terça-feira, 11 de julho de 2017

OS SALVOS

Ele gasta os olhos lendo o livro dos séculos dos séculos
Endurece a saliva impondo condenações aos diferentes
Anda de terno e gravata
Para demonstrar seriedade
Tira dos seus amados para lambuzar o rabo de pastores
Pois está fanatizado pela salvação
E eu
Do alto das minhas sandálias havaianas
Rio em silêncio
Observando como navegam bem os espertos
Nesse mar de ignorância sem fim.

SÍLVIA, A LESMA

Silvia era uma lesma madura grudenta nojenta que vivia solitária num quintal minado de folhas caídas. Podemos dizer que vivia sem problemas. Porém um dia aconteceu de ver-se num espelho quebrado e ficou horrorizada com sua aparência. Entrou em parafuso.  No ápice do desespero acabou por suicidar-se entrando dentro de um saleiro. 

AREIA MOVEDIÇA

Um sofrido brasileiro andava perdido num pântano quando caiu numa areia movediça. Do nada apareceu uma mulher para ajudá-lo. Quando viu que a dita cuja era Dilma ele disse:
 -Obrigado! Prefiro ficar aqui, posso me safar. Já contigo existe o risco de eu me enterrar de vez.

NONO AMBRÓSIO

“Reumatismo, bico de papagaio, gota e nervo ciático. O nono já está comendo anti-inflamatório de colher.” (Nono Ambrósio)

LÍNGUA SOLTA

Língua solta
Língua que age por conta
Língua selvagem
Urge domar a língua
Para que ela não saia da boca de maneira impulsiva
E sim somente autorizada pelo pensar.

O SONO DO SONSO

O sono do eleitor sonso
É um sono pesado
E quase sempre quando o sonso acorda do seu sono
A vaca já foi para o brejo.

PELO CEMITÉRIO

Passando pelo cemitério na madrugada
O corajoso de boteco apressa o passo
O coração acelera
Enquanto o vento sibila
Um vaso se quebra
Uma coruja sai da escuridão
O medo corre pela espinha
Tudo parece diferente
Quando o nosso chão é abraçado pela noite
E o silêncio imperial faz do psiu um grito que apavora.


SERVIDOR TARTARUGA

Há exceções à regra
Faz-se justo dizer
Mas o contrato de estabilidade
Gera um conforto inútil
E faz proliferar como salmonela
O descompromissado servidor tartaruga.

FANTASMAS

Acobertados pelo manto da noite
Saem de suas moradas os fantasmas de todos os tempos
Para jogar pedras e bagunçar
A casa mente dos tolos.

NAVIO

Acordo com a mente envolvida na tristeza
Pois absorvo e somo todos os fatos
E uma só conclusão resulta
Desta minha abstração
É de que há muito somos um navio sem rumo
Lotado de marinheiros safados e de muitos passageiros imbecis.

FILA DUPLA

Automóvel parado em fila dupla piscando ali fica
Tendo o motorista nos seus miolinhos que é dono da rua
E quando cobrado da safadeza por outros cidadãos
Tem ainda a petulância de ficar exasperado
Como se certo estivesse
Perto de tal jumento é melhor guardar distância
Pois além de receber algum pataço
Existe o risco de ser contaminado pela ignorância.


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JOSEFINA PRESTES

“Tem muito velho sacana. Na fila do banco entra torto e rengo, mas nos bailões de terça e quinta é um pé de valsa.” (Josefina Prestes)

LEÃO BOB

“Antes me tornar um animal empalhado que um vegetariano.” (Leão Bob)

ERIATLOV

“Caro socialista, se você  gosta do inferno vá morar lá, mas não fique por aqui fazendo propaganda.” (Eriatlov)

Janer Cristaldo- segunda-feira, outubro 27, 2003 VAI!

Viagens. Minha primeira foi de bicicleta, 60 quilômetros de areia e barro, de Upamaruty, distrito rural de Livramento, a Dom Pedrito. Certamente foi a mais significativa. Eu teria dez anos e não conhecia cidade. Em meu imaginário, fruto talvez de contos de fadas, as cidades seriam douradas e brilhantes. Pedalando, avancei pela estrada real e, por mais que aguçasse a vista, não conseguia ver nada de dourado nem brilhante. Fui penetrando aos poucos por seus arrabaldes poeirentos, entrei pelas ruas de paralelepípedos e só apoiei o pé no chão frente a igrejinha da praça. Então aquilo era cidade? Fosse como fosse, seria minha nova geografia. Meu universo rural já pertencia ao passado. 

