domingo, 22 de fevereiro de 2015

INVOLUÇÃO CULTURAL por Percival Puggina. Artigo publicado em 19.02.2015

Acabei de postar em Artigos de Convidados um texto do Olavo de Carvalho com o título "Em busca da cultura". Recomendo-o enfaticamente. Nesse texto, o Olavo explicita muito bem um dos problemas fundamentais de nosso país. Nenhuma nação progride harmonicamente com uma elite do tipo que temos por aqui, fazendo a cabeça de nossos jovens em universidades que se arrastam nos patamares mais baixos do ranking mundial. A literatura técnica produzida pela nossa academia beira à indigência. É motivada pelo dever de cumprir metas mínimas e não pelo mínimo cumprimento responsável do dever acadêmico. Uma universidade que coloca nas posições de liderança do país graduados que não têm gosto pela leitura produz acadêmicos que falam muito. E leem muito pouco. Portanto, sabem menos do que os mestres de seus mestres, jogam o conhecimento para trás e discorrem sobre o que mal entendem. Foi também assim que chegamos ao BBB.
 Certa feita, um amigo questionou seu professor - padre católico - sobre os motivos de sua permanente recorrência ao pensamento marxista como chave interpretação para quaisquer fatos. O dito professor, surpreso, retornou com outra pergunta: "E a quem mais, haveria de recorrer, meu rapaz?". Esse amigo, leigo fiel, não deixou por menos: "O senhor percebe, padre, que acabou de aplicar a Marx as palavras de Pedro a Jesus, quando os apóstolos foram perguntados, por este, se também O queriam abandonar - 'Mestre, a quem iríamos nós?'".
Nelson Rodrigues, recém saído de grave enfermidade, consultado sobre a frase que selecionaria para seu epitáfio, afirmou: "Esse Marx foi uma besta". E é essa besta que, com o discípulo italiano Antonio Gramsci, continua, através das décadas, fazendo a cabeça da suposta intelectualidade nacional.
Louvado seja, portanto, o trabalho desenvolvido por Olavo de Carvalho desde seu retiro na Virgínia. Assim, à distância, com seus cursos, acolhendo milhares de alunos, está fazendo muito mais que o conjunto de nossas universidades pela cultura brasileira e para a formação de uma elite digna desse nome.
Falou-me recentemente outro amigo diante das invectivas de Lula, por razões erradas, às "zelite" brasileiras : "Que mal existe, Percival, na existência de uma elite? Que mal há na atividade dessa elite a que o Lula dedica palavras tão ásperas? Esse mesmo senhor quer ver seu Coríntians na elite do futebol brasileiro. Doente, procura a elite médica do país. Com o prestígio em declínio, procura a elite dos publicitários. Aduzi eu: e para negócios, procura a elite dos vigaristas nacionais. Mas eu sou mesmo, assim, sarcástico.

FHC E A SÍNDROME DO PETISMO DELIRANTE por Percival Puggina. Artigo publicado em 21.02.2015

Fernando Henrique, me desculpe, mas você pediu por isso. Você pediu que Dilma olhe para si mesma, para a decepção e o descrédito a que levou o país, e afirme que a culpa é sua. Que é lá de 1996. Você criou facilidades para que uma pessoa incompetente, incongruente e estabanada como ela o escolha para bode expiatório de seu encalacrado governo. Você, por infinita omissão, permitiu que a imprensa nacional trate algo tão sem cabimento com chamada para o noticiário da noite e foto de capa nos jornais.
Há muitos anos o PT o designou para a função de renegado. Você, Fernando Henrique, atravessou muita avenida de braços dados com Lula. Você era ponta esquerda do "campo democrático e popular". Você integrava a ala do PMDB que desembarcou do governo Sarney porque este estaria muito à direita, para fundar o PSDB como partido de esquerda. Você, Fernando Henrique, nunca se afastou da esquerda como deveria. Ela é que o renegou. E você continuou sorrindo para Lula.
Durante os oito anos em que você governou o Brasil, o PT assassinou sua reputação e você a deixou ficar ali, gelada, numa gaveta de necrotério. Durante oito anos você levou cuidadosamente para casa ofensas que em Santana do Livramento se resolvem com um soco no nariz. Você, Fernando Henrique, se deixou desrespeitar. Você não mexeu um dedo para processar Lula e seus sequazes por injúria, calúnia e difamação nem mesmo quando chegaram ao poder e de nada o acusaram, apesar de terem assumido o comando de todos os órgãos governamentais de investigação, recebido as chaves de todas as gavetas, as senhas de todos os arquivos e tido livre acesso a todos os contratos.
Como resultado, a mídia petralha continuou a fustigá-lo. Você virou uma síndrome do petismo. Ele julga redimir-se de todos os pecados apenas com se afirmar, à exaustão, melhor do que FHC e PSDB. Sou testemunha ocular desse delírio. Em muito microfone já denunciei tal prática como vigarice intelectual. Há mais de uma década, boa parte dos âncoras e entrevistadores da imprensa brasileira cobra pedágio de quem risca o chão demarcando o atoleiro petista. Eu não pago! Mas qualquer um que critique os governos do PT é incitado a fazer o mesmo com os governos tucanos. E se o entrevistado não o faz, o entrevistador assume a tarefa por conta própria. Compromisso com a justiça? Não! Orientação partidária, da empresa de comunicação, ou intimidação causada pelo cotidiano patrulhamento petista em síndrome de triunfalismo, mesmo quando afundado na própria infâmia.
Portanto, Fernando Henrique, quando Dilma destravou a língua para culpá-lo pela sinecura organizada pelo PT e quadrilheiros da base, ela reproduziu o que os estrelados de seu partido se acostumaram a fazer por falta de quem desse um murro na mesa e um basta a esse desrespeito.
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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

