terça-feira, 25 de novembro de 2014

Andrea Faggion-Mais Kant, menos Mill

Mais Kant, menos Mill


No último post, eu comentei o que considero ser a grande contribuição de Mill ao liberalismo clássico/libertarianismo: sua crítica à democracia, ou às tentativas de compensar perdas no que Berlin viria a chamar de "liberdade negativa", o espaço de não-interferência na vida dos indivíduos, por ganhos no que Berlin chamaria de "liberdade positiva", auto-governo. Mill tem razão. Quando o poder deixou de ser exercido explicitamente por oligarquias e passou, em tese, para as mãos do povo, criou-se a falsa impressão de que as reivindicações liberais por um espaço de não-interferência na liberdade individual não fariam mais sentido, estariam historicamente superadas. Ledo engano. Por mais autêntica que seja a democracia, a liberdade positiva ou auto-governo não substitui a liberdade negativa ou não-interferência, pelo simples fato de que não se trata aqui do governo do indivíduo sobre si mesmo. Trata-se apenas e tão somente do direito do indivíduo a um voto na multidão, sem que o indivíduo sequer precise dar seu consentimento explícito para que uma dada matéria torne-se ponto de pauta para uma assembleia. Em suma, basta que lhe dêem o direito a um voto e decidem até se você pode fumar ou beber, por exemplo.

Kant, ao contrário de Mill, não parece ter estado suficientemente atento para a necessidade de que a tal "vontade geral" ou "vontade unida do povo" seja devidamente limitada. Ele defendia o direito de que o sujeito fosse senhor de si, é verdade. Mas, conforme a letra do texto, ele também pensava que essa autonomia jurídica deveria ser exercida como soberania popular, pois ele permite que a lei para o indivíduo seja dada por ele mesmo na companhia dos outros. No fim das contas, isso significa que uma instituição - seja ela representada por uma assembleia ou por um indivíduo - tem o direito de agir contra o consentimento explícito de um indivíduo, alegando representar a vontade geral, que, teoricamente, inclui a vontade desse indivíduo, ao menos enquanto vontade racionalmente considerada.

Claro que Kant não pensava no voto de uma maioria esmagando o indivíduo. Ele nem sequer acreditava que a vontade geral coincidisse com a vontade de todos empiricamente unificada em um plebiscito. No entanto, o soberano legisla em nome dessa vontade geral - uma ideia racional do que todos deveriam querer - e eu não vejo em Kant uma defesa forte o bastante dos limites dessa legislação, por mais que ele tenha criticado tanto o paternalismo do Estado, que tenta fazer o súdito feliz, quanto a pretensão do Estado que tenta transformar o indivíduo em um ser virtuoso. Por exemplo, Kant não disse claramente que o princípio universal do direito ou o direito inato à liberdade deveria limitar e determinar o princípio do contrato, embora eu ache que essa seja a melhor interpretação de sua posição.

O princípio do contrato, grosso modo, diz que o soberano só pode impôr ao indivíduo o que cada um poderia impôr a si mesmo. É isso que significa ser senhor de si mesmo na companhia de outros. O problema dos liberais com isso é que o soberano pode interpretar como ele bem entender o que seria razoável para o indivíduo aceitar. Não há a necessidade do consentimento explícito de cada um. Como explica Berlin, o soberano respeita uma ideia de vontade racional do indivíduo, não a vontade de fato do indivíduo. Atento a isso, Mill diz claramente que precisamos de um princípio para sabermos onde vamos traçar o limite do que o soberano pode decidir forçar o indivíduo a fazer contra sua vontade empiricamente considerada. Agora, embora Kant não tenha dito o mesmo com todas as letras, eu defendo que o princípio que Kant tinha à sua disposição para limitar o direito de coerção externa era muito melhor do que o de Mill. Vejamos.

Segundo Mill, o princípio que separa as interferências governamentais legítimas das ilegítimas é o "princípio do dano". Mill defende que a auto-proteção é o único princípio que legitima interferências na liberdade de ação de qualquer número de membros de uma sociedade. Ele entende por isso que o poder só pode ser exercido, em conformidade com o direito e contra a vontade de qualquer membro da comunidade, se o objetivo é evitar danos a terceiros.