A segunda mais significativa foi de navio, no finado Eugenio C. Estava abandonando o Brasil e não fazia parte de meus projetos voltar. No salão Opala, encontrei uma francesa que voltava da Amazônia, fascinada. C'est magnifique, me repetia com olhar sonhador. Eu não conseguia entendê-la. Mas na Amazônia só há árvores, índios e bichos - objetei. C'est ça! - me respondeu. Ela, oriunda de um mundo milenar e cosmopolita, queria ver o que ficara à margem da civilização. Eu, que nascera naquelas margens, queria a civilização propriamente dita. 

Brasileiro, de índios só quero distância. Com eles nada tenho a ganhar, culturalmente. Que antropólogos os adorem, entendo. Índio, hoje, é o ganha-pão da antropologia. A francesa, européia e cosmopolita, queria ver atraso e primitivismo. Eu, vizinho do atraso e primitivismo, queria ver o presente e o futuro. 

Fui, vi e voltei. Como Chesterton, considero ser impossível conhecer uma catedral olhando-a apenas por dentro. Se você quiser conhecer seu país, saia logo de seu país. O homem só conhece comparando. Nutro profunda lástima por essa espécie de patriotas, que louva o Brasil sem jamais dele ter saído. Hoje, um de meus prazeres diletos é incitar amigos ao viajar e já consegui convencer alguns a fazer malas e enfrentar oceanos. Mas atenção. Há viajar e viajar. Excursão não é viagem. É uma bolha de seu próprio país que o envolve, e dela você não sai. (Há exceções, é claro. Você não pretenderá, por exemplo, enfrentar a China ou o Sahara sozinho). Viajar é largar-se na aventura, buscar geografias distantes, tentar entender e fazer-se entender em línguas esdrúxulas, perder-se por ruelas e tentar encontrar-se por mapa. Por tais razões, não vejo sentido algum em viajar por país em que todos falam nossa mesma língua, assistem à mesma novela nos mesmos horários e bebem as mesmas bebidas e comem as mesmas comidas que se bebem e comem em sua geografia nativa. Isto é: viajar pelo Brasil não é viajar. É mesmice. Claro que o Rio merece uma visita. Mas você não estará viajando. Apenas foi do quarto para a sala do mesmo apartamento. 

Viajar, hoje, não mais é privilégio de milionários. Por pouco mais que o preço de um televisor de 29 polegadas você já está na Europa. Pelo preço de um carro de porte médio, você passa um mês na Espanha, Itália ou França. Uma casa na praia rende mais de uma volta ao mundo. Não estamos mais na época em que só os barões do café podiam permitir-se o estrangeiro. Nos anos 70, milhares de jovens sem maiores posses fizeram a Europa, eu entre eles. Muitos embarcaram literalmente sem nenhum vintém. Para pagar a passagem, trabalhavam em navios. Chegando lá, sempre havia algum restaurante onde se podia lavar pratos. Nem todos se deram bem e suicídios não faltaram. Mas coragem sobrava. Esta tradição de viajar sem um vintém é antiga e por ela optaram nomes ilustres, como Henry Miller e George Orwell. A luta de Miller para matar a fome de todos os dias está em seus Trópicos. A odisséia de Orwell está em Down and Out in Paris and London. 

Mas se você acha melhor aplastar-se diante de uma televisão, tudo bem: fique em casa a ver novelas na telinha. Se preferir comprar um monte de lata para arriscar a vida nas estradas ou assaltos nas ruas, melhor ficar por aqui e irritar-se com o tráfego, com assaltantes e com as multas. Você pode também preferir uma casa para usar um mês ou dois durante o ano e renunciar ao vasto mundo. Falo de pessoas que apertam seu orçamento para conquistar estes mesquinhos sinais de status, mesquinhos mas indispensáveis à auto-estima de quem não tem personalidade. Quem tem tudo isto e folga econômica para viajar - e não são poucos - está excluído desta reflexão. 