IMB-Por que o princípio da não-agressão é o único condizente com a moralidade e com a ética

Todo o credo libertário se baseia em um axioma central: nenhum homem, ou grupo de homens, pode cometer uma agressão contra a pessoa ou a propriedade de terceiros inocentes. Isso pode ser chamado de "axioma da não-agressão".  
"Agressão" é definida como o uso, ou ameaça de uso, da violência física contra a pessoa ou propriedade de qualquer outro indivíduo. Agressão é, portanto, um sinônimo de invasão.
Se nenhum indivíduo pode cometer uma agressão contra outro inocente; se, em suma, todos os inocentes têm o direito absoluto de estar "livres" da agressão de terceiros, então isso implica diretamente que o libertário se encontra firmemente ao lado daquilo que se convencionou chamar de "liberdades civis": a liberdade de falar, de publicar, de se reunir, e de se envolver em qualquer um dos chamados "crimes sem vítima", como pornografia, desvios sexuais, e prostituição (ações essas que o libertário não entende como "crimes", uma vez que, para algo ser um genuíno "crime", tem de haver uma invasão violenta da pessoa ou propriedade de outro indivíduo).
No que mais, o libertário entende que atitudes como o alistamento militar compulsório são uma forma de escravidão em escala colossal.  E, uma vez que a guerra, especialmente as guerras modernas, provoca a chacina em massa de civis inocentes, o libertário vê tais conflitos como assassinatos em massa e, portanto, totalmente ilegítimos.
Atualmente, na balança ideológica contemporânea, todas estas posições são consideradas "de esquerda".  
Por outro lado, como o libertário também se opõe a todos os tipos de ataque à propriedade privada, isso também significa que ele se opõe com a mesma ênfase à interferência do governo sobre todos os direitos de propriedade e sobre todos os contratos voluntariamente firmados e cumpridos, o que significa que o libertário se opõe a toda e qualquer interferência governamental sobre a economia por meio de regulamentações, subsídios, tarifas, controles, impostos e proibições. 
Se todo indivíduo tem o direito de possuir sua própria propriedade legitimamente adquirida sem sofrer ataques, então ele também tem o direito de transmitir a sua propriedade (legado ou herança) ou de trocá-la pela propriedade de outros indivíduos (livre contrato e a economia de livre mercado) sem interferência.
O libertário defende o direito irrestrito à propriedade privada e à livre troca.  Ele defende, portanto, um sistema de livre mercado baseado no "capitalismo laissez-faire".
Portanto, na terminologia corrente, a posição libertária a respeito da propriedade privada e da economia seria chamada de "ultra-direita".  
O libertário, no entanto, não vê inconsistência alguma em ser rotulado de "esquerdista" em algumas questões e de "direitista" em outras.  Pelo contrário, ele vê a sua própria posição como sendo a única consistente — consistente com os interesses da liberdade de cada indivíduo.
Afinal, como pode o esquerdista se opor à violência da guerra e do alistamento militar compulsório ao mesmo tempo em que apóia a violência da tributação (e do encarceramento para os "sonegadores"), das tarifas protecionistas (que sustentam os fartos lucros dos grandes empresários) e dos controles e regulamentações governamentais — que impedem pessoas inocentes de entrarem livremente em um determinado mercado para ofertar seus serviços?  
E como pode o direitista alardear sua devoção à propriedade privada e à livre iniciativa ao mesmo tempo em que defende a guerra, o alistamento compulsório, e a proibição de atividades empreendedoriais não-invasivas, mas que ele julga imorais?  
E como pode o direitista ser a favor de um livre mercado ao mesmo tempo em que defende a tributação de empreendedores e da renda das pessoas para financiar as forças armadas e todas as ineficiências improdutivas que envolvem o complexo militar-industrial?
Ao mesmo tempo em que se opõe a toda e qualquer agressão, privada e coletiva, contra os direitos do indivíduo inocente, o libertário entende que, ao longo da história e até os dias de hoje, sempre existiu um agressor central, dominante e preponderante sobre todos esses direitos: o estado.
Diferentemente de todos os outros pensadores, sejam eles de esquerda, de direita ou de centro, o libertário se recusa a conceder ao estado a legitimidade moral para cometer atos que quase todos concordam que seriam imorais, ilegais e criminosos caso fossem cometidos por qualquer indivíduo ou grupo de indivíduos na sociedade.  O libertário, em suma, insiste em aplicar as mesmas leis morais a todos, e não permite isenções especiais a nenhum indivíduos ou grupo de indivíduos.
