segunda-feira, 9 de julho de 2018

PÓCRATES


“Quando Dilma fala até o jumento do seu Anastácio gargalha.” (Pócrates)

PÓCRATES


“O Brasil é grande, porém já estamos sem espaço para tantos canalhas.” (Pócrates)

DO BAÚ DO JANER CRISTALDO- sábado, março 28, 2009 PRISÕES SURPREENDENTES NO PARAÍSO DA ILICITUDE

sábado, março 28, 2009
 
PRISÕES SURPREENDENTES
NO PARAÍSO DA ILICITUDE



Há muitas definições do que seja a lei. Eu prefiro a de José Hernández:

La ley se hace para todos,
Mas sólo al pobre le rige.

La ley es tela de araña
- En mi inorancia lo esplico -.
No la tema el hombre rico;
Nunca la tema el que mande;
Pues la ruempe el bicho grande
Y sólo enrieda a los chicos.

Es la ley como la lluvia:
Nunca puede ser pareja;
El que la aguanta se queja,
Pero el asunto es sencillo:
La ley es como el cuchillo:
No ofiende a quien lo maneja.

Le suelen llamar espada
Y el nombre le viene bien;
Los que la gobiernan ven
A dónde han de dar el tajo:
Le cai al que se halla abajo
Y corta sin ver a quién.


Sempre faz bem ao espírito ver atrás das grades criminosos de alto coturno, detentores de grandes fortunas que do dia para a noite passam a ver o sol quadrado. Neste sentido, a prisão de Eliana Tranchesi, proprietária do shopping de mais alto luxo do país, oferece ao público uma sensação de que a lei atinge também os ricos. Junto com Tranchesi, foram presos outros sete envolvidos, entre eles seu irmão, pelos crimes de formação de quadrilha, descaminho (importação fraudulenta de produto lícito) e falsidade ideológica, por fazer constar nas faturas que a compradora das mercadorias era a importadora e não a butique. A pena para a proprietária da Daslu, de mais de 94 anos, parece à primeira vista desproporcional, dado que autores de crimes tremendos têm penas bem menores e alguns continuam livres como passarinho, como é o caso do jornalista Pimenta Neves, que matou uma colega de redação com tiro pelas costas, por uma prosaica questão de bancar o macho.

Mas... mas... mas...

Em crime de formação de quadrilha foi incurso o ex-ministro Zé Dirceu e, pelo que me consta, autoridade alguma cogitou de enviá-lo à prisão. Pelo mesmo crime de descaminho, foi preso em novembro de 2007 o chinês Law Kin Chong, suspeito de ser maior fornecedor de mercadorias contrabandeadas da 25 de Março. Tido como o rei do contrabando em São Paulo, em março de 2008, por obra de um habeas corpus, Chong estava tão livre como Pimenta Neves ou Zé Dirceu. Foi de novo preso em 25 de abril do mesmo ano. Dia 29 do mesmo mês estava de novo nas ruas, libertado por novo habeas. Tranchesi e seus cúmplices também. Mal passaram uma noite na cadeia. Até aí, nada surpreendente. Foram condenados em primeira instância e têm o direito de responder ao processo em liberdade. Não se pode condenar, como se está condenando, juízes que cumprem a lei. Errado não é o juiz. Errada é a lei.

O fato é que a prisão de Chong em nada contribuiu para estancar o contrabando em São Paulo. Continua correndo solto, a céu aberto, não só na 25 de Março, como também na Santa Ifigênia e mesmo na Avenida Paulista, orgulho dos paulistanos. Uma ou duas vezes por ano, a Receita Federal dá uma batida nesses centros de ilegalidade, confisca 40 ou mais toneladas de muamba. No dia seguinte, o contrabando continua firme, como se a apreensão do dia anterior sequer lhe tivesse feito mossa. Na região da Santa Ifigênia, mais precisamente na rua Aurora, está instalado o 3º Distrito Policial de São Paulo. À frente de sua fachada, estão sempre estacionados três ou quatro camburões. A dez metros do último camburão, a muamba está esparramada pelas calçadas. Coibir o contrabando quando este se instala ao lado de um distrito policial é utopia de sonhador desvairado.

