalão e que agora nos presenteia com o petrolão.
O fato é que as tais lideranças que Moises contrapõe aos que ele condena por “coalizões” e “conchavos”, permanece de cabeça baixa diante da situação. Como se pode falar em autocrítica em uma situação onde o que se evidência é a anuência, quando não a mais pura solidariedade companheira?
“O fenômeno talvez seja explicado pela incapacidade da direita de fazer o mesmo. O reacionarismo resume seu prazer ao desalento dos adversários. A esquerda sofre, diz que sofre e proporciona o gozo dos que querem vê-la sofrer.”
A esquerda sofre, diz o colunista. E como sofre, sabemos todos que agora pagamos a conta das tramoias do governo progressista. A direita abstrata a quem ele nunca tem a coragem de nomear apenas cumpre seu papel de se contentar em ver a desgraça, ainda que a desgraça tenha sido causada pelo partido de esquerda que está no poder.
“Não há no Brasil, em nenhum momento, nem mesmo a autocomiseração da direita. Não houve quando dos depoimentos à Comissão da Verdade. Envolvidos em fatos notórios, como as torturas, a covardia da bomba do Riocentro, a ocultação de cadáveres e outros episódios, debocharam da Comissão.
Uma certa direita (que se envergonha de ser tratada como tal) nunca admitiu os erros da ditadura.”
É nesse trecho em que Moisés nos dá uma dica do que seria essa “direita” de quem ele cobra autocrítica e autocomiseração. A direita por trás da Ditadura Militar. Quem seriam seus nomes? Os nonagenários que se reúnem com bengalas e andadores nos Clubes Militares? Ou será que os figurões políticos do antigo regime? No caso de serem os vovôs de coturno, é bom lembrar ao jornalista que eles não participam do debate público e não exercem influência nas correntes de opinião. Além das reuniões de dominó, não tem capacidade agregadora para coordenar seja lá o que for. Se há uma “direita” no país, certamente não é essa. Mas e se Moises estiver se referindo aos figurões que se criaram naquela época? Maluf, Delfim Netto, José Sarney, entre outros políticos notadamente conhecidos dos brasileiros. Se forem esses a quem ele chama de “direita”, deve cobrar exatamente daqueles a quem atribui a autocomiseração. As maiores figuras da ditadura estão hoje orbitando o petismo. São parte integrante da oligarquia que ajuda o partido a guiar a máquina administrativa. Na abertura da Comissão da Verdade, a qual ele se refere, Sarney, o ex-presidente da Arena, estava presente. O filhote da ditadura convertido a homem incomum, nas palavras de Lula, o filhote do Golbery.
“A direita é incapaz de refletir sobre o fato de que está na origem da estrutura corruptora das empreiteiras, enfim descoberta como se fosse uma corrupção transgênica, sem história e sem pai.”
Novamente cumpre perguntar: que direita é essa? As empreitares se servem do estado brasileiro desde muito tempo. Tempo esse em que, durante sua totalidade, somos administrados por governos intervencionistas que de modo algum pode ser considerados “de direita”. Getúlio Vargas, pai do trabalhismo e mentor de Brizola era de direita? E Jucelino? O que havia de reacionário nele?
A história da corrupção brasileira é indubitavelmente atrelada ao tamanho do Estado, que é o seu verdadeiro e único genitor. A “direita” de Moisés não passa de um bode expiatório, um chiste, um clichê, uma fabula moderna criada nos diretórios dos partidos de esquerda. A “direita” de Moisés é um moldura adequada de inimigo que na realidade não existe.
Para encerrar seu confuso texto, Moises manda o que segue:
“A direita brasileira pós-ditadura ainda é estudantil, quase secundarista na insistência do golpe como única alternativa a um ciclo que completará 16 anos de fracassos eleitorais.”
Se a direita pós-ditadura é “estudantil”, qual o motivo de Moisés Mendes cobra-la por fatos que são anteriores a sua existência. Por fatos que não dialogam com seu surgimento? Se há uma direita pós-ditadura, ela não é filha do Golpe de 64, mas da redemocratização e da anistia. Ela não é reflexo dos coturnos, mas das liberdades públicas. Liberdade pública que não nos foi dada de presente pela esquerda, essa sim filha dos grupos terroristas que operavam durante a ditadura.