Porém, se examinarmos o estado nu, por assim dizer, veremos que ele recebe permissão universal, e é até mesmo estimulado, a cometer atos que até mesmo os não-libertários admitem ser crimes repreensíveis.  O estado sequestra as pessoas e rotula essa prática de "alistamento militar obrigatório".  O estado encarcera pessoas que ingeriram substâncias não-aprovadas pelo governo e rotula essa prática de "guerra contra as drogas".  O estado pratica o roubo e a espoliação em massa e rotula essa prática de "tributação".  O estado pratica homicídios em massa e rotula essa prática de "política externa".  O estado pratica privilégios para grandes empresas e rotula essa prática de "políticas de proteção à indústria".  O estado destrói o poder de compra da moeda e rotula essa prática de "política monetária".  O estado impõe restrições à liberdade de empreendimento e rotula essa prática de "regulamentação".  O estado estimula o parasitismo e rotula esta prática de "políticas de bem-estar social".
O libertário insiste que o fato da maioria da população apoiar ou não essas práticas é absolutamente irrelevante para a moralidade de cada ato.  A despeito de uma eventual sanção popular, guerra é assassinato em massa, alistamento compulsório é escravidão, impostos, subsídios e tarifas são roubo, encarceramento por crimes sem vítima é imoral, e restrições ao empreendedorismo é uma prática anti-liberdade e com fins de privilegiar poderosos já estabelecidos.
O libertário, em suma, é aquela criança da fábula, avisando insistentemente que o rei está nu.
Ao longo dos tempos, o rei foi presenteado com uma série de roupas fajutas que lhe foram fornecidas pela casta intelectual da nação.  Em séculos passados, os intelectuais informavam o público que o estado ou seus governantes eram divinos, ou pelo menos estavam investidos da autoridade divina e, portanto, o que poderia parecer ao olho ingênuo e inculto como despotismo, assassinato em massa e roubo em grande escala era apenas o divino agindo de sua maneira misteriosa e benigna sobre o corpo político.
Nas últimas décadas, à medida que a sanção divina começou a ficar um pouco puída, os "intelectuais da corte" do rei começaram a tecer apologias cada vez mais sofisticadas, informando ao público que tudo aquilo que o governo faz é para o "bem comum" e para o "bem-estar público", que o processo de tributar-inflacionar-gastar funciona por meio do misterioso "multiplicador keynesiano", que isso mantém a economia equilibrada, e que, de qualquer maneira, uma vasta gama de "serviços" governamentais não poderia ser executada apenas por cidadãos agindo voluntariamente, no mercado ou na sociedade.
Tudo isso é negado pelo libertário; ele vê estas diversas apologias como meios fraudulentos de obter o apoio do público ao estado, e insiste que quaisquer serviços que o governo possa de fato realizar poderiam ser fornecidos de maneira muito mais eficiente e muito mais moral pela iniciativa privada e pela interação voluntária entre os cidadãos.
O libertário considera, portanto, uma de suas tarefas educacionais primordiais espalhar a desmistificação e dessantificação do estado entre seus súditos desafortunados.  Sua tarefa é demonstrar repetidamente, e a fundo, que não apenas o rei, mas também o estado "democrático", estão nus; que todos os governos subsistem por meio do domínio explorador sobre o público; e que este domínio é o oposto da necessidade objetiva.
Ele luta para mostrar que a própria existência dos impostos e do estado instaura, obrigatoriamente, uma divisão de classes entre os governantes exploradores e os governados explorados. Ele procura mostrar que a tarefa dos intelectuais da corte que constantemente apoiaram o estado sempre foi a de tecer mistificações para induzir o público a aceitar o governo do estado, e que estes intelectuais obtêm, em troca, uma parcela do poder e da pilhagem extraída pelos governantes de seus súditos iludidos.
Pegue-se, por exemplo, a instituição da tributação, que os estatistas alegam ser, de certa forma, realmente "voluntária". Qualquer um que realmente acredite na natureza "voluntária" dos impostos está convidado a se recusar a pagar seus impostos e ver o que acontecerá a ele.  Se analisarmos a tributação, descobriremos que, entre todas as pessoas e instituições da sociedade, apenas o governo obtém seus rendimentos por meio da violência.  Todo o resto da sociedade obtém sua renda ou por meio de doações voluntárias (associações, instituições de caridade, clubes de xadrez) ou por meio da venda de mercadorias ou serviços adquiridos voluntariamente por consumidores.
Se qualquer um além do governo começasse a "taxar", seria evidentemente acusado de coerção e de banditismo. No entanto, os adornos místicos da "soberania" encobriram de tal maneira o processo, que apenas os libertários estão preparados para chamar o imposto do que ele é: roubo, legalizado e organizado, em grande escala.
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Para um maior aprofundamento de cada uma das questões abordadas neste texto, inclusive sobre o funcionamento de uma sociedade sem estado, tenham a bondade os artigos contidos no link abaixo:

Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies. 

“Dizem que o fumo causa impotência sexual. Eu nunca fumei e estou broxa. Vai ver fumei muito por tabela.” (Climério)

“A fumaça do cigarro espanta mosquitos e também chatos que não fumam.” (Limão)

“Fumo, mas não sou viciado, deixo quando quiser. No ano passado, por exemplo, deixei de fumar 365 vezes.” (Limão)

Ernesto Geisel: o testamento político de um presidente militar



Por Lucas Berlanza, publicado no Instituto Liberal
Alguém pode questionar: regime militar, mais uma vez? Quando nos surge algo novo sobre determinado período histórico, ou uma evidência nova de um fato que já conhecemos, é sempre positivo que enriqueçamos as abordagens. Isso se torna ainda mais importante se tratamos de uma das fases da história brasileira que mais despertam paixões políticas, seguramente a mais “manipulada” e distorcida, por grupos opostos, para favorecer determinadas narrativas que lhes interessam particularmente. Entre esses que não estão genuinamente desejando compreender os 21 anos de comando dos “generais”, costuma restar propositadamente uma lacuna mal preenchida: a análise do pensamento expresso pelos personagens que fizeram a história. Seja porque são, “obviamente”, “heróis”, seja porque são “vilões”, pouco se leva em conta o que disseram ou alegaram sobre o que faziam. Os pesquisadores Maria Celina D’Araujo e Celso Castro, da Fundação Getúlio Vargas, nos deixaram um verdadeiro tesouro, ao realizarem uma série de entrevistas com o presidente que começou a chamada “abertura gradual”, o penúltimo mandatário do regime militar: Ernesto Geisel.
Nessa coletânea de diálogos exclusivos, voluntariamente aceitos pelo ex-presidente, lançada em 1997 com o simples título “Ernesto Geisel”, o leitor pode visitar, pelos olhos do personagem, fatos marcantes de quase um século da história brasileira, desde os movimentos tenentistas revolucionários da República Velha até o governo Itamar Franco, passando pelo movimento de 64, os governantes que o antecederam no regime (Castelo, Costa e Silva, a junta militar e Médici), seu próprio mandato e a relação com o sucessor Figueiredo. É uma oportunidade preciosa de entender com mais amplitude aquele período, a partir de quem o realizou.
O que destacar desse testamento político e histórico? O mais importante é que, se os fatos já não fossem suficientes para comprovar isso, o discurso da esquerda de simplificar em demasia para confundir, associando o regime militar a ideias capitalistas liberais, cai totalmente por terra, nas palavras do próprio Geisel. O que nós temos diante de nós é uma figura de viés nacionalista em sentido econômico, com desconfiança profunda do capitalismo liberal e das privatizações. Às informações que já temos disseminadas em fontes variadas sobre seu governo ter sido campeão na criação de empresas estatais, vêm se juntar, pela leitura desta obra, suas próprias afirmações positivas sobre o assunto.
Em seu “História do liberalismo brasileiro”, Antônio Paim referencia um autor chamado Wanderley Guilherme dos Santos, que, baseado em obra de Oliveira Viana, publicada em 1920, define o conceito de “autoritarismo instrumental”. Segundo Viana, o Brasil não seria uma sociedade liberal, e, para que se tornasse uma, demandaria um regime autoritário transitório que, à força, consolidasse as reformas necessárias. O discurso ideológico do regime militar – e aqui falo mesmo do regime, e não do movimento de 1964, já que são instâncias diferentes e exigiriam análises particulares minuciosas -, que se reflete em Geisel, evoluiu nessa direção. Em nenhum momento, os militares depois de Castelo Branco assumiram que uma ditadura indefinida seria o modelo ideal de governo para uma nação. Objetivamente, está claro que nem mesmo eles se atreviam a assumir que seu governo era uma ‘ditadura” – muito embora esteja claro que, tecnicamente, era um regime de exceção, por mais exageros que a esquerda aprecie pintar sobre o tema. A “Revolução” (termo que quase nunca é bom sinal) duraria apenas até que consolidassem suas reformas, que, pontua Geisel – atribuindo esse pensamento à chamada “linha dura” -, muitas vezes chegavam a ter a vagueza de um genérico “combate à corrupção”. Inegável que tivemos obras interessantes de infraestrutura, mas podemos dizer que “recebemos” daqueles regimes uma nação enfim avançada, com uma vocação liberal-democrática francamente estabelecida? Não me parece que o Brasil do PT confirme essa tese.