Ora, à primeira vista, isso parece uma perfeita formulação do princípio da não-agressão dos libertários, o famoso PNA. Pois eu alego que, bem pelo contrário, esse é um princípio coletivista que deixa entrar pela porta dos fundos toda a ameaça de tirania que Mill tentou expulsar pela porta da frente.

O ponto central é: Como defino um dano? Dano a quê? Um dano pode ser um mero efeito indesejado em minha vida. Um dano pode ser consentido. Por exemplo, você resolve usar drogas. Em um primeiro momento, eu não posso proibi-lo de fazê-lo de acordo com o princípio do dano, afinal, Mill diz claramente que não se trata de impôr a alguém o que, supostamente, seria melhor para ele mesmo. Só que a família de um usuário de drogas pode ser prejudicada por suas ações. Eles podem ter que acordar no meio da madrugada para socorrem o usuário em uma emergência. Eles podem ter que cobrir os custos materiais da droga na vida desse indivíduo. Eles podem simplesmente sofrer emocionalmente ao assistirem a decadência de um ente querido. Isso tudo não conta como dano?

Mas a questão é o sentido do "ter que" acima. Você não é forçado a socorrer seu ente querido financeiramente. Você pode escolher pagar o preço de vê-lo sofrendo. Em suma, você o socorre, porque quer, a menos que ele tenha chegado ao ponto de apontar uma arma para sua cabeça. Enquanto não chegarmos a esse ponto, existe dano, mas não existe dano à liberdade. Em outras palavras, o princípio do dano abre as portas para restrições de sua liberdade em ações em que você não restringiu a liberdade de ninguém.

A coisa fica ainda pior. Eu disse acima que você pode escolher omitir socorro. Portanto, nesse caso, se você sofre um dano causado pelo seu ente querido, esse dano é consentido por você. Mas não é bem assim no cenário do princípio do dano, porque Mill ainda admite explicitamente que o princípio legitima também a coerção à performance de atos individuais de beneficência. Em outras palavras, amigos libertários, Mill, de bom grado e conscientemente, abre as portas para deveres positivos.
There are also many positive acts for the benefit of others, which he may rightfully be compelled to perform...
Para Mill, não apenas nossas ações, mas também nossas omissões podem causar danos a terceiros, de forma que você deve prestar contas pela injúria da omissão. Ora, nada mais anti-libertário do que isso! A boa lição de Nozick é que, do fato de podermos impedir um dano, mas não o fazermos, não decorre que tenhamos sido a causa do dano. Nozick aponta que só seríamos a causa do dano por omissão, justamente se fosse pressuposto que tínhamos a responsabilidade ou o dever de agir quando nos omitimos. É verdade que Mill diz que os casos em que somos responsabilizados por omissões são de exceção, mas fica aberto mais um flanco para ataques contra a liberdade.

Por fim, eu quero expor também meu descontentamento com o fundamento utilitarista do princípio do dano. Já disse aqui e repito: utilitarismo é coletivismo; se advogada pela causa da liberdade individual, é só como meio. Isso fica claro no texto de Mill quando ele nos diz que o princípio último de todas as questões de ética é a utilidade em sentido amplo, definida como: os interesses permanentes do homem como um ser que progride. Quer dizer, no fim, não importa a sua vontade de fato, os seus interesses particulares, mas, assim como para os democratas, está em jogo um conjunto de interesses abstratamente considerados, a serem definidos pelos legisladores e opostos aos cidadãos reais, empiricamente tomados. Se se deixa espaço para a manobra dos indivíduos reais, é apenas porque se acredita que essa margem de não-interferência serve a esse homem abstrato a ser sempre aperfeiçoado.

Bom, e Kant? Kant pode até ter se degenerado depois, no desenrolar de sua filosofia política, mas, como bem aponta Berlin, ele começa como um genuíno individualista. A humanidade na sua pessoa é digna de respeito absoluto. Isso implica que você pode ser restrito na busca dos seus fins, mas jamais pode ser usado como um meio para quaisquer fins, como, por exemplo, o progresso da humanidade em seus "interesses permanentes".

O que está em jogo é justamente qual o princípio que orienta essa restrição da liberdade do indivíduo na busca de seus fins privados. É nesse momento que Kant formula o PNA melhor que qualquer libertário de carteirinha. A liberdade só pode ser restrita em nome dela própria: é permitida apenas a coerção da coerção. Se minha liberdade pode coexistir com a sua e, mesmo assim, você me restringe, aí sim, você me causa dano: dano à liberdade! Para Kant, não cabe ao direito interferir se um dano foi causado apenas graças ao consentimento daquele que o sofreu.