Mais ainda: no Brasil o contrabando é mais ágil que o comércio legal. Em dezembro de 2006, Keith Beeman, o diretor mundial de propriedade intelectual da Microsoft, Keith Beeman, foi levado pela reportagem do Estadão até a Santa Ifigênia. O executivo americano se espantou ao ver que os camelôs já comercializavam o Windows Vista, o Office 2007 e o Exchange Server 2007 - novos programas da Microsoft -, que ainda nem haviam sido lançados para o consumidor final.

A impressão que a Polícia Federal deixa é que contrabando não é permissível aos ricos, tanto que Chong como Tranchesi foram levados à prisão. Pobre pode contrabandear à vontade. Rico fora dos círculos do poder do Planalto não pode formar quadrilha. Político dentro do inner circle do PT, que forme quadrilhas a seu gosto.

Por outro lado, salvo engano meu, o artigo 180 do Código Penal define como receptação qualificada o ato de adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte. Pena: prisão de um a quatro anos e multa.

Pode alguém ignorar, depois das anteriores passagens da Daslu pelas páginas da crônica policial, que as mercadorias lá vendidas eram produto de crime? As personalidades do grand monde paulistano e nacional que por lá passaram – e posaram para fotos, como se fossem convivas do Olimpo, com Eliana Tranchesi – não seriam cúmplices da contrabandista? Financiar o ilícito não é também ilícito, como lembrava há pouco o presidente do STF?

É de supor-se que empresa de tal porte tenha contabilidade. Não seria necessário esforço maior de investigação, por parte da polícia, arrolar esta lista de receptadores. Mas quem há de? Desde há muito o Brasil é um paraíso de ilicitude. Se as autoridades pretendessem de fato punir quem comete crimes, melhor seria deixar a criminalidade entregue à lei da selva e criar um pequeno presídio para que lá vivesse em segurança quem não cometeu crime algum.

DO BAÚ DO JANER CRISTALDO- domingo, março 29, 2009 À SOMBRA ODIOSA DA ODIOSA COLUNA DE FERRO EMPARAFUSADA

Os jornais de hoje me lembram que, nesta terça-feira próxima, a Dame de Fer está completando 120 anos. Idade respeitável para uma senhora que, centenária, mantém-se rija, esbelta e charmosa. Vivi quatro anos ao lado dela e jamais a visitei. Durante mais de duas décadas, fui e vim de Paris, sempre me contentando em olhá-la de perto, mas sem penetrar sua intimidade. Nutria até um certo orgulho: moro aqui e jamais subi na torre Eiffel. Parecia-me um tremendo lugar-comum ir a Paris e subir até seu cume. Como abomino lugares-comuns, dela sempre mantive uma respeitosa distância.

No entanto, a considero simpática. Depois de existir, passou a simbolizar Paris e nada mais que isso. Não celebra nenhum combate ou vitória, não evoca nenhum massacre ou fato histórico. Não homenageia nenhum tirano ou estadista, nenhum mártir ou herói, nenhum santo ou deus. É neutra. Cada vez que a vejo, me vem à mente um velho dito francês: soit belle et tais-toi! Seja bela e cale a boca! Muda e silente, não emite mensagem alguma, nem religiosa nem política, nem filosófica nem ideológica. Contenta-se apenas em lembrar que foi erigida para inaugurar a Exposição Universal de 1889. Discreta e ao mesmo tempo escandalosa, é como se apenas dissesse, com suas luzes cintilantes: estou aqui, estou aqui, estou aqui.

Havia um outro motivo, as multidões que a buscam. Subir nela significava esperar duas, três ou mais horas, em filas quilométricas ante suas quatro patas. Ora, nenhum espetáculo do mundo me faz esperar nem mesmo uma hora em uma fila. Brasileiros que me visitavam, mal chegavam logo faziam a proposta obscena: vais nos levar até a torre, não? Ok! Levar, até que eu levo. Mas não subo. Verdade que, um belo dia, eu passeava com a Baixinha pelo Trocadero. Estávamos ali, apenas passeando pela cidade, sem nada para fazer e com o dia todo pela frente. É hoje! – pensei. Não era. Multidões se espremiam em cada pata. Uma das filas era mais curta, teria apenas umas trezentas pessoas. Era a fila para subir a pé. Excusez-moi, chérie, mas não vai ser hoje.