Do ponto de vista de sua classe de militares, Geisel diz que a desconfiança que havia para com Jango, o presidente deposto em 64, desde os tempos em que foi eleito vice de Jânio Quadros, vinha da ideia de que ele era “um homem fraco, dominado pelas esquerdas”, de “tradição vinda do getulismo com a política trabalhista”. Pessoalmente, estou de acordo com todas essas qualificações, no entanto Geisel avança em que se acreditava que o governo dele seria “voltado inteiramente para a classe trabalhadora, em detrimento do desenvolvimento do país”. O problema é que o conceito de Geisel acerca do desenvolvimento nacional não é muito diferente do conceito getulista. É um desenvolvimento conduzido, a mão de ferro, pelo próprio Estado. Um desenvolvimento que receia, por princípio, a “ordem espontânea” de que bem falava o economista austríaco Friedrich Hayek. Em matéria de Petrobras, a que nos preocupa tanto hoje e toma as manchetes de jornais, há um capítulo inteiro destinado à defesa de Geisel da manutenção do setor sob controle do Estado. Aí, ele apresenta o Brasil como um país vulnerável, em que o Estado deve ser o promotor e agente crucial do desenvolvimento. Geisel ataca diretamente o economista liberal Roberto Campos, que o acusava de ser “estatizante”, dizendo que a realidade brasileira exige que os governos se comportem dessa maneira e controlem fortemente o fluxo de capitais e recursos. Até mesmo a privatização das telecomunicações tinha sua oposição! “Como o país não tinha capitais próprios, como a iniciativa privada era tímida, às vezes egoísta, e não se empenhava muito no sentido do desenvolvimento, era preciso usar a poderosa força que o governo tem”, defendeu ele. Diante do cenário de crise, Geisel defendia que “ativar a economia, desenvolver o país”, para manter a segurança social era o atalho. Não queria tomar “medidas impopulares” que os “teóricos que nada produzem” alertavam serem necessárias. Precisamos lembrar quais foram as consequências para a economia do país do “altruísmo” do general? Por outra: não parece essa posição bastante familiar, se olharmos para o discurso do governo Dilma hoje? Que consequências isso trará para nós, atualmente?
Muito interessante notar que, manifestando-se sobre figuras com tendências realmente liberais ou conservadoras, na acepção que costumamos empregar, Geisel as via com receio evidente; ele chega a dizer que Carlos Lacerda, líder civil da UDN, o partido que tinha esse perfil na época, por exemplo, poderia se tornar, vejam só, “ditador”, caso chegasse à presidência da República. Incrível. Por acaso, o que os militares foram? Em que teriam sido superiores ou melhores, em gestão, ao governador da Guanabara, que deixou um legado tão notável às terras fluminenses?
Em termos de política externa, em vez da suposta postura de “capacho dos americanos”, tão constantemente atribuída pelas esquerdas a todos os presidentes militares, Geisel se ufana do que se chamava de “pragmatismo responsável”, sustentação de certa independência que motivou algumas importantes tensões com os americanos, em problemas que envolveram desde a polêmica nuclear, até acusações contra violações de direitos humanos pelo governo brasileiro. Acerca de suas posições sobre o regime político, Geisel defendia o presidencialismo, com centralização de poder nas mãos do líder máximo do Executivo, como modelo ideal para o Brasil, recorrendo sempre ao discurso de que nossas limitações e nossa “juventude” como nação nos impedem de dar voos mais altos, cabendo o parlamentarismo apenas a países mais avançados.
Começamos este artigo deixando claro que não devemos viver de maniqueísmos distorcidos. Com todas as reservas que temos a Geisel, reconhecemos que viveu em um tempo em que a tônica da política nacional era a disputa de diferentes formas de autoritarismo, com vozes liberais permanecendo quase sempre à margem da condução dos fatos. Sabemos, também, que comandou o país no meio de uma tensão entre forças mais radicais da “linha dura” militar e opositores estridentes, que nem sempre sabiam lidar com a situação delicada da melhor maneira ao exigirem as necessárias reformas de abertura. Necessárias, sim, porque, com todo respeito aos saudosistas do regime, um governo militar como aquele não é um modelo ideal de governo e não poderia realizar, persistindo indefinidamente, o Brasil que queremos. Articular-se pela abertura é, em teoria, algo bom, a despeito de erros que possam ter sido cometidos no processo.
Entretanto, o modelo de sociedade que Geisel parecia desejar ver no Brasil era tudo, menos liberal, na sólida expressão com que poderíamos sonhar. O que vemos na preciosa coletânea da Fundação Getúlio Vargas é alguém que enxergava o país como uma criança, que precisava de constante tutela de seus senhores – os governantes, o Estado – para conseguir avançar. Com uma imperfeita interrupção durante os governos tucanos, onde foram feitas privatizações que certamente desagradariam a Geisel, a Nova República que sucedeu Figueiredo tem mantido, na administração nacional, essa visão de um Estado grande a carregar consigo as esperanças de crescimento e justiça social. O petismo, supostamente representante do que haveria de mais avesso a Geisel, apresenta assustadoras semelhanças com o militar. Assustadoras, para quem não entende a história das ideias políticas no Brasil, e, com isso, desconhece o verdadeiro adversário cultural que deve enfrentar. Pois o que queremos é que a criança cresça e se torne adulta; para isso, deverá se libertar do agigantamento do tutor, e fortalecer em si a consciência do que é ser livre.

