sábado, 15 de junho de 2019



O ASCENSORISTA
Naquele fim de tarde de sexta-feira o elevador dois do Edifício Gimenez estava lotado, inclusive com um padre e dois pastores evangélicos. Silêncio entre os presentes e ninguém notou o novo ascensorista que hora se apresentava. O elevador subia e descia e não parava em nenhum andar. Interpelaram o trabalhador que disse estar com um pequeno problema que logo seria resolvido. Por alguns minutos ninguém reclamou, mas depois... após muitas idas e vindas reclamações, o elevador parou num andar não visualizado no painel, a porta se abriu e todos caíram diretamente no fogo do inferno. O ascensorista era o próprio Satanás Ferreira que resolvera começar o final de semana com uma brincadeirinha, digamos, bem quente.



OS MÁGICOS
Dois mágicos caminhavam por uma estrada quando se armou um temporal daqueles.  O primeiro deles fez surgir do nada um guarda-chuva e rio com sua façanha. O outro riscou o céu com sua caneta de fada e escreveu “céu azul”. O primeiro teve que fechar seu guarda-chuva e seguir a pé. O segundo seguiu viagem nas asas de Pégaso.



GRAÇA ALCANÇADA
O pobre homem atravessou florestas, enfrentou desertos, venceu rios e subiu montanhas para encontrar no cume de uma delas o símbolo das madeiras cruzadas, tido como milagroso. Foi até lá para pedir graças e curar-se de doença terrível. Ajoelhou-se diante daquela cruz enquanto o vento zunia. Pois aconteceu que o pau podre sucumbiu ao vento e quebrando caiu sobre o homem tirando sua vida. Graça alcançada.


A CANETA
Havia uma bela caneta mágica que tinha vida e que só gostava de escrever coisas relacionadas ao amor. Porém por essas coisas da vida foi parar nas mãos de um bruto cheio de ódio na Síria. Então certo dia já cansada de ver cabeças cortadas, bombas dilacerando inocentes e de escrever discursos abomináveis contra a vida, transformou-se num pequeno lagarto e enterrou-se na areia do deserto para sempre.


PERU INÁCIO
Dezembro estava chegando e o peru Inácio não queria morrer. Rezava que rezava para ser poupado nas festas de natal e novo ano. Já não dormia mais, sua angústia era visível. Suas colegas galinhas tentavam consolá-lo dizendo que a vida é mesmo assim; hoje uns e amanhã outros. O galo médico receitou até um ansiolítico. O padre Bode João rogava-lhe que tivesse esperança. Inácio olhava para o céu azul e não sentia nenhuma alegria, sua única visão era ele bem bronzeado sobre uma farta mesa, rodeado de arroz, saladas e de pessoas embriagadas. O caso é que dezembro chegou e o bom Inácio foi ao forno. Ficou bem moreninho como ele mesmo imaginara; sem dúvida um belo peru. As galinhas amigas agora rezam por sua alma, orientadas pelo Bode João.


O FORTE E VALENTE
Turíbio era forte e valente como nenhum outro. Na verdade, não tinha mais adversários na sua região. Derrubou todos que estiveram em seu caminho.  Seus amigos o convenceram de sair no braço com um leão, na porrada.   Pois os tais após muito trabalho e dinheiro conseguiram um leão e colocaram os dois frente a frente numa jaula enorme. O valente foi todo pintado para a batalha, uma mistura de ninja, apache e soldado em guerra na floresta.  E o dito leão por ser um bicho burro e desinformado não sabia quem era Turíbio, o forte e valente. E assim sendo um animal totalmente por fora, comeu o valente ainda no primeiro round.


PARASITAS DOS INFERNOS

Certo dia no buraco dos buracos dos infernos mais tenebrosos alguns parasitas criaram um sindicato e a tal estabilidade no emprego. O diabo ergueu as sobrancelhas e ficou quieto, atinando o que daria disso tudo.  O que se deu é que nem o inferno suportou. O serviço piorou, pouca vontade para trabalhar, muitos direitos e o inferno quebrado, sem manutenção até nas churrasqueiras a lenha. Quando tudo estava indo para o abismo ele chamou a turma da pesada e fez uma grande limpa. Os parasitas foram chutados do inferno e caíram todos na América do Sul. A maioria deles num lugar chamado Brasil.