Por isso que, diga-se de passagem, em Kant, não cabe o conceito de "coerção moral" cunhado por Mill. De acordo com Mill, interferências na liberdade também podem ser morais, e não apenas físicas, no sentido em que alguém pode sofrer como sanção uma reprovação. Ora, isso não cabe em Kant. É verdade que posso ser moralmente punida pela reprovação do juízo alheio. Mas o seu mero juízo não restringe meu arbítrio. Eu posso continuar fazendo as mesmas coisas que você reprova, enquanto você meramente expressa sua reprovação. Assim, pode ser anti-ético que você me censure sem boas razões, mas não é uma violação de direitos meus, porque eu não tenho um direito à sua aprovação. Esse é mais um benefício do modo preciso como Kant distingue ética e direito, coisa que Mill não fez.

Voltando ao exemplo do usuário de drogas, eu posso sofrer se escolho não ajudar meu ente querido em sua decadência. Mas nem todo sofrimento é uma violação de um direito meu, ou seja, uma restrição de minha liberdade. Eu não tenho o direito de não ser emocionalmente magoada ou de não ser contrariada. Uma ameaça qualquer de sofrimento, por si só, não restringe minha liberdade.

Por exemplo, uma coisa é dizermos: "se você bater em João, não falo mais com você". Aqui, o indivíduo fica perante uma simples escolha: ou bate no João, ou continua falando comigo, sendo que ele não pode reivindicar um direito a uma coisa ou a outra. Ele não tem direito à minha ação de conversar com ele. Eu não tenho a obrigação de falar com ele, ou eu seria uma escrava dele, em vez de um ser livre. Da mesma forma, ele não tem o direito de usar o corpo de João como saco de pancadas, ou João seria um escravo dele, em vez de um ser livre. Assim, a liberdade do sujeito fica preservada na encruzilhada em que eu o coloco. Ele escolhe. Não poder ter as duas coisas não é sinal de falta de liberdade.

Agora, se eu digo: "se você bater no João, eu mato você, ou prendo você, ou tomo sua propriedade", a coisa muda de figura. Você tem o direito de não ser morto, não ter seu corpo aprisionado e não ter sua propriedade levada, porque a sua liberdade é restringida em qualquer um desses casos. Adotar esse tipo de ação contra você claramente restringe sua liberdade. Por que eu teria o direito de restringir sua liberdade? Na verdade, eu não tenho. Só passo a ter se você bater em João, ou seja, restringir a liberdade dele primeiro. A minha ameaça só é legítima, porque ela visa obstruir uma escolha ilegítima.

Tudo mudaria se eu dissesse: "se você não falar mais comigo, eu mato você". Aqui, ao não falar com você, eu não restrinjo sua liberdade. Eu apenas deixo de prover você com o que você considera um bem: minha companhia. Ao me matar, porém, você restringe minha liberdade terminantemente.

Já fica implícito aqui que o princípio de Kant ainda tem a vantagem de excluir explicitamente as ações de benevolência do âmbito do direito, reservando-as para a ética, ao afirmar que o direito não trata da relação do meu arbítrio com seus fins (necessidades ou desejos), mas sim de uma relação externa e formal entre nossos arbítrios, em que se analisa apenas se um arbítrio impediu o outro.

Enfim, por essas e outras, acredito que libertários devamos "perdoar" a filosofia política de Kant e abraçarmos como PNA o princípio universal do direito que diz que a minha ação é conforme ao direito (portanto, não pode ser impedida), quando pode coexistir com a liberdade de todos os outros conforme uma lei universal. Se você acredita que o papel do direito é ser um garantidor da liberdade individual, pronto, o princípio é esse. Se o próprio Kant foi sempre fiel a ele, é outra história. Podemos nos apropriar do que nos interessa em um autor, deixando o resto lá.

Andrea Faggion é professora do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Londrina e do Mestrado em Filosofia da mesma instituição e da Universidade Estadual de Maringá.

Só ou sozinho

“Estar só não é o mesmo que estar sozinho. Uma mente cheia de planos é companhia que espanta o tédio e toda solidão que possa existir no ambiente.” (Filosofeno)

Esperteza

ESPERTEZA

A esperteza saiu a passear pelo mundo
Dando tombos nos incautos
Enganando homens de bem
Porém o tempo
Que é senhor da verdade
Avançou sobre ela
Tirando suas vestes
E mostrando para o mundo
Seu espírito imoral.