Rodrigo Constantino-Da anarquia ao estado: uma análise de Robert Nozick



“De cada um como escolhem, a cada um como são escolhidos.” (Robert Nozick)
Um dos livros que mais influenciou o pensamento libertário americano foi Anarchy, State and Utopia, do professor de filosofia de Harvard, Robert Nozick. Não é uma leitura fácil, e o autor cria um clima de honestidade intelectual no decorrer da obra, pela enorme quantidade de perguntas delicadas e complexas que ele mesmo não ousa responder de forma definitiva. O tema é espinhoso, pois trata de uma teoria sobre a filosofia política e o Estado, questionando inclusive a necessidade de sua existência. O próprio autor reconhece que seria tolice de sua parte esperar que tenha completado de forma satisfatória os pontos fundamentais da questão. A busca pela verdade é uma tarefa contínua.
Logo na primeira frase do prefácio, Nozick afirma que os indivíduos possuem direitos, e que existem certas coisas que nenhuma pessoa ou grupo pode fazer a eles, sem que esteja violando tais direitos. O livro irá tratar, então, da natureza do Estado e suas funções legítimas, se existirem. As conclusões de Nozick, antecipando o que os argumentos irão sustentar depois, são que um Estado mínimo, limitado a funções estreitas de proteção contra a força, roubo, fraude etc. é justificável, mas qualquer Estado mais extenso irá violar os direitos pessoais, e, portanto, não se justifica. A questão fundamental para a filosofia política, que antecede questões sobre como o Estado deve ser organizado, é se deve mesmo existir algum Estado em primeiro lugar. Nozick leva a sério a alegação anarquista de que o Estado, agindo contra os direitos individuais, é imoral. Mas ele tenta mostrar porque considera esta postura errada no que diz respeito ao Estado mínimo. Seu esforço parte de uma abstração de como o Estado poderia ter surgido, a partir de um estado de natureza, mesmo que ele não tenha surgido desta maneira.
Nozick utiliza a visão de Locke para partir desse estado de natureza e chegar ao Estado mínimo. Para Locke, existem inconveniências no estado de natureza que justificam um governo civil como remédio adequado. Os indivíduos, julgando em causa própria, irão sempre superestimar a magnitude de dano sofrido, e as paixões irão levá-los a punir os outros de forma mais que proporcional ao que a compensação justa exigiria. Além disso, no estado de natureza, o indivíduo pode não ter a força para impor seus direitos. Para Nozick, então, associações de proteção surgiriam naturalmente da anarquia, pressionadas por agrupamentos espontâneos. Algo já parecido com um Estado mínimo apareceria como resultado de um processo natural de divisão de trabalho, economias de escala e auto-interesse racional dos indivíduos. A explicação que Nozick utiliza para sair do estado de natureza e chegar a algo muito próximo de um Estado mínimo é similar ao que Adam Smith chamou de “mão invisível”. O produto final parece ser obra de um ato intencional de alguém, mas é fruto de um processo espontâneo onde cada indivíduo busca seus próprios interesses.
Como premissa básica nesse processo, Nozick considera a restrição libertária de que nenhum indivíduo pode ser sacrificado pelo bem do outro. O princípio kantiano de que indivíduos são fins e não meios está presente. Chega-se no princípio de não-agressão, o mesmo que costuma ser levado em conta entre nações. Nozick pergunta qual diferença existe entre indivíduos soberanos e nações soberanas que torna permitida a agressão entre indivíduos. Por que indivíduos juntos, através do governo, podem fazer com alguém aquilo que nenhuma nação pode fazer com outra? Nozick não defende o Estado mínimo por justificativas utilitaristas, portanto, mas sim pelos princípios que entende como corretos, com base nos direitos naturais dos indivíduos. E ele alega que, da anarquia ao Estado mínimo, tais direitos não seriam violados, já que resultariam de um processo natural, através de uma “mão invisível”, onde haveria a necessidade de compensação aos indivíduos que ficassem fora da agência protetora dominante, mais tarde transformada em Estado, por ter o monopólio de facto da coerção.
A explicação de Nozick é, naturalmente, bem mais elaborada que esse resumo feito aqui. Se no próprio livro alguns pontos permanecem confusos, é de se esperar que o leitor não se dê por satisfeito com um breve resumo. Ir direto à fonte é fundamental para melhor entender os argumentos do autor. Seu raciocínio não ficou imune às críticas, que surgiram de diferentes lados. Curiosamente, um dos que mais atacou a obra foi Rothbard, quem é citado na lista de agradecimentos de Nozick como responsável pelo seu estímulo ao interesse na teoria individualista dos anarquistas.
Rothbard afirma que nenhum Estado surgiu pela forma imaginada por Nozick, mas que, ao contrário, as evidências históricas apontam para Estados provenientes da violência, conquista e exploração. A visão imaculada de Estado de Nozick seria muito distante da realidade, segundo Rothbard. Este defende, então, que Nozick deveria se unir aos anarco-capitalistas e pregar a abolição de todos os Estados existentes, para depois esperar o funcionamento da “mão invisível” que levaria ao Estado mínimo defendido. Além disso, Rothbard considera um non sequitur a conclusão que Nozick chega quando assume que haveria um acordo pacífico entre as diferentes agências protetoras, resultando em um monopólio de facto nas mãos de uma única e dominante agência. Para Rothbard, poderiam existir centenas ou mesmo milhares de árbitros que seriam selecionados pelas partes envolvidas em disputas.
Outras críticas tão duras como essas são expostas por Rothbard. A questão é mesmo polêmica, e são muitas as perguntas sem fácil resposta. O que se pode concluir com relativa convicção é que quanto mais perto de um Estado mínimo, cuidando basicamente da segurança e garantindo os direitos individuais contra agressões externas, mais justa e livre será a sociedade em questão. Já seria um avanço e tanto mostrar que o Estado pode ser um “mal necessário”, mas não um “deus” que irá solucionar todos os males do mundo. Como seria fantástico se o debate sobre filosofia política fosse dividido entre Nozick e Rothbard! Infelizmente, fazendo uma analogia com a física, ainda se debate no país sobre se a Terra é quadrada ou redonda nessa área política. E o pior é que a versão quadrangular vem sendo a dominante…
Texto presente em “Uma luz na escuridão”, minha coletânea de resenhas de 2008.

“É preciso manter a calma, pois sempre haverá um imbecil para defender o indefensável, por ignorância ou por ser beneficiado por tal ação.” (Mim)

SOBERBA

SOBERBA

A soberba correu mundo com seu dono
Olhando para todos com desdém
Desfilando sempre de nariz empinado e achando-se uma imortal senhora
Talvez por isso ficou tão surpresa
Ao ser colocada com seu dono no forno crematório
Para torrar também os seus ossinhos.

No Vale do Eco quando você grita: Dilmaaaa! Ele responde: ‘incompetente!’

Dora Kramer: ‘Encontro às escuras’

Publicado no Estadão desta sexta-feira
O ministro José Eduardo Cardozo é (ou era) suficientemente equipado de respeito pelo discernimento alheio para saber que a questão em pauta não é o “direito” de o ministro da Justiça receber advogados em seu gabinete.
Esta é só a versão edulcorada e simplificada de uma situação bem mais complicada para o governo e para os executivos de empreiteiras presos há quatro meses em decorrência das investigações da Operação Lava Jato.
Não obstante o fato de o gabinete do titular da pasta da Justiça não estar franqueado a todo advogado cujo cliente se sinta prejudicado no trâmite judicial da defesa – é preciso ter relações para chegar lá -, o ministro recebe quem quiser. Dada natureza pública de seu cargo, só não pode fazê-lo às escondidas.

