quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

DO BAÚ DO JANER CRISTALDO- sexta-feira, outubro 31, 2008 Crônica antiga: FALÊNCIA DO MACHO *

Descobriu tudo e deu três tiros na mulher. Para bom entendedor, a manchete já disse tudo, nem é preciso ler a notícia. O crime ocorreu sexta-feira passada, na esquina da Sete de Setembro com a João Manoel. Entrei num edifício do centro, o porteiro comentava:
- Nesses casos, a culpa é sempre da mulher. O homem sempre tem razão.
A meu lado, estava o homicida potencial.

Em minha pasta de recortes, as notícias sobre maridos que matam mulheres já estão ocupando um espaço excessivo. Ora o marido mata a mulher que o traiu, ora mata o amante da mulher, quando não mata os dois. O fato comporta algumas variantes. Mas a decisão do júri é uma só: absolvição. Defesa da honra, pretextam. Mas que honra é essa que exige sangue para ser lavada?

Vejo algo de mais profundo e sintomático nessa atitude do marido e do júri. Não creio se trate apenas de defesa da honra. Mas sim medo do homem de nossa época ante a nova mulher que surge.

Houve um momento na História em que o Estado encarregava-se de vingar os brios do macho insultado. Antes do surgimento da roda e da máquina, era senhor quem tinha maior força física, ou seja, o homem. O homem erigiu o Estado e as leis eram um reflexo de sua vontade absoluta. A mulher era sua propriedade, o adultério era antes de mais nada um roubo. E o Estado punia esse roubo. Jogava os adúlteros na fogueira. Ou pendurava-os no patíbulo.

Os tempos mudaram. Hoje, força física não alimenta ninguém, exceto ídolos do futebol ou campeões olímpicos. A máquina permite que uma mulher execute o mesmo trabalho de um homem. Não está mais em jogo sua força física, mas sua capacidade mental. Mesmo ainda inferiorizada, a mulher pode hoje prover o seu sustento, decidir, comandar. Em outras palavras, equipara-se ao homem. Se nos primórdios da humanidade a subsistência dependia de músculos rijos, manejo do tacape ou machado, argúcia na caça, hoje subsistência depende de conhecimento, técnica, cultura. Sabemos como vive – ou melhor, sobrevive – quem só dispõe de força física para o trabalho.

A fêmea do homem evoluiu. O macho continua o mesmo.

Posso ser dono de um livro, de um par de sapatos, de um carro. São coisas, objetos. Eu os possuo e deles disponho como bem entender. Mas não posso ser dono de uma mulher, de um outro ser humano com vontade própria. Se minha mulher me troca por um outro homem, creio existirem apenas duas atitudes a tomar. Uma, seria cumprimentar minha mulher, caso tenha encontrado um homem melhor dotado e com mais capacidade de oferecer-lhe amor e compreensão. (Pois é bem possível que eu não seja o mais perfeito e amoroso dos homens, não é verdade?) A outra atitude seria dar-lhe pêsames, por ter-me trocado por um homem inferior e incapaz de oferecer-lhe amor. (Pois é bem possível que eu não seja o mais imperfeito e egoísta dos homens, não é verdade?)

Mas o macho contemporâneo não renunciou à sua condição de senhor. Vê na mulher uma escrava, uma coisa de sua propriedade. Sente-se roubado? Mata. Os jurados o inocentam, numa espécie de alerta: “Cuidado, querida. Se me traíres, te mato. E meus colegas me absolverão”. Chamam a isto defesa da honra.

Os tempos mudaram. A mulher se transformou. O homem continua o mesmo. Ao sentir-se traído, só conhece uma forma de diálogo: reage à bala. Isto é, o macho está falido.


*Porto Alegre, Folha da Manhã, 03/11/1975

OBSERVADOR

Final de tarde, horário de verão. Estou aqui na varanda observando o movimento até onde meus olhos alcançam. Temperatura boa de 25 graus. Como estou num lugar alto consigo ver os pedestres se digladiando por espaço na viela estreita. Seu Antonio do Armazém Ramires está na porta conversando com uma freguesa magrela, de nariz adunco, cheia de gestos e requebros. Pelo que posso ouvir está falando das intromissões da sogra no seu casamento. Um ciclista distraído se enrosca num carinho de picolé, para desespero do vendedor que esbraveja contra ele. O carinho tomba lateralmente, mas os picolés não caem. Dona Zuleika está na janela controlando Paulo, o marido galinha que bate papo com os colegas no ponto de táxi da esquina. Dona Eufrásia, costureira da rua, abre o portão para que entre Eunira, mocinha que está nos preparativos do enxoval de casamento. Os moleques Tico e Fubá muito entretidos jogando bolitas num cantinho de terra que separa os jardins de Milena, mãe de Fubá. Como é período de férias, inúmeras crianças e adolescentes gastam os chinelos pelas calçadas. Amador, o chaveiro, sentado detrás de uma mesinha desgastada assinala cartões da Megasena e sonha acordado em ficar milionário. Assim já comprou inúmeras fazendas e automóveis de luxo. Dona Cleci abre uma fresta na janela e observa as moças da vizinhança, sendo que o seu forte é a maledicência. Um branquelo careca e armado passa correndo, sendo perseguido por dois chineses que também trazem armas nas mãos. Que posso fazer? Sou apenas um canário observando o movimento da rua aqui do meu mundinho da gaiola.