Há uns quatro ou cinco anos, viajando com a Primeira-Namorada, nos aproximamos da velha dama. Só vamos olhar de baixo – já fui alertando – porque nela eu não subo. Rumamos até o vasto espaço circundado por suas patas e, milagre, numa delas havia uma fila curtinha. De novo pensei: é hoje! Era mesmo. Em quinze minutos estávamos no topo. Confesso que não me impressionou muito. O Arco do Triunfo, embora bem mais baixo, dá uma visão bem mais esplendorosa de Paris.

Se hoje a Eiffel é um fato consumado – e de um charme universalmente reconhecido – o mesmo não ocorreu nos dias de sua construção. Os ecochatos são como deus, eternos, e desde Babel sempre se opuseram aos mais belos sonhos da humanidade. No caso de Babel, o ecochato-mór foi o próprio Jeová, que não gostou do humano projeto de chegar ao céu e criou várias línguas para confundir seus construtores. Se bem que já ouvi tese inversa. Que eles falavam várias línguas e só começaram a desentender-se quando passaram a falar uma só. Conhecendo os bois com que lavro, não duvido.

Nos finais do XIX, os ecochatos chamavam-se Alexandre Dumas filho – que, mediocrité oblige, foi o responsável pela criação do mito de Anita Garibaldi –, Huysmans, Guy de Maupassant, François Coppée, Leconte de Lisle, Sully Prudhomme, Charles Garnier, Gounod, etc. Em fevereiro de 1887, um violento panfleto, assinado por estes senhores, foi lançado contra o projeto de Gustave Eiffel:

Nós, escritores, pintores, escultores, arquitetos, amadores apaixonados da beleza até aqui intacta de Paris, viemos protestar com todas nossas forças, com toda nossa indignação, em nome do gosto francês não reconhecido, em nome da arte e da história francesa ameaçadas, contra a ereção, em pleno coração de nossa capital, da inútil e monstruosa torre Eiffel.
(...)
A cidade de Paris irá então se associar por mais tempo aos barrocos, às mercantis imaginações de um construtor de máquinas, para se enfeiar irreparavelmente e se desonrar?
(...)
Basta imaginarmos uma torre vertiginosamente ridícula dominando Paris, como uma negra e gigantesca chaminé de usina, esmagando com sua massa bárbara a Notre-Dame, a Sainte-Chapelle, a torre Saint-Jacques, o Louvre, o Dôme des Invalides, o Arco do Triunfo, todos nossos monumentos humilhados, todas nossas arquiteturas diminuídas, que desaparecerão nesse sonho estupefiante. E durante vinte anos, nós veremos alongar-se sobre a cidade inteira, ainda comovida com o gênio de tantos séculos, como uma mancha de tinta, a sombra odiosa da odiosa coluna de ferro emparafusado.


A impressão que fica deste manifesto é que a altura da torre os incomodava. Uma vez erguida, alguns fizeram marcha a ré e Gounod chegou a defini-la como um concerto nas nuvens. Longa é a jornada dos brutos até o entendimento. O curioso é que os brutos em questão constituíam a elite intelectual de Paris. O que só demonstra que nem os mais brilhantes cérebros de uma nação estão imunes a grandes equívocos. 

Gosto da Eiffel. Mal saímos do aeroporto, é o primeiro ícone que se nos apresenta aos olhos. Mesmo chegando pela primeira vez a Paris, temos uma impressão de déjà-vu, como se a torre pertencesse – como de fato pertence – ao imaginário universal. Mas a mais terna lembrança da elegante Dama de Ferro, eu a tenho de outras circunstâncias. Em meus dias de Gália, tive uma amiga francesa que morava na Rue de la Bourdonnais, perto da École Militaire. Jornalista, vivia em uma diminuta chambre de bonne no sétimo andar de um prédio antigo. Sem elevador, é claro. Quando entrei pela primeira vez em seu quarto, um pôster colossal, dourado e desproporcional da torre, me ofuscou os olhos. 

Não era pôster. Era a torre que entrava janela adentro, toda trêmula, vestida de um ouro ofuscante. Não digo que tenha sido um concerto nas nuvens. Mas foi um belo dueto, à sombra odiosa da odiosa coluna de ferro emparafusada.