IL- Em defesa da Beija-Flor

João Luiz Maud
A Beija-Flor é o Judas da hora.  Desde quarta feira, quando foi divulgado o resultado dos desfiles das escolas de samba no Rio de Janeiro, a imprensa tupiniquim não parou de malhar a Escola de Nilópolis, por conta de uma suposta falta de ética (alguns alegam até mesmo ilegalidade) pelo patrocínio de 10 milhões de reais recebido da ditadura sanguinária da Guiné Equatorial.
Data máxima vênia, como diriam os causídicos, acho que alguns estão tratando o assunto (notadamente os opinantes esquerdistas) com enorme carga de hipocrisia.  A Guiné Equatorial é um país que mantém sólidas relações diplomáticas e comerciais com o Estado brasileiro – entidade constitucionalmente encarregada de tratar das nossas relações exteriores.
Para se ter uma idéia de quão estreitas são essas relações, somente nos últimos cinco anosdois presidentes brasileiros visitaram aquele país oficialmente, enquanto Obiang – o cruel ditador – também aqui esteve pelo menos uma vez, em visita oficial. Lula voou para lá, pela primeira vez, em 2010, quando assinou acordos de cooperação e perdoou 80% da dívida da Guiné com o Brasil.  Posteriormente, já em 2013, Lula voltou lá, desta vez como “caixeiro viajante”, em missão oficial, acompanhado de diversos empresários tupiniquins, interessados em fazer negócios naquele país.
Sabe-se de alguns projetos em andamento na Guiné Equatorial, operados por empresas brasileiras, e de pelo menos um financiado pelo BNDES, com dinheiro dos pagadores de impostos de Pindorama.  O Itamarati, órgão de Estado encarregado das políticas com o exterior, tem uma página na internet somente para descrever os profícuos laços diplomáticos e comerciais com aquele país africano, cuja relação data de 1974 – mais de 40 anos, portanto. Além disso, desde 2006, o Brasil mantém uma embaixada na sua capital, Malabo, e, desde 2010, estão suspensas as exigências de visto prévio para viajantes entre os dois países, acordo este que o Brasil não tem, por exemplo, com EUA, China e México, entre outros países.
Salvo algumas vozes dissonantes, nunca a mídia pátria fez qualquer crítica mais contundente ao fato de termos relações, digamos, tão estreitas com a ditadura do notório senhor Obiang –cujo filho tem contra si até mesmo uma ordem de prisão expedida na França.
Pelo contrário.  Nunca ouvi ninguém criticar as empresas que lá estão fazendo obras faz tempo.  Por quê então todo esse alarido com o patrocínio recebido pela Beija-Flor?  A escola nada mais fez do que uma transação comercial com um “país amigo”.  Sim, patrocínios são transações comerciais como outras quaisquer.  Sim, a Guiné Equatorial, queiram ou não, deve ser considerada “país amigo”, já que o Estado brasileiro mantém sólidas relações diplomáticas e comerciais com ele.
Por outro lado, só para não dizerem que não falei de flores, digo, de Cuba, empresas e governo tupiniquins têm feito obras vultuosas financiadas pelo indefectível BNDES (vide o porto de Mariel) e negócios milionários (mais médicos) com a não menos sanguinária ditadura castrista, sem que se tenha visto, exceto da parte de uns poucos opinantes da “direita neoliberal golpista”, qualquer crítica ou impugnação a respeito.
Ora, vamos ser coerentes.  Ou criticamos todo mundo, ou não criticamos ninguém.  Ademais, a Beija-Flor, pelo menos, fez bom uso do dinheiro recebido e venceu o carnaval carioca com um desfile quase irretocável.