JARBAS E EDNO

Dois irmãos, Jarbas e Edno. Jarbas colocou uma escada na parede e subiu no telhado. Lá ficou dançando por horas, por vezes numa perna só. Jarbas é louco. Edno tomou todas, pegou seu automóvel e saiu em disparada. Encontrou uma árvore no caminho e se arrebentou todo. Edno é burro.

O VELHO JOSÉ

O velho José já na casa dos setenta ficava em frente da casa vendo o movimento da rua. Viúvo e sem filhos, ali ficava para passar o tempo. E os dias foram se passando, os meses, os anos, e o velho José ali olhando o movimento sentado na sua cadeira de palha. Os vizinhos foram morrendo de velhice, casas demolidas e o seu José por ali observando o movimento. Com os anos chegaram os edifícios e novos vizinhos que desconheciam o idoso seu José, coisa de cidade grande e correria. Talvez por isso foi que demorou alguns anos para descobrirem o esqueleto do seu José sentado na sua cadeira, cigarro entre os dentes de sua caveira, ainda contando os automóveis que passavam pela rua.

GLÓRIA VÃ

Nino, 12 anos, era um menino mirado, com os ossos gritando para fora da pele. Sua tez amarelada denunciava um corpo doente. Naquela tarde de muito sol Nino, que morava no interior do interior saiu com outros meninos para pescar no riacho das pedras. Meteu a minhoca no anzol e apontou o caniço pra corredeira. Nem bem a minhoca havia se molhado um jundiá puxou com gosto e Nino, firme como prego em polenta foi para dentro do rio agarrado no seu caniço. Afundou, voltou e bateu-se em pedras. Os companheiros ficaram apavorados sem saber o que fazer. Todos sabiam nadar; o certo é que nenhum deles tinha força suficiente para salvar um corpo que estava em apuros. A boa sorte foi que o mirrado alguns metros abaixo conseguiu subir numa pedra sem largar a vara e também o jundiá. Ergueu os braços mostrando o troféu. Teve mais sorte que juízo. Foi festejado pelos colegas e voltou para casa com um peixe de quilo para presentear sua mãe. Tentou e não conseguiu esconder os hematomas. O jundiá foi pra frigideira e Nino para o castigo. E ficou sem comer o peixe.
“A coisa está medonha. Tenho levado mais fumo que cachimbo de desembargador.” (Climério)
“Para rezar nunca fui de andar muito. Mas para namorar já gastei dúzias de ferraduras.” (Climério)
“Meu avô não trabalhou muito, mas fez vinte e quatro filhos.” (Climério)
“Tive uma namorada tão feia que só saía com ela disfarçado de irmão.” (Climério)
“Há muito tempo estou sem inspiração e aumento de salário.” (Climério)
“Você já percebeu que não existe aeromoça feia? A beleza delas serve para que medrosos como eu se distraiam.” (Climério)
“Acredito em todos os santos e em todos os diabos também.” (Climério)
“Minha mulher conta que sempre sonhou em ter um marido lindo. Disse para ela que pode procurar outro.” (Climério)
“Uma esposa ou marido nunca vem só. Sogra é um acessório obrigatório.” (Climério)
“Quando recebi a minha primeira hóstia pedi ao padre se dava para passar manteiga”. (Climério)
“Até ganhar dentes novos eu era um menino retraído e lento. Com treze anos tornei-me um lebrão safado”. (Climério)
“Fui educado para chorar sem apanhar. Quando comecei apanhar estava bem treinado em chorar”. (Climério)

“Política é a arte de poder gastar mal o dinheiro dos contribuintes e ainda ser condecorado.” (Mim)

“Sou tolerante até quando odeio.” (Mim)

NÃO SOU MARIA

Ter crença num criador universal que guia e protege os meus passou seria cômodo
E perguntas não mais faria
Pois dúvidas não teria
Mas como enfrentar os espelhos que refletem o meu pensar
Quando eles perguntarem
Como vives hipócrita?
Por que mentes?


O IRMÃO DO SIM

Pais que dos filhos escravos
No sentido de fazer vontades
Esquecem-se de que um dia partirão
E deixarão os rebentos no mundo
Para enfrentar a dura vida realidade
Amor carinho e ternura
Favorece o relacionamento
Porém devem  observar
Que o sim
Tem um irmão que se chama não.

NAVIO

Acordo com a mente envolvida na tristeza
Pois absorvo e somo todos os fatos
E uma só conclusão resulta
Desta minha abstração
É de que somos há muito tempo um navio sem rumo
Lotado de marinheiros e passageiros imbecis.