EXCELÊNCIA


Excelência,
Dize-me com quem andas,
E dir-te-ei se vales um tostão furado,
Ou se vossa carcaça somente é útil para produzir sabão.




O TEMPO


O tempo é senhor de tudo
De tirar à vestimenta da mentira
De expor à face da verdade
Porém o que o tempo não faz
É trazer de volta os mortos
E desfazer dores sentidas.

.CARNIÇA


O que temos nos nossos poderes
É abundância de comida para urubus
Carniça
Muita carniça
Nada mais.

ANTIGAMENTE CALAVAM-SE... por Gustavo Corção. Artigo publicado em 03.07.2018

Um amigo que se julga ateu ou não católico telefonou-me outro dia, e logo me atirou pelos fios esta pergunta aflita: "Meu caro C. me diga uma coisa: a Igreja antigamente era ou não era uma coisa muito inteligente?"
Ia responder-lhe com ênfase: "Era!" Mas enquanto vacilei alguns segundos meu amigo desenvolveu a idéia: "Olhe aqui. Eu bem sei que antigamente existiam padres simplórios, freiras tapadíssimas, leigos ainda mais simplórios e tapados. A burrice não é novidade, é antiqüíssima. Garanto-lhe que ao lado do artista genial que pintava touros nas cavernas de Espanha, anunciando há quarenta mil anos a brava raça de toureiros, havia dois ou três idiotas a acharem mal feita a pintura.

— Mas, calavam-se, disse eu.

E logo o meu amigo uivou uma exclamação que trazia na composição harmônica de suas vibrações todas as explosões da alma: a alegria, a angústia, a aflição de convencer, a tristeza de um bem perdido e até a cólera...

— Pois é! CALAAAVAM-SE!!!

Contei-lhe então uma história de antigamente. Teria eu dezoito ou dezenove anos, e meu herói dezessete ou dezoito. Ele era o aluno repetente de uma escola qualquer, e eu seu "explicador" de matemática. Eu sentia a resistência tenaz que, dentro dele, se opunha às generalizações matemáticas. Ficava rubro, vexado e alagado de suor.

Recomeçava eu a explicar certo problema quando ele, numa decisão brusca, me deteve e suplicou:

— Explica devagar, devagarzinho, porque eu sou burro.

Na outra ponta do fio meu amigo de hoje explodiu:

— Que gênio! QUE GÊNIO!!

Era efetivamente genial aquele moço de antigamente. Não segui sua trajetória e não sei se ele hoje amadureceu e desabrochou aquele botão de sabedoria em flor, ou se virou idiota e portanto intelectual. O que pude garantir ao meu amigo não-católico é que antigamente a atitude média dos idiotas era tímida, modesta e respeitosa. E isto que se observava nas ruas, nas aulas particulares, nos salões de bilhar e nos clubes de xadrez, observava-se também na Igreja. De repente, em certo ângulo da história, mercê de algum gás novo na atmosfera, ou de algum fator ainda não deslindado, os idiotas amanheceram novos e confiantes. Já ouvi e li muitas vezes o termo "mutação" surrupiado das prateleiras da genética e aplicado à história, à Igreja, ao dogma e aos costumes. Dois ou três bispos franceses não sabem falar dez minutos sem usar o termo "um mundo em mutação".

Se mutação houve, estou inclinado a crer que foi naquele ponto a que atrás aludimos: os idiotas que antigamente se calavam estão hoje com a palavra, possuem hoje todos os meios de comunicação. O mundo é deles. Será genético o fenômeno e por conseguinte transmissível?

— "Receio muito", gemeu a voz de meu amigo, "você não leu os jornais da semana passada?"

— O quê? — perguntei com a aflição já engatilhada.

— A descoberta do capim!

Não tinha lido tão importante notícia, e o meu amigo explicou-me: um sábio, creio que dinamarquês, chegou à conclusão de que o capim é um dos melhores alimentos do homem. Meu amigo não me explicou que se tratava do Homo Sapiens, do Everlasting Man, de Chesterton, ou do Homo postconciliarius. Seja como for, dentro de quatro ou cinco anos teremos a humanidade de quatro e espalhada nos pastos.