IL-Sobre paridade obrigatória de salários na iniciativa privada

lavadeiraHoje de manhã li uma crítica muito ácida de uma prima minha, que é economista, à uma entrevista do Dep. Bolsonaro, onde ele afirma que entre um homem e uma mulher jovem, o empresário contrataria um homem, pois mulheres podem engravidar, e caso isso ocorresse, ela poderia ficar até cinco meses em um ano sem trabalhar, e mesmo com o INSS pagando parte disso, a rotina de trabalho estaria comprometida, Por isso, ainda segundo o Deputado, seria justo o patrão pagar menos pelo trabalho da mulher, se ele assim desejasse.
Lendo o discurso do Dep. Bolsonaro, vejo que ele tentou explicar uma questão econômica, e misturou com padrão ético. No final, mesmo eu concordando com a visão global da coisa, admito que ele falhou criticamente em se fazer entender. Isto posto, tentarei explicar o que a visão liberal dispõe sobre o tema.
O homo economicus, esteja ele no papel de produtor ou consumidor, sempre busca alcançar seus interesses próprios maximizando a eficiência na alocação dos seus recursos. Portanto, o fundamento filosófico pelo qual um empregador tenta reduzir seus custos e pagar menos para seus empregados é o mesmo fundamento pelo qual você, numa loja, busca comprar o melhor produto pelo preço mais barato possível.
É indiscutível, por mais que as mulheres queiram negar, que uma gravidez gera transtornos para um empregador. Esse é um fato biológico que repercute na estabilidade da produção econômica. Tanto é que, por isso, a maioria dos governos de todo o mundo se engajaram em promover políticas públicas para tentar suprir esse problema, como a instituição de seguros privados ou, no caso brasileiro, na transferência do risco da gravidez do investidor para o INSS, fazendo com que o órgão previdenciário, e em última análise o Governo e toda a sociedade, seja um segurador universal do fato.
Gerando a gravidez transtornos para que um investidor busque seus fins particulares, cria-se imediatamente um incentivo econômico real para que investidores tenham preferência por homens em detrimento de mulheres. O argumento que se pode levantar é que esse incentivo não é moral. Mas incentivos econômicos não tem nada a ver com moralidade. São categorias completamente distintas. Iremos, por exemplo, concordar e dizer que essa distinção não é moral. Mas o fato dessa distinção ser imoral tem o condão de extinguir o incentivo econômico real? Parece evidente que não, ainda que as políticas públicas previdenciárias do Brasil tentem compensar isso criando outros incentivos econômicos, que também, para fins práticos, nada têm a ver com moralidade.
Agora vamos analisar os incentivos econômicos do “princípio da isonomia salarial em cargos de mesma natureza e função”, que é uma norma trabalhista sedimentada na CLT e recepcionada pela Constituição Federal, além da ratificada pelo poder judiciário.
Digamos que duas pessoas, X e Y, trabalham na mesma função em uma mesma empresa. Tanto X quanto Y são homens, brancos, heterossexuais e com curso superior. Usando linguajar chulo marxista, eles pertencem à mesma classe. No entanto, X é infinitamente mais produtivo que Y, por ser mais dedicado, estudar nas horas vagas e ter maiores talentos individuais. No senso comum, a maioria das pessoas diriam que X ganhar a mesma coisa que Y é absurdo. E mais do que isso, essa isonomia cria um estímulo para X, no longo prazo, produzir igual a Y, já que não importa a qualidade e a dedicação no trabalho, o resultado será o mesmo para ambos. Por conta disso, cria-se um segundo estímulo econômico, agora para o patrão: demitir Y, para impedir que o primeiro estímulo ocorra, e buscar um empregado Z que tenha o mesmo nível de produtividade de X.
Em última análise, o princípio da isonomia de salário criou um estímulo invencível para a demissão de funcionários que, por qualquer motivo, produzam menos que outros. E esses funcionários sequer tem poder de barganhar um salário menor, condizente com sua produtividade, gerando desemprego para quem, repisa-se, por qualquer motivo, não consegue alcançar o padrão estabelecido.
Claro que estamos falando aqui em uma análise ceteris paribus, pois há muitos outros elementos que deveriam ser analisados para se caracterizar uma realidade de desemprego, mas mantido todo o resto constante, isonomia salarial da mesma função cria o estímulo econômico ao desemprego do menos produtivo.
Como, historicamente, a classe menos produtiva é a de mulheres, analfabetas e negras, não importando agora o motivo pelo qual isso ocorreu, o princípio da paridade salarial retira dessas pessoas a capacidade de barganha e o acesso a empregos com menor remuneração, que no momento é o único tipo de emprego a que elas têm acesso. E isso também é muito cruel. E mesmo para mulheres que disputam vagas superiores contra homens, na prática a paridade salarial também age contra elas, por conta da desvantagem biológica para fins empregatícios que é a potência de gravidez. Não vamos dizer com isso que uma mulher produzirá menos que um homem. Isso seria absurdo. Mas um empregador não tem como saber, a priori, se uma mulher “A” será, a posteriori, mais produtiva que um homem “B” que busca o mesmo cargo. Mas saberá certamente, a priori, que ela tem potência de gravidez, o que a deixa em desvantagem inicial.
Em suma, dar à mulher a vantagem de requerer um salário menor aumenta drasticamente a possibilidade da mulher tomar a vaga de trabalho que antes seria de um homem. Por isso, podemos dizer, sem medo de errar, que a legislação trabalhista que cria paridade de salários entre homens e mulheres age contra o interesse das mulheres, e não a seu favor. Não se deve julgar alguém de antemão, mas não seria surpresa se alguém um dia me dissesse que a pessoa que inventou essa parte da legislação trabalhista é misógina. E o que é mais irônico: as mulheres, mesmo as inteligentes, compraram esse engodo como sendo uma coisa boa para elas, quando não é!
Toda essa minha explicação, no final das contas, não vai mudar a perseverança de certa parte da sociedade em tentar demonizar a direita. Jair Bolsonaro não odeia mulheres. 99,9% das pessoas são razoáveis e querem, de forma geral, que toda a sociedade enriqueça e viva bem, incluindo o Deputado. Só que as pessoas têm diferentes maneiras de enxergar como é possível chegar a esse objetivo universal. E os argumentos econômicos que embasam o discurso político dele são muito bons, se expressos de maneira satisfatória, o que admito que não foi o caso. Por outro lado, os argumentos econômicos da esquerda são péssimos, mas a manifesta vontade da esquerda de “ajudar” acaba por disfarçar os péssimos resultados de suas políticas justamente para os setores sociais supostamente valorizados.

E, no final das contas, são as pessoas mais humildes que perdem seus empregos, seja por causa dessa paridade tresloucada, seja pelo custo do emprego, seja ainda pela péssima gestão macroeconômica do país. Tudo, convenientemente, criado e gerido por políticos estatistas e interventores com fama de “gente boa que pensa nos pobres”.
Diretor do Instituto Liberal
Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.