Não sei se o que temos no Brasil pode ser considerado “direita”, e muito menos se o nome adequado é esse. O fato é que se multiplicam iniciativas liberais, libertárias e conservadoras. Cada uma ao seu modo, com seus centros de estudo, com suas divergências, com suas convergências, se fortifica sem precisar amealhar recursos desviados de estatais, como faz o partido de esquerda que está no poder.
Por fim, Moisés Mendes atola na ignorância completa. Transforma a discussão de um eventual impeachment em golpe, atribuindo o debate que surge das ruas, não da oposição política organizada, como suposto resultado das derrotas e fracassos de uma corrente de opinião que, ao contrário do que ele diz, jamais foi representada pelos candidatos que perderam para o PT.
O fato evidente é que, além de dar coro a tese que o petismo está tentando espalhar por ai, o jornalista de Zero Hora cobra dos outros a autocomiseração que não tem em relação ao seu próprio texto.

450 anos da minha “cidade maravilhosa”: adeus, Rio!

Hoje o Rio de Janeiro completa 450 anos de idade, e meus sentimentos em relação à “cidade maravilhosa” são ambíguos e contraditórios. Gosto do Rio, em vários aspectos. Mas odeio tantos outros. Como naquele comercial em que os brasileiros estão metendo o pau no país, até um argentino resolver fazer o mesmo, sou do tipo que mais critica do que elogia, mas não gosto quando a turma de fora vem fazer coro às minhas críticas. É meu último resquício de bairrismo, já quase inexistente. Deixem que falo mal do Rio eu mesmo, paulistas!
A alma do carioca é bem representada por aquele conhecido estilo descolado, simples, desapegado. No limite, somos o ícone perfeito do malandro, incorporando como nenhum outro estado brasileiro o “jeitinho” nacional. Há o lado positivo, não nego. Torna a vida mais leve, a sensação, especialmente para quem visita, é de que o carioca é mais tranquilo, sabe viver melhor, vive para comer, em vez de comer para viver, e trabalha para curtir, em vez de curtir o trabalho. Se tivesse que escolher uma dupla para representar tal estilo de vida, seria Evandro Mesquita e Fernanda Abreu: cariocas da gema.
Mas os problemas começam quando o pêndulo exagera para o outro lado, quando o toque de malandragem descamba para o excesso de oportunismo, quando o “jogo de cintura” vira sinônimo de “malandragem” excessiva. No Rio há malandro de mais para otário de menos. Somos malandros no varejo, otários no atacado. O “jeitinho” personalista tomou conta de tudo, destruindo qualquer chance de império das leis isonômicas e impessoais. Aqui tudo é no “afeto”, na “emoção”, e falamos com os outros sempre apelando para nossa situação, tentando extrair a camaradagem para obter vantagens e privilégios em vez de seguir as regras.
Deu nisso. O Rio foi se tornando um dos locais mais violentos do mundo, com sujeira para todo lado, terra de ninguém, onde as leis não existem para serem obedecidas. Sei que isso vale para o Brasil todo, mas aqui é um caso especial, por vários motivos. Fomos capital do país, abrigamos grande parcela do funcionalismo público, nos tornamos o centro “cultural” do Brasil, o que significa dizer que a esquerda caviar dominou a cena carioca. Enquanto víamos os paulistas como uns bobos que só trabalhavam e não sabiam curtir a vida, íamos perdendo mais e mais indústrias para eles. Sobrou o petróleo, pois não tem jeito mesmo, mas até isso foi pro espaço com a incompetência e roubalheira na Petrobras.
O Rio passou a enaltecer seus defeitos como se fossem qualidades. O estado foi tomado por favelas, blindadas por Brizola da polícia, tornando-se verdadeiras fortalezas do crime? Então vamos passar a elogiar as favelas, chamá-las pelo eufemismo de “comunidades”, e mostrar no programa “Esquenta!” de Regina Casé como são lugares maravilhosos, que deveriam servir de inspiração para os “burgueses” do asfalto. Em vez de encarar o problema de forma realista, fingimos que ele não existe, ou que é uma qualidade nossa. A cara do Rio!
Ah, mas a natureza… De fato, o Rio é a cidade maravilhosa, abençoada por Deus. Mas o que fizemos dessa paisagem incrível? Alguém consegue pedalar pelas Paineiras com um mínimo de tranquilidade? Alguém circula pela Vista Chinesa em paz? Alguém chega ao Corcovado ou ao Pão de Açúcar sem transtorno no trânsito caótico e ensandecido, ou sem risco constante de assalto? Alguém frequenta as belas praias sem medo de arrastão, sem contato com uma porcalhada infindável ou com algum conforto em meio a uma multidão sem educação? De que adianta a bela natureza se não soubemos aproveitá-la?