“Hoje é meu aniversário. Não haverá festa, mas pretendo comer alguém.” (Leão Bob)

“Enquanto alguns acordam para fazer o bem, outros já saem da cama de braços com a maldade.” (Filosofeno)

Como diria Padre Quevedo falando sobre nulidade: "Dilma non ecziste!"

A soberba escorre

“Dilma e Lula. Duas faces da mesma moeda: a ignorância imodesta.” (Mim)



Questão delicada II

“Mamãe, posso ser igual a Dilma?” “Não minha filha. Já temos um mentiroso na família.”

Questão delicada

“Mãe, o que os políticos do PT fazem em Brasília?” “Você ainda não tem idade para saber meu filho.”

“A nossa África está repleta de turistas distraídos. Para fazer um lanche basta um pulo.” (Leão Bob)

VIDA EM CUBA- Yoani Sánchez- Violência e discurso público



Afiche por el sexto aniversario de la revista Convivencia
Numa esquina uma mulher bate num menino que parece ser seu filho. Os transeuntes que passam não se metem. Cem metros adiante dois homens arrumam uma briga porque um deles pisou nos sapatos do outro. Chego a casa refletindo sobre essa agressividade a flor da pele que se sente na rua. Para sair de tanta tensão leio o último número da revista Convivência, que acaba de fazer seis anos de fundada. Encontro em suas páginas um artigo de Miriam Celaya que aborda, casualmente, essa “perigosa espiral” de pancadas, gritos e irritação que nos rodeia.
Sob o título “Apuntes em torno al origen antropológico de la violência em Cuba”, a mordaz analista inspeciona os antecedentes históricos e culturais do fenômeno. Nossa própria jornada nacional, feita a “sangue e fogo”, não ajuda muito na hora de se promover atitudes como o pacifismo, a concórdia e a conciliação. Dos horrores da escravidão durante a colônia, passando pelas guerras de independência com seus ataques de facão e seus caudilhos prepotentes, até chegar aos acontecimentos violentos que também caracterizaram a república.  Uma longa lista de iras, golpes, armas e insultos moldaram nossa idiossincrasia e são magistralmente enumerados pela jornalista em seu texto.
Menção aparte merece o processo iniciado em janeiro de 1959, que fez do ódio de classes e da eliminação dos diferentes pilares fundamentais no discurso político. Daí que ainda hoje a maior parte das efemérides que o governo comemora se referem a batalhas, conflitos bélicos, mortes ou “flagrantes derrotas infringidas” ao opositor. O culto a cólera é tal que a própria linguagem oficial não percebe o rancor que promove e transmite.
Porém cuidado! O ódio não pode ser “tele-dirigido” uma vez fomentado. Quando se aviva o rancor contra outro país, acaba por se validar também a ojeriza ao vizinho cuja parede confronta com a nossa casa. Os que crescemos numa sociedade onde o ato de repúdio se justificou como “legítima defesa do povo revolucionário”, podemos pensar que os golpes e os gritos são o modo de nos relacionarmos com os quais não nos entendemos. Nesse entorno de violência a harmonia nos parecerá sinônimo de fraqueza e a convivência pacífica uma armadilha em que “o inimigo” nos quer fazer cair.
Tradução por Humberto Sisley

Instituto Ordem Livre- A impostura da dicotomia entre “esquerda solidária” e “direita ordeira”