* * *

Estas reflexões amaríssimas, como diria o "agregado" de Machado de Assis, vieram-me hoje ao espírito depois da leitura de La Documentation Catholique, e principalmente depois da casual leitura de um volume encontrado entre outros livros de vinte anos atrás: O personalismo, de Emmanuel Mounier.

Nunca lera nada desse personagem que fundou a revista Esprit e que fez escola. Abri a página 42 da tradução editada pela Livraria Duas Cidades e li: "O homem é um ser natural". Detenho-me nesta proposição seguida desta outra: "Será somente um ser natural?" E depois: "Será, inteiramente, um joguete da natureza?" Ora, é fácil de ver que nenhuma dessas proposições têm sentido, e nenhuma conexão se percebe entre elas. Ou então, se o leitor quiser ser mais exato, diremos que todo aquele fraseado joga com a polivalência te termos equívocos pretendendo com essa confusão transmitir ao desavisado adepto do "personalismo" um sentimento de profundidade ou de rara acuidade. O que quer dizer "um ser natural"? Dotado de natureza própria todos os seres o são, desde o átomo de hidrogênio até Deus. Tenho diante dos olhos o dorso de um livro de Garrigou-Lagrange: Dieu, son existance et sa nature. Logo, Deus é um ser natural. Se por natural se entende tudo o que pertence ao Universo criado, todos os seres, exceto o Incriado, serão seres naturais: a água, um gato, São Miguel Arcanjo. Se o termo natural se contrapõe a artificial, todos nós sabemos que um homem não é montado como um rádio de pilha, ou como uma máquina de costura. Logo, é um ser natural. Mas não se entende por que razão foi preciso fundar Esprit, lançar o progressismo, atirar-se nos braços do comunismo, comprometer Jacques Maritain, excitar tanta gente em torno de tão óbvia proposição.

Emmanuel Mounier já morreu coberto de glória há mais de dez anos. Podemos tranqüilamente dizer que era burro, apesar de tudo o que foi escrito em francês a seu respeito, como já podemos dizer tranqüilamente que Teilhard de Chardin era meio tantã. Dentro de cinqüenta anos ninguém mais saberá em que consistiu o "personalismo" de Mounier, ou o "phenomène humain" de Teilhard de Chardin. Essas obras foram o consolo e a volúpia de muitos leitores que, não entendendo nada do que liam, ao menos se aliviavam com este pensamento balsâmico: todos os livros são escritos para ninguém entender. E assim os idiotas do mundo tiveram um decênio ou dois de júbilo.

Passarão esses autores, mas se é verdadeira a descoberta das propriedades do capim, muitos novos autores surgirão a perguntar "se o homem é um ser natural". Já se houve o tropel... Mas — quem sabe — talvez o próprio capim, entre suas virtudes estudadas em Estocolmo ou Copenhague, entre duas Pornôs, traga uma espécie de calmante que nos devolva o genial tipo clássico do burro que se conhecia e que não fundava revistas católicas nem rasgava novos horizontes para a Igreja.

*Publicado em O Globo, 22/08/70 e em permanência.org
 

PARA QUE SERVE A ESCOLA? por Profª Drª Cristiane Lasmar. Artigo publicado em 05.07.2018

