“Todos os homens têm defeitos. Porém alguns só têm isso.
” (Climério)
segunda-feira, 20 de maio de 2019
LUGAR
ESTRANHO
Hoje despertei num lugar estranho; cama e móveis
desconhecidos, quarto sufocante. O galo não cantou. Quando terminei de abrir os
olhos, ouvi uma sirene e alguém bateu à porta: entrou por ela um jovem com
aparência aborrecida, fala rouca e baixa.
-Antes que o senhor pergunte onde está eu lhe digo:
no inferno! Aqui neste papel estão descritas as regras gerais do Reino do
Capeta e todos os horários e compromissos. E caso falhe em alguma das
obrigações o castigo será em dobro e assim por diante. E não ouse falar alguma
coisa!
Fui lendo a bula do inferno:
6h- Café da manhã acompanhado de pães de aranhas
secas;
7h- Momento chibata;
8h- Banho de salmoura;
9h- Gargarejo com pimenta malagueta;
10h- Vômitos induzidos ao som de Ravel;
11h- Massagem especial com urtiga;
12h- Almoço servido dentro de um cão morto;
13h- Pequena siesta no refrigerador, 10 graus
negativos;
14h- Corrida de uma hora pelo deserto, 70 graus
centígrados;
15h- Passeio pelo inferno no ônibus da comunidade.
O guia será o patrão;
16h- Recepção aos recém-chegados, com direito aos
novatos tomarem pedradas e choques da galera mais antiga, não mui diferente de
certos trotes de universitários;
17h- Sauna;
18h- Culto com os padres e pastores residentes;
19h- Churrasco de bago de touro;
20h- Discurso do mais velho capeta;
23h- Recolhimento
Muito bem, com a lista em mãos fui para o café da
manhã com aranhas secas. Era enorme o refeitório; apanhei minha bandeja e
entrei na fila. Nela tinha café, manteiga e os tais pães de aranhas secas. Mas
não eram aranhas secas e sim castanhas secas. O comprador do inferno era cego e
comprou por engano toneladas de castanhas, quando o certo seriam aranhas
indianas. Saciada a fome, dirigi-me ao salão da chibata para receber meu
castigo. Fui jogado numa mesa fria de latão, amarrado de bruços e de boca tapada.
Mas tive sorte, o cara da chibata deu apenas duas e desistiu: sofria de bursite
e sentia mais dor do que eu. Fiquei de papo até terminar meu horário e saí. Com
o lombo em dia, saltei na banheira de salmoura, tomando cuidado para não entrar
água nos olhos. Foi tranquilo. No Departamento Gargarejo com Pimenta foi até
bom. Após dois minutos de gargarejo a gente recebia uma cerveja gelada para
acompanhar. Ali o diabo não era bem um diabo. Deu 10h e lá estava eu para
vomitar ao som de Ravel. Mas a especialista não compareceu, pois estava com a
gripe suína. Fiz um tempo e me apresentei para a tal massagem com urtiga. Mas
urtiga mesmo era um por cento, o resto era creme hidratante. Até gostei. Meio-dia,
hora do almoço servido dentro de um cão morto. Entrei na fila com a minha
bandejão, antevendo a catinga que iria ter que aturar. E não podia reclamar. Como
não vi nada de cão morto, perguntei ao cozinheiro que fumava na ala própria:
-E o cão morto?
-Está no pastel, respondeu ele.
Não comi o pastel, então almocei tranquilo. Fiz uma
pequena pausa e segui para o freezer, o tal de 10 graus negativos. Um pouco
antes havia lido num pequeno quiosque: Alugam-se Casacos. Encostei-me ao balcão e pedi o preço do
aluguel por uma hora.
-Dez tabefes nas bochechas e um puxão de orelhas -
sou viciado nisso, falou para mim o diabinho que ali atendia. E tem bônus de
meias de lã!
Bem, tomei meus bofetes, apanhei meu casaco e
entrei no freezer. Como estava bem agasalhado não foi difícil suportar o frio
por uma hora, ajudado por alguns exercícios. Ao sair do gelo fiquei sabendo que
a corrida pelo deserto estava cancelada; uma chuva providencial chegou para
poupar o meu corpo de tão estafante esforço. Descansei até a chegada do ônibus
que faria o tour infernal.
O capeta de guia estava todo possuído de terno e
gravata, livro negro debaixo do braço, barba feita e perfumado tal qual quarto
de puta. Conheci todos os fornos movidos a carvão e os modernos já aparelhados
com energia nuclear. Os prédios principais do recinto infernal estavam em bom
estado, pelo jeito receberam uma pintura recente. Achei muito interessante o
campo de treinamento para novos diabinhos. Como apanhavam e batiam! Cursos de
graduação para linguarudas. Estava lotada a arena onde seriam recepcionados os
recém-chegados ao inferno. Atirei apenas uma pedrinha de nada, pois tinha diabo
de olho em mim. Mas vi gente arremessar pedra de quilo e pilhas Rayovac. Quando
peguei os apetrechos para ir à sauna fui chamado pelo diabinho da recepção, que
apavorado, analisando um formulário amarelo, me disse: “o senhor pode retornar
ao mundo terreno. Foi um grande engano. Aqui no inferno, os diabos também erram.
” Quando quis pedir como seria a transição, apaguei. No momento estou no
hospital me recuperando de um infarto. Mas não sei se conto essa história para
alguém.
PAPO NA
TARDE
Quase seis horas da tarde
e dona Zefa Fofoca estava na janela observando o movimento e destilando veneno
na companhia de Jureminha Bunda-de-Tábua, que vinha sem pressa da venda e parou
para um papo amigo. Falavam das coxas de fora da menina Matilde e da
barriguinha esquisita da filha da Norma-Bucheira. O falatório desenfreado é
quase lazer nas cidades pequenas. O converse estava animado quando um ciclista
gorduchinho passou pela calçada e sem querer passou com o rodado da bicicleta
sobre a língua de dona Zeca que no momento estava em repouso sobre a calçada.
Foi para o hospital levada pelo SAMU sob os olhares risonhos da vizinhança. Jureminha e mais dois enfermeiros conseguiram
carregar a língua amassada. O ciclista fugiu pensando que havia passado por
cima de uma sucuri.
NICE
Esta é a curta história de Nice, uma doce bombinha,
faceira e formosa que apressadamente marcou um encontro com um pombo galã após
conhecê-lo pelo facebook. Embora avisada pelos familiares dos perigos de
encontros assim, não deu bola e foi. Usou seu melhor perfume e carregou na
maquiagem. O local combinado para o encontro foi um casarão abandonado na Vila
Dores. Chegaram ao local e foram para o sobrado. Já nas primeiras carícias o
tal pombo mostrou a sua verdadeira face. Ela ficou apavorada quando o dito
mostrou suas garras. Na verdade, não era um pombo, mas sim um gavião
disfarçado. Azar da pobre pombinha que foi literalmente comida no primeiro
encontro. Restaram da Nice somente penas e sua nécessaire.
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