Bem entendido, nunca tive carro nem casa na praia. A cada vez que pensava em carro, juntava meus trocados e atravessava o oceano. Com um carro não se vai longe. A pé, o mundo não tem fronteiras. Usufrui também de bolsas e viagens patrocinadas por consulados. Bolsa também exige fazer opções. Ou você fica, segurando seu lugar no mercado. Ou parte, sem saber onde cair na volta. Quando voltar, seus colegas e amigos estarão empoleirados em altos cargos e dificilmente lhe darão colher de chá. Quem o mandou gozar o mundo enquanto eles mourejavam? Ocorre que o mundo é grande e a vida é breve. Além disso, não tem estepe. 

Em meu dia-a-dia paulistano, tenho encontros esporádicos com pessoas de alto poder aquisitivo, para quem viajar é, no máximo, ir a praias no Nordeste. Constituem aquele tipo padrão que considera o Brasil o melhor país, sem nada conhecerem do mundo. Alguns, mais audazes, já foram a Cancun ou Orlando. Isto é, a locais exclusivamente turísticos, onde não existe o que se poderia chamar de nacional. 

Se você é jovem, parta logo, antes que o mercado o escravize. Se é adulto, aproveite sua maturidade e vigor para explorar o planetinha. Está aposentado e se aproximando da velhice? Vá logo, antes que seja tarde. Kafka tem um apólogo, onde fala de casas onde se pode entrar a qualquer hora, encontrar ou não encontrar pessoas, ficar ou sair quando bem entender. Essas casas existem mundo afora. Nelas, milhares de pessoas o esperam, de bandeja na mão, prontas a recebê-lo com carinho e prestimosidade. 

Ergue o traseiro desse sofá, leitor. Dá férias a teu medo do desconhecido. Esquece essa luta inglória por sempre mais dinheiro. E vai.

DEPOIS DA TEMPESTADE

Temporal passado, seu Alberto Estuco que não mentia nada, contava aos visitantes os estragos que o vento causara.
“Uma das vacas do seu Líbório foi parar nas asas de um avião da Gol.”
“O guaipeca Neneca teve o pelo virado do avesso.”
“Meu chapéu de feltro foi encontrado no Japão.”
“Esterco aqui do potreiro do Sampaio foi encontrado na porta de um restaurante em Nova York.”
Tudo isso perfeitamente verossímil diante da força do vento. O único fato que ainda não foi bem explicado é terem encontrada a dentadura da dona Nhoca cravada no saco do padre Bento.

PERU INÁCIO

Dezembro estava chegando e o peru Inácio não queria morrer. Rezava que rezava para ser poupado nas festas de natal e novo ano. Já não dormia mais, sua angústia era visível. Suas colegas galinhas tentavam consolá-lo dizendo que a vida é mesmo assim; hoje uns e amanhã outros. O galo médico receitou até um ansiolítico. O padre Bode João rogava-lhe que tivesse esperança. Inácio olhava para o ceú azul e não sentia nenhuma alegria, sua única visão era ele bem bronzeado sobre uma farta mesa, rodeado de arroz, saladas e de pessoas embriagadas. O caso é que dezembro chegou e o bom Inácio foi ao forno. Ficou bem moreninho como ele mesmo imaginara; sem dúvida um belo peru. As galinhas amigas agora rezam por sua alma orientadas pelo Bode João.

ASSOCIAÇÃO DOS MALUCOS REUNIDOS DO BRASIL- CONVITE

A Associação de Malucos Reunidos do Brasil convida seus membros para o primeiro encontro nacional da entidade que reunirá todas as categorias de malucos. Informamos de antemão que não será permitido no evento que doidos se façam de normais, com isso constrangendo os demais membros. Informamos também que baba ovos de trigais e milharais desenhados como se fossem por ETs serão corridos, pois é um evento de malucos e não para pessoas com dificuldade de raciocínio. O encontro será em local incerto e não sabido em data que não será divulgada, pois tememos a infiltração de normais e de loucos não assumidos.

Assinado: O presidente anônimo

LIMÃO

“Não tenho tido tempo para ser outro. Só me resta ser eu mesmo.” (Limão)

MIM

“Dinheiro não traz felicidade? Não seja infeliz, deposite seu dinheiro na minha conta.” (Mim)

NONO AMBRÓSIO

“Madona! A Nona saiu cedo para rezar. O duro de aturar é que volta pra casa da missa mais amarga que cloreto de magnésio.” (Nono Ambrósio)