É ponto pacífico, no Brasil, que a nossa educação escolar vai mal. Já estamos habituados a indicadores alarmantes. A cada três anos, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) nos informa que os alunos brasileiros estão entre os piores do mundo no desempenho de ciências, leitura e matemática. Confrontados com esses e outros resultados igualmente ruins, especialistas em políticas públicas educacionais apontam falhas de investimento, planejamento ou gestão.
Não restam dúvidas de que a educação escolar brasileira vem sendo, há muito tempo, mal planejada e mal gerida. Pouco se discute, porém, um outro fator, anterior, e de certo modo determinante de todos os outros. Como estabelecer metas, planejar e gerir na ausência de um consenso social a respeito do papel que o tempo passado na escola cumpre na formação de uma pessoa? Afinal, para que serve a escola? Enquanto a sociedade não for capaz de enfrentar essa questão, só conseguiremos estabelecer metas equivocadas e metodologias confusas.
Educar uma criança é criar condições para que ela desenvolva o seu potencial da maneira mais elevada possível, com autonomia e liberdade, sempre na direção do que é bom, justo e verdadeiro. Isso envolve oferecer-lhe recursos tanto para uma boa formação moral e ética, quanto para a aquisição de uma bagagem cultural e intelectual que lhe permita transcender a sua realidade imediata. A educação de princípios e valores é responsabilidade de quem participa integralmente da vida da criança, de quem a ama o suficiente para ser capaz de aceitar, com paciência, o seu temperamento, o seu ritmo pessoal, os seus limites. É em casa que a criança deve ser levada a distinguir entre o certo e o errado, a adquirir noções de respeito, a se comportar de maneira adequada e civilizada, a desenvolver capacidades como empatia, respeito pelo outro, autocontrole, disciplina. Também é função da família a orientação religiosa, quando é o caso, e a critério próprio, assim como a preparação para o exercício da vida sexual, conjugal e parental no futuro. Quando esse tipo de orientação é dado na escola, é preciso que a família esteja a par e de acordo.
A escola, por sua vez, deve garantir o acesso da criança ao conjunto de conhecimentos universais acumulados pelas gerações anteriores, e estimular o desenvolvimento de habilidades que permitam o seu manejo inteligente e pessoalizado. Esse saber está distribuído nas disciplinas que chamamos de matemática, gramática, arte, literatura, ciências, história, geografia. Desde a Antiguidade, várias gerações de gente criativa e sábia vêm se dando ao trabalho de produzí-lo e organizá-lo, para que ele possa ser transmitido aos mais jovens. É esta, portanto, a função essencial da escola: mediar o acesso do aluno a esse corpo de conhecimentos compartilhados, de modo a ampliar os seus meios de compreensão e ação no mundo. Numa perspectiva mais pragmática, a tarefa é ajudar o estudante a formar uma base intelectual sólida, a partir da qual, posteriormente, ele poderá se dedicar seja à aprendizagem de saberes técnicos avançados, seja ao estudo aprofundado das próprias disciplinas acadêmicas.
Haverá, evidentemente, contextos e situações em que as ações da família e da escola vão confluir e se sobrepor. Sendo a escola um ambiente de interação humana intensa e regulada, as relações e trocas ali ocorridas podem e devem ajudar a formar positivamente o caráter da pessoa. Por outro lado, a família também transmite, quase que naturalmente, os seus conhecimentos a respeito do mundo real e da cultura. Porém, de uma maneira geral, o que vem ocorrendo hoje em dia é uma dupla demissão. Os pais transferem à escola a responsabilidade de educar integralmente a criança. E a escola, por sua vez, vem se recusando a cumprir a sua missão tradicional de instruir.
É cada vez mais difícil encontrar uma escola efetiva e prioritariamente comprometida com o ensino das disciplinas acadêmicas. Esse problema tem uma origem. Por volta dos anos sessenta, a escola foi deixando de ser pensada como lugar de transmissão do patrimônio de conhecimentos acumulados pela nossa civilização, passando a instrumento de crítica e desconstrução de seus princípios e valores. Isso se deu como desdobramento de um movimento político e intelectual de crítica massiva aos cânones da cultura ocidental. Originado em boa parte no mundo acadêmico, esse movimento tomou forma nítida na Europa e nos Estados Unidos no final dos anos 60, com a afirmação de uma série de agendas sociais específicas como o feminismo, a liberação sexual e a exaltação das culturas minoritárias ou marginais. A maioria das pautas dessa contracultura estava ligada, de alguma forma, à Nova Esquerda.
Ao aderir ao programa da contracultura esquerdista, a escola passou então a ser compreendida mais como um espaço de questionamento e desconstrução do que de instrução. Novas gerações de educadores começaram a ser formadas não mais com o propósito de ensinar os saberes de suas áreas e sim de promover, nos alunos, por meio de uma versão politizada desses saberes, o senso de que a cultura ocidental é fonte de injustiças e precisa ser transformada. Ao mesmo tempo, a escola tornou-se um laboratório de práticas pedagógicas libertárias, que desvalorizam o rigor, o mérito, o esforço, e a autoridade do professor, princípios nos quais se assentavam os sistemas de ensino tradicionais. A crítica à escola tradicional era parte da crítica à civilização ocidental.