AO PÉ DO POÇO

Ao pé do poço o Pedro Paulo pediu ao padre Primo a benção porque iria se jogar no poço. O padre respondeu que não daria benção porra nenhuma a um suicida ainda mais numa tarde em que também estava puto da vida com tudo e todos e que ele ainda iria para o inferno.  O padre resolveu ficar nu no pé do poço só para mostrar que maluco por maluco ele também era. E agora?   Tudo isso irritou profundamente Pedro Paulo que por fim disse que não iria mais se matar e que se tornaria um homicida. Dito isso jogou o padre no poço e partiu faceiro usando as calças novas do religioso.


O PEDIDO

O sujeito entrou no bar, sentou-se num canto e chegando o garçom fez o pedido: dois pasteis de graxa de motor elétrico, um litro de ácido de bateria e uma salada mista de arruelas temperada com pólvora e gasolina azul. Diante do olhar atônito do atendente disse: ” sou o Homem de Ferro, portanto não esquente, hoje resolvi radicalizar na dieta. ”



OS PERDIDOS E O DEMÔNIO

Três caçadores de tesouros, malvados que só, estavam perdidos e dormiam sob estrelas no deserto; passavam frio. Ouviram então um barulho e perguntaram- “Quem vem lá?” – Saindo de dentro da escuridão uma voz respondeu.
“É o demônio.”
O mais velho deles disse.
“Traz fogo camarada?”
O diabo respondeu.
“Trago muito fogo.”
“Então se aproxime sem medo que não irei te passar no chumbo.”
E foi assim que o demônio passou a noite bebendo, contando causos e comendo carne seca na maior alegria junto da fogueira como se fossem velhos companheiros. Pela manhã foi embora dizendo.
“Até um dia rapaziada! Quando chegarem por lá peçam por mim!”


O TORNADO

Naquela tarde o céu ficou escuro. Um enorme tornado chegou à cidade e não destruiu nada, apenas foi recolhendo pessoas. Levava mil para dentro do turbilhão e deixava uma, coisa inacreditável. Ia e retornava sem parar. Eu estava na rua conversando com um amigo quando ele se aproximou de nós. Não adiantava correr, então ficamos aguardando os acontecimentos.

-O que será isso?-perguntou o amigo.
-Não tenho noção nenhuma- Foi o que respondi.
Aí apareceu um terceiro dizendo:
-Eu sei o que é! É um castigo de Deus e está levando os homens pecadores para o inferno!

O tornado retornou, apanhou mais um dono da verdade ele sumiu nas alturas. Ficamos atônitos e fomos para casa. Após alguns dias descobrimos que o tornado levou embora todos os que tinham apenas certezas e deixando aqui na terra os homens cheios de dúvidas.


ANA ANDROPOVA E ALEXEI ROMANOV
Moscou, Rússia. Ana Andropova, 40 anos, dona de casa, cinco casamentos, sem filhos, cinco vezes viúva, todos de morte natural. Alexei Romanov, agricultor, um homem bom, 42 anos, se achava também um homem de muita sorte e propôs casamento a Ana Andropova; não temia morrer cedo. Acontecido o entendimento sentimental e financeiro entres as partes, casamento realizado. Foram morar no campo e viveram felizes por mais de quarenta anos. Não tiveram rebentos.  Morreram de infarto no mesmo dia e hora, sem sofrimento. Ao limparem os corpos descobriram que os dois tinham um trevo de quatro folhas vivo e crescido no ouvido esquerdo.



MARIA
Maria não queria João, queria Paulo. O pai de Maria não queria Paulo, queria João.  Maria mulher objeto desejava ter amor, voz, vida, luz, liberdade. A mão pesada dos costumes desceu sobre Maria que soluçava pelas noites geladas na solidão da cama, desenhando no chão de areia pássaros livres, tentando resignar-se com seu destino e aceitar o determinado pelo pai. Porém algo dentro dela era mais forte, pois corria por suas veias o sangue da insubmissão e do desejo de todos os mortais de ser feliz. Os dias de Maria eram de tristeza, sabendo que o futuro lhe reservava a mesma vida inglória de diversas outras Marias de sua aldeia. Então quando teve certeza que nada mudaria o contrato acertado da troca de uma mulher por cabras e algum dinheiro, foi ao rio. Lá calmamente se deixou levar pelas águas, entrando num transe de paz, conquistando a liberdade tão almejada.


NO JATINHO DO CAPETA

O capeta saiu para passear no seu jatinho particular. Voltas para cá e para lá. Quando sobrevoava a Venezuela disse para seu piloto: Pouse aqui! Pouse aqui! Este é um lugar em que me sinto em casa!