Ao longo dos últimos séculos pudemos observar no universo político das chamadas democracias modernas, sem exceção, o estabelecimento de uma dicotomia política cujo roteiro foi escrito como farsa: a distinção entre duas facções políticas dominantes, uma conhecida como “esquerda solidária” e a outra como “direita ordeira”.
As denominações obviamente variam de acordo com a retórica dos grupos que, nos jogos de interesses, buscam acima de tudo e invariavelmente a maximização do poder e dos privilégios para seus membros. Os partidários das agremiações de esquerda aplicam frequentemente aos seus oponentes rótulos como autoritários, disciplinadores, conservadores, reacionários, retrógrados, individualistas e exploradores, entre outras denominações consideradas pejorativas. Aqueles à direita por sua vez aplicam aos seus adversários políticos de forma igualmente pejorativa adjetivos como irresponsáveis, utópicos, ineficazes, libertinos, incivilizados, baderneiros, espoliadores, etc.
O liberal bem informado não se surpreende com o uso de hipérboles em meio ao excessivo ativismo político vigente nas democracias hipertrofiadas, afinal é capaz de enxergar além da encenação teatral que lhes é característica. É necessário, porém, ir além das hipérboles. Tal dicotomia é acima de tudo uma impostura consentida que permite aos representantes políticos e seus eleitores, de ambos os lados, a defesa (ou percepção de defesa) de seus privilégios sob o manto de uma retórica simples mas aparentemente meritória e justa (ainda que falsa).
Começo por mostrar que a dicotomia é uma farsa. Suas origens históricas são múltiplas e assim de difícil descrição, mas vemos a dicotomia presente de longa data, por exemplo, na cultura popular, como na imemorial fábula da cigarra e da formiga, e em disputas políticas recorrentes, como na que se travou entre Thomas Jefferson (solidário: proteção dos interesses dos governos locais e dos pequenos proprietários e agricultores) e Alexander Hamilton (ordeiro: proteção dos interesses do governo central e dos conglomerados financeiros e comerciais). Creio que a origem de tal dicotomia está na experiência humana universal da convivência em família, onde valores de solidariedade e ordem são importantes fontes de conflitos. A extrapolação dessa dicotomia do universo familiar para a política, ou seja, a falsa concepção da sociedade como uma macrofamília que enfrenta os mesmos dilemas da família nuclear é uma falácia amplamente aceita que tem como efeito impedir o bom funcionamento das democracias modernas.
Se a dicotomia é onipresente no ideário humano, como é possível afirmar que se trata de uma farsa? A farsa consiste mais precisamente no uso de fortes eufemismos para descrever o verdadeiro objetivo de cada um dos grupos políticos. Tome-se o caso da “esquerda solidária”: se sua verdadeira intenção fosse a promoção da solidariedade entre humanos, então incitaria seus membros a doar suas riquezas e esforços aos demais membros da sociedade sem exigir que aqueles que não são partidários façam o mesmo. O fato de que sua verdadeira motivação seja a desapropriação como fonte de recursos para a sustentação do seu poder e privilégios é prova de que o rótulo de “esquerda solidária” é uma farsa. De fato, para atingir seus objetivos, a “esquerda solidária” deve inevitavelmente utilizar instrumentos disciplinadores, explicando assim como seus governos estão fadados ao autoritarismo entre outras qualidades pejorativas que atribuem, ironicamente, a seus rivais.
O uso do eufemismo também é evidente entre os partidários da “direita ordeira”. Se sua verdadeira intenção fosse a promoção de uma ordem livre entre humanos, então incitaria a disciplina pessoal e a prática da virtude de acordo com os valores de cada indivíduo, sem exigir que aqueles que não são afiliados façam o mesmo. Em busca do voto, entretanto, sua retórica passa recorrentemente pela promoção de conflitos militares, pela marginalização e criminalização de divergências comportamentais (como no caso das leis secas ou da criminalização da prostituição), e pela manipulação dos medos e inseguranças dos eleitores. Ou seja, em nome da ordem e da segurança promovem exatamente aquilo que atribuem aos seus opositores: a desordem, o conflito e a desconfiança mútua.
A impostura consentida permite convenientemente à “esquerda solidária” e à “direita ordeira” compartilharem tranquilamente do apego que nutrem pelo exercício do poder e pelos seus privilégios, ao mesmo tempo em que evita o reconhecimento de que a diferença entre os dois grupos não está nem nos meios nem nos objetivos, mas naquilo que, independentemente de mérito, desejam tomar de terceiros ou não desejam ceder a terceiros.
* Publicado originalmente em 02/05/2012.

Autor

“O tempo é um grande apagador. Um dia seremos todos esquecidos.” (Filosofeno)

“É a realidade. Com Dilma já estamos na metade do caminho para o nada.” (Mim)

TROCADILHO INFAMEZINHO- “A most tarda, mas não falha.” (Pócrates)

“Às vezes a morte faz nobre aos olhos do povo muitos homens que não valem um cuspe.” (Limão)

“Da morte nem o maior crápula escapa. Isso sim é justo.” (Mim)