Da mesma forma que buscou desconstruir as balizas pedagógicas anteriores, a escola começou a avançar em domínios que sempre foram da alçada da família, como, por exemplo, a educação sexual, que se tornou matéria curricular. Nessa empreitada, porém, a escola não só não se preocupou em pedir autorização aos pais, como passou a atuar à sua revelia, não raro infantilizando-os e colocando-se frente a eles em posição de superioridade moral. Importante lembrar que a família também é um dos alvos principais do movimento de desconstrução da cultura ocidental. E que o questionamento da autoridade parental é um dos meios mais eficazes de promover o esgarçamento da estrutura familiar. Essa pressão sobre a família, que teve efeitos concretos na própria relação entre pais e filhos, pode explicar, em parte, porque tantos pais, atualmente, são incapazes de educar. E pode explicar também o fato do ambiente escolar ter se tornado tão inadequado à aprendizagem: alunos indisciplinados, irreverentes, e eventualmente agressivos, porém tratados com complacência.
A educação escolar “não-cognitiva”, como definem os próprios pedagogos, espalhou-se por todo o Ocidente. No livro “A Escola dos Bárbaros” (1987), Isabelle Stal & Françoise Thom descrevem com detalhes todos os estragos feitos pela contracultura educacional no ensino público francês. Porém, é provável que, pelo menos no que diz respeito à dimensão mais propriamente cognitiva, o estrago tenha sido menor ali do que aqui, pois a França já contava com uma tradição sólida de valorização e transmissão do conhecimento antes dos anos sessenta. A situação do Brasil é bem diferente. A escola nem bem havia se universalizado quando abraçou o ideário da desconstrução. Além disso, a cultura brasileira já apresentava traços de anti-intelectualismo bem anteriores à crise do ensino escolar. A aversão brasileira ao estudo e ao conhecimento foi brilhantemente satirizada em nossa melhor literatura. Veja-se, por exemplo, os contos “A Teoria do Medalhão” de Machado de Assis, e “A Biblioteca”, de Lima Barreto. Em resumo, o nosso anti-intelectualismo apenas se aprofundou. E, nas últimas duas décadas, drasticamente.
Nossa escola está hoje dominada por uma mentalidade que não diferencia qualitativamente um texto de Camões de uma letra de funk. Os alunos não são apresentados aos clássicos da literatura, nem encorajados a memorizar conteúdos. O mérito e o esforço não são valorizados. Mas nada disso deve nos soar estranho, se lembrarmos que a pessoa escolhida por nossos educadores influentes para ser o “patrono da educação brasileira”, nos deixou, como legado, frases do tipo: “quem aprende ensina ao aprender, quem ensina aprende ao ensinar”, ou, ainda, “não há saber de mais ou saber de menos: só há saberes diferentes”. Hoje apenas colhemos os resultados de décadas de celebração desse tipo de pensamento representado por Paulo Freire: universitários incapazes de fazer conta, interpretar um texto de mínima complexidade ou apontar a capital de um estado brasileiro. Numa escola em que aprender e ensinar são a mesma coisa, ninguém ensina e ninguém aprende.
Nos casos em que a escola consegue dar aos alunos uma boa formação intelectual, é porque ainda existem professores e diretores honestos e amantes do conhecimento. Mas uma andorinha só não faz verão, como sabemos. E as exceções, como sempre, só fazem confirmar a regra. Escolas que apostam todas as fichas na transmissão de conteúdos são, em geral, olhadas com desdém e chamadas de “conteudistas”, como se isso não fosse o esperado de uma escola. A verdade é que podemos contar nos dedos as que estão verdadeiramente empenhadas na missão de transmitir conhecimento acadêmico e estimular nos alunos o rigor e a disciplina intelectual. Na maioria das vezes, o que temos é mediocridade disfarçada sob o alegado pretexto de “formar cidadãos”. Sempre que ouço ou leio esse slogan, penso que, se um dia eu precisar da ajuda da escola para fazer de meus filhos cidadãos, terei chegado ao nível mais baixo de minha autoestima parental – e pessoal.
O fato é que as famílias das camadas médias e altas sempre podem escolher, fiscalizar, exigir conteúdo, e cobrar resultados das escolas que recolhem suas mensalidades, enquanto as de baixa renda ficam de pés e mãos atados, mesmo quando não gostam do que estão vendo. É do seu lado – ou seja, na escola pública – que a corda arrebenta. Se do ponto de vista cultural/civilizacional mais amplo a catástrofe é geral e irrestrita, no que se refere às trajetórias individuais, a demissão intelectual da escola afeta de maneira mais direta e irreversível os estudantes cujas perspectivas de vida já são, de saída, mais limitadas. Amplia-se a desvantagem dos mais pobres e aprofunda-se a desigualdade social. No momento em que a escola se recusa a cumprir a missão para a qual foi criada, perde a preciosa oportunidade de transformar justamente a vida de quem possui menos recursos para prescindir dela.

