sábado, 13 de abril de 2019
CORONEL
OLIVEIRO
Oito horas da manhã. O suicida subiu na torre da
igreja e de lá ameaçava se jogar. O povo foi chegando, se aglomerando e
comentando. Uns diziam “se jogue!” outros gritavam “Não faça isso!” O tempo foi
passando e que diante da grande dificuldade ninguém conseguia subir na torre
para tirar o homem. Havia risco para os policiais. Onze e meia da manhã e o
homem por um fio, agarrado nos braços de Santo Antônio. O Coronel Oliveiro ia
passando e foi saber a causa da balbúrdia. Inteirado dos fatos, sacou do
revólver e derrubou o potencial suicida, que a chumbo foi para o outro lado.
Coronel Oliveiro olhou o corpo estirado na calçada e disse- “Aí está um homem
que conseguiu o que queria. Queria morrer, pois está morto!” E foi para o
almoço, pois a barriga já estava roncando.
VELÓRIO
TOUR
Na década de 1960/ 1970 poucos tinham automóveis na
minha Chapecó. Então todo enterro tinha serviço de transporte de ônibus para
familiares e amigos. Era importante que
todos pudessem ir até o campo santo para dar o último adeus aos que partiam.
Havia também o fato de quanto mais gente no enterro, mais considerado era o
defunto. Mas havia um caso especial; as
irmãs Martinez; Ana, 11, Cláudia, 13, e Mirtes, 14. Fosse onde fosse o velório
não faltavam às irmãs Martinez, com suas carinhas sérias e olhos lacrimejantes. Com chuva ou sol, longe ou perto, lá
estavam. Acredito que na maioria das vezes nem sabiam quem era o falecido; o
negócio delas era rodar. Olhava-se para
o ônibus e lá estava o trio curioso grudado nas janelas rumando ao cemitério. O
falecido era o que menos interessava; o importante era passear de coletivo, ter
coisas para contar. Elas cresceram, foram embora do lugar, os tempos são outros,
não vejo mais ônibus nos enterros e nem as irmãs pelas ruas.
O
MENTIROSO
Luiz gostava de mentir, estava no sangue. O pai
também fora um emérito gabola queimador de campo. Certa feita Luiz disse ter
encontrado um diminuto marciano cru dentro do seu frango assado e depois mil
dólares dentro de um Kinder Ovo. Já na
reunião do partido disse ser descendente de Robespierre. Quando menino fez gazeta e contou à mãe que a
escola tinha sido devorada por cupins e que aulas só no ano seguinte. Já adulto
matou a própria avó doze vezes em diversos empregos para conseguir folga. Um
crápula, sem dúvida; foi noivo de seis moças ao mesmo tempo na cidade em que
morava, mentindo sempre mais para justificar sua ausência nos encontros
marcados. Nada é para sempre e um dia o feitiço vira contra o feiticeiro. Numa
roda de desconhecidos no boteco gabava-se que era dono de inúmeros imóveis, que
vivia de renda, a carteira sempre recheada. Pois foi assaltado no caminho de
casa, levou um pau federal, entortaram ele no cassetete, pois sua carteira
tinha apenas vinte e cinco centavos e uma conta de energia de trinta reais em
atraso.
NOÉ
Noé construiu uma arca a mando do senhor de tal dono
das terras e mares do mundo e de tudo que há. Ele carregou os bichos como foi ordenado
pelo proprietário. Pois choveu para mais de metro e o grande barco navegou que
navegou. Noé naquela ociosidade chuvosa tinha que fazer algo. Então para fugir da rotina e vendo tantos
animais em sua volta criou o Jogo do Bicho. Um sucesso! Quando finalmente as
águas baixaram a Arca de Noé estava ancorada no Rio de Janeiro. E deu no que
deu.
DONA MEIGA
Morreu Dona Meiga. Filha de Bastião Louco e Eldorina Fumaça, Dona
Meiga nasceu e viveu por mais setenta anos em Barra do Sarapião. Teve uma
infância normal brincando entre algumas dezenas de cadáveres de inimigos do pai,
cabeças empaladas e amigos acorrentados recebendo chibatadas. Adulta, um doce
era Dona Meiga. Um pote de mel era menos doce que sua saliva. Vivia da lavoura e nas horas de folga matava
alguns conterrâneos por uns cobres ou pernas de salame. Não judiava é verdade,
somente matava a tiros como manda o bom figurino. Mas era na matança muito
delicada e deveras tão gentil que alguns até agradeciam por estar entrando na bala.
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