Agora o Rio está em obras. As Olimpíadas vêm aí, e são bilhões de investimentos. O transtorno chegou a patamares absurdos, fazendo o trânsito de São Paulo parecer bom. Fosse um transtorno temporário, vá lá: poderíamos suportar de forma estóica. Mas sabemos que são medidas paliativas, “puxadinhos”, soluções precárias como o BRT, que não vão resolver nada. Também sabemos que os bilhões investidos não deixarão um legado decente, e que corremos o risco de viver o que os gregos viveram após os jogos em Atenas. O estado já está quase quebrado. Acertamos nas prioridades?
Confesso ao leitor: estou cansado disso tudo. Estou cansado de ver tantos defeitos jogados para baixo do tapete por uma gente bairrista que confunde amar a cidade com tapar o sol com a peneira. Análogo a um pai que faz vista grossa ao problema do filho com drogas pois não suporta a dura realidade. O amor verdadeiro está em encarar o problema com realismo. O Rio é uma cidade que poderia ser maravilhosa, que tinha tudo para ser fantástica, mas não é. E isso precisa ser dito. O carioca conseguiu avacalhar com o Rio.
“Preciso estar outra vez entre seres humanos. Pois nesse verão, em meio às abelhas e aos dentes-de-leão, minha misantropia degenerou gravemente”, escreveu o sempre ácido Karl Kraus. Quando estamos perto demais, vemos melhor os defeitos. Quando nos afastamos, podemos lembrar melhor das qualidades. É como o namorado que só valoriza o que tinha quando já perdeu a namorada. Talvez eu precise ficar um tempo longe do Rio mesmo, para aprender a enxergar melhor seu lado bom. E é exatamente isso que farei. Uma longa temporada na Flórida talvez faça com que eu sinta saudade do Rio, apesar de seus tantos defeitos. Ou não…
Rodrigo Constantino

Caio Blinder O realismo de Nemtsov e Putingrado

Longa marcha em Moscou
Boris Nemtsov era realista sobre a marcha deste domingo em Moscou. A manifestação de protesto antigovernamental se converteu em marcha pela memória do líder oposicionista assassinado com quatro tiros nas costas na sexta-feira à noite pertinho do Kremlin. Ainda assim, portanto, uma manifestação de protesto contra o regime Putin, que nega envolvimento na tragédia e como se esperava disparou teorias conspiratórias alopradas sobre os autores e motivos.
Mas, de volta ao realismo. Nemtsov vislumbrava uma longa marcha para a oposição na véspera do seu assassinato. Não basta uma crise econômica que se aprofunda devido à queda dos preços do petróleo e às sanções ocidentais em represália à agressão russa na Ucrânia.
A repressão, a maciça máquina de agitprop, o rolo compressor do fervor patriótico e a exploração por Vladimir Putin de ressentimentos contra o Ocidente neutralizam, por ora, as más notícias econômicas. Nosso homem em Moscou pinta o retrato de um país sitiado, com o Ocidente apoiando os “nazistas” de Kiev. Na Segunda Guerra Mundial, era Stalingrado, hoje é Putingrado.
Dias antes do assassinato, Nemtsov esteve com residentes da cidade de Yaroslavl, ao nordeste de Moscou. Eles disseram que a culpa da crise era de Obama e não de Putin (pelo menos, não acusaram o FHC). Nemtsov não tinha ilusões sobre a dificuldade de virar o jogo político.
Há três anos, 100 mil pessoas marcharam contra Putin em Moscou. Mas, esta é a Rússia da classe média altamente educada e bem informada. Os protestos murcharam. Líderes oposicionistas foram presos, partiram para o exílio e agora temos o assassinato de Nemtsov.
Antes da morte de Nemstov, os organizadores diziam que um comparecimento de 20 mil pessoas na marcha de protesto deste domingo seria um sucesso decente. A tragédia intensificou a mobllização. Foram dezenas de milhares de manifestantes. Será preciso ver se terá um impacto mais duradouro.
Nemtsov era realista. Ele disse na semana passava que a taxa de aprovação de Putin não ficaria acima de 80% para sempre. No entanto, a deterioração do seu status seria gradual, com Putin no poder até 2014. Longa marcha, longo inverno.