*Antropóloga, titular do excelente blog infanciabemcuidada.com

BOLSONARO E A MULHER BÊBADA por Percival Puggina. Artigo publicado em 08.07.2018

Sou cauteloso em relação às redes sociais, ou seja, sei que elas compõem um ambiente onde tudo ou quase tudo vale. Nele se torna impositivo, portanto, discernir a boa fonte, a começar pela linguagem, seguindo pela forma, passando pelo conteúdo e pela checagem do fato, quando houver fato envolvido. Convenhamos que isso não é muito diferente do que se deve fazer em relação a tantos veículos e profissionais da mídia tradicional, especialmente quando se trata de juízos e opiniões. É principalmente nesse território, até bem pouco dominado pelos tradicionais meios de comunicação, que se vão encontrar as mais escandalosas manipulações, construídas para induzir o público a se afastar da verdade e do justo discernimento em relação aos fatos.
Nesse sentido, as redes sociais, sites e blogs promoveram importante democratização no direito de opinião, com enormes ganhos à sabedoria e à burrice nacional. Acabou o monopólio do direito de opinião. Quem abastece seu espírito com beleza e sabedoria, sai bem servido. Quem busca mediocridade e grossura, idem. Também isso é democrático.
Ao noticiar o caso da mulher que assediou Jair Bolsonaro no aeroporto de Congonhas, quase todos os jornais que li instilaram sua dose de veneno contra o candidato afirmando que ele “se escondeu no banheiro”, ou que “se refugiou no banheiro” ao ser xingado por uma mulher, ou que “se envolveu numa confusão (segundo alguns relatos) ou numa discussão (segundo outros)”, ou que a tal mulher “chegou a se jogar no chão” (quando, na verdade, caiu de bêbada) e por aí andou a criatividade das distorções. Quem “se envolve” é sujeito ativo do envolvimento. Portanto, o candidato seria sujeito da confusão e não objeto do escarcéu armado por alguém fora de si. Resumo da opereta segundo quase todas as matérias que li: o machista Bolsonaro foi xingado por uma mulher, se envolveu em encrenca e teve que fugir para o banheiro...
O fato, porém, foi inteiramente filmado e o vídeo que a tudo isso desmente está disponível no YouTube. Mostra uma mulher não identificada (mesmo passados tantos dias), num pileque como raramente se vê igual, ou atuando como tal, berrando palavrões na sala de embarque, tentando, durante quase dez minutos, se aproximar do candidato e invadir o banheiro onde Bolsonaro prudente e adequadamente entrou.
O momento atual, no meu modo de ver, é muito prematuro para escolher candidato presidencial. Mas algo está a me dizer que quem suscita tão articulada animosidade entre pessoas intelectualmente desonestas, algum mérito deve ter.


* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o Totalitarismo; Cuba, a Tragédia da Utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
 
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E O VAGABUNDO DIRCEU?

O comunista vagabundo condenado Zé Dirceu pagou mico. Vídeo comemorando Lula ladrão livre, cheio de sorrisos. Tomou na telha, safado!

ESPERANÇA

Acordei nesta segunda-feira rindo que só. O maior político ladrão que o país já teve continua preso.Vamos embora feliz trabalhar, pois ainda há esperança para o nosso país. Eles, os bandidos políticos, ainda não dominam tudo. Esperança!!!