quinta-feira, 15 de março de 2018

RATÃO


Miguel é meu nome, tenho pelo e dentes grandes. Antes homem, vivo agora como um ratão reencarnado, me deliciando num lixo grande e gostoso.  Encontro de tudo por aqui, proteínas e carboidratos, frutas in-natura, fartura de guloseimas, nossa como sou feliz! Não posso me queixar da nova vida que levo, ainda mais que na vida passada eu fui um comunista. Que avanço senhores, que avanço!

ANITA


Teodoro e Anita sua mulher. Já quinze anos de abuso.  Teodoro áspero nas palavras, empurrões, surras e humilhações. Anita submissa, temerária, não querendo morrer jovem como outras duas amigas, Selma e Edna que apodrecem num cemitério.  Algumas queixas, separação de corpos, justiça lenta, a polícia não consegue ser onipresente, novas agressões. Teodoro dorme bêbado, uma marreta que cai sobre seu crânio, a solução.

O ANTRO


Tardinha de sexta-feira. Sala no subsolo. Ambiente enfumaçado, conversas em voz baixa, sujeitos mal-encarados e outros nem tanto, todos bafejando álcool em grande estilo. Políticos, assaltantes, traficantes, proxenetas, jogadores e algumas prostitutas. Só cidadãos de primeira linha. Ali se reunia a catrefa para planejar novos golpes e maldades embalados por todos os tipos de drogas. Assim do nada tlac tlac tlac tlac...tlac tlac tlac...tlac tlac..tlac. Um pequeno cubo mágico rolou pela escada. Então, TRANSFORMERS JUSTICEIRO!!
Não sobrou nem mesmo o barman.

O HOMEM FOGO


Não havia ninguém lá além dele. O branco da neve cobria tudo, da ponta dos pés ao horizonte longínquo. Carlos Kiefer, o homem fogo estava cansado depois de décadas de palco, labaredas e público. Ovacionado quase sempre e às vezes vaiado quando o fogo era pouco. Tinha setenta anos e estava só, a velha companheira havia partido há dois anos. Carlos gostava de extremos, fogo e gelo. O fim estava próximo, a saúde debilitada e o bolso vazio.  Ergueu pela última vez os olhos para o céu cinzento e jogou-se num buraco na neve, levando dois litros de vodca, dez limões e um quilo de açúcar.

PAULO CROCODILO


No Parque do  Everglades Paulo Crocodilo descansava ao sol sonhando dar umas crocodiladas à noite. Por trás dele chegou sorrateiramente Josefa, sua comadre e mulher do lendário Pé Grande. Mandou o porrete na cabeça de Paulo, que estremeceu e entrou na estrada do fim, mas não sem antes  perguntar:

-Por que isso comadre?
-Perdão compadre, digo que a vaidade é cruel, preciso de uma bolsa e de um sapato novo.


O VELHO INÁCIO E O DIABO


Noite escura e temporal daqueles, luzes piscando e o vento zunindo. O velho Inácio está sozinho em casa. Batem. Ele atende, na porta está um sujeito vermelho, com chifres e rabo.
-Inácio Brandão?
-Sim.
-Sou o diabo, vim para levá-lo.
-Você disse quiabo? Que nome estranho!
-Não é quiabo, é diabo!
-Pois é o que estou dizendo, quiabo! Mas que tipo de quiabo?
-Você não vê que sou vermelho, tenho chifres e rabo pontudo?
-É fantasia? Muito bem feita.
-Velho tonto, eu venho do inferno, o reino do fogo eterno.
-Entendo que o senhor vem do inverno, e inverno é fogo mesmo. São Joaquim?
-Duro de entender, não é?
-O quê?
-Que sou satã.
-Maçã? São Joaquim terra da maça? É isso? Mas o que é que o senhor quer aqui em São Paulo? Está vendendo maçã?
-Deixa para lá. Vai para o céu seu velho filho da puta!

E o diabo se mandou enquanto grossa chuva caía.

O VENDEDOR


A verdade é esta: ninguém é mais vendedor que Hermógenes, nem Sílvio Santos.  Já vendeu máquina para ensacar fumaça, calcinha furada da Cristina Kirchner, automóvel voador, jacaré ventríloquo, mulher com um furinho na cabeça para guardar moedas, passarinho que toca violão, cachorro que come usando garfo e faca e até dentadura para recém-nascido. Sua última proeza foi vender milhares de ingressos para entrar no céu sem precisar verificar os pecados, esquema dele com o porteiro. Vendeu tanto que até o dono da gráfica ficou rico.  Para se que se tenha uma ideia de quanto o homem é bom, até Satanás comprou doze ingressos e deixou seis de reservados. Preciso dizer mais?



O PORRE DA DULCE BEATA


A Dulce beata
Tomou um porre na quermesse
E ouve lá quem dissesse que era paixão por um sacerdote
Por sinal um rapazote
A Dulce com o porre foi ficando de língua solta
E jogou para cima suas ferramentas orais
Derrubou na igreja flores e castiçais
E acabou até ofendendo um compadre
E no larga e segura
Tirou sua calcinha
E foi se sentar no colo do padre.


RACIOCINE


Busque a clareza no pensar
Porque não há fantasmas na estrada
Tampouco existem demônios nela
Salvo aqueles que estão nos púlpitos
Lavando mentes
Prometendo que dor e miséria garantem o paraíso
Ou que o mal ronda quem fechar a mão para o dízimo.