terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

IMB A sociedade não precisa de dirigentes- por Lew Rockwell,

Desde que existem, os governos sempre se ocuparam basicamente de uma atividade: encontrar novas maneiras de intervir nas relações humanas, inventando novas formas de gerenciar a sociedade e suas interações sociais e econômicas.  Quando não estão fazendo isso, as legislaturas se ocupam de tentar reformar os sistemas que eles próprios criaram no passado.
Apenas pense na saúde pública, na educação pública, em toda a fraude criada pela Previdência Social, na injustiça da tributação, na infindável incapacidade de gerenciara moeda e as finanças públicas, além de todas as outras áreas da sociedade e da economia em que o governo se arvora a responsabilidade de gerir, e responda: por que tais áreas são uma bagunça?
Políticas públicas devem ser abolidas
Alguns liberais creem que a liberdade que desejam pode ser imposta da mesma forma que os sistemas socialistas antigos eram impostos sobre as sociedades.  A ideia é a de que caso sejam eleitos um Congresso e um presidente iniciados na teoria libertária, eles poderiam corrigir tudo o que está errado em um piscar de olhos.  Assim, seria necessário apenas eleger políticos versados na Escola de Chicago e um presidente treinado nos méritos dos incentivos de mercado, e tudo começaria a se resolver.
Porém, infelizmente, não é simples assim.  Mais ainda: se de fato fossemos capazes de fazer isso, estaríamos apenas substituindo uma forma de planejamento central por outra.  A genuína liberdade não advém de uma dada forma de gerenciamento governamental.  A genuína liberdade significa ausência de gerenciamento governamental. 
Todas as reformas em todas as áreas da política, da economia e da sociedade deveriam se dar em apenas uma direção: mais liberdade para os indivíduos e menos poder para o governo.  Indivíduos devem exercer seu direito de usufruir a maior liberdade possível, e o governo, o dever de exercer o menor poder possível.
Sim, essa é a posição que qualifica um indivíduo como libertário.  Porém, essa palavra não possui o poder explanatório que já teve em outros tempos.  Há uma tendência de ver o libertarianismo como uma espécie de política pública, ou apenas mais um emaranhado de propostas políticas, que enfatiza a importância da livre iniciativa e das liberdades pessoais em oposição à arregimentação burocrática.
Essa perspectiva, porém, é totalmente errada, e possui perigosas consequências.  Imagine se Moisés houvesse procurado conselhos de burocratas governamentais e especialistas em políticas públicas quando estava em busca de meios para libertar o povo judeu da escravidão egípcia.  Eles teriam lhe dito que marchar até o Faraó para pedir a ele que "liberte o meu povo" seria uma atitude altamente imprudente e inútil.  A mídia não iria gostar e ele estaria exigindo muita coisa muito rapidamente.  O que os israelitas deveriam fazer seria utilizar o sistema judicial.  Fora isso, o governo deveria conceder-lhes incentivos de mercado, mais escolhas por meio de vouchers e subsídios, e uma maior participação na estrutura de regulamentações impostas pelo Faraó.  Ademais, senhor Moisés, criticar o sistema é antipatriótico e extremista.
Em vez disso, Moisés adotou uma posição de princípios, e exigiu que seu povo fosse imediatamente libertado da opressão de todos os controles políticos — uma completa separação entre governo e a vida dos israelitas.  Esse é o meu tipo de libertarianismo.  O libertarianismo não é uma agenda política detalhando um melhor método de governança.  Antes, trata-se da moderna incorporação de uma visão radical e singular que está acima de todas as ideologias políticas existentes.
O libertarianismo não propõe nenhum plano para reorganizar o governo; ele requer que planos desse tipo sejam abandonados.  Ele não propõe que incentivos de mercado sejam empregados na formulação de políticas públicas; ele deseja uma sociedade na qual não haja políticas públicas no sentido em que tal termo é normalmente conhecido.
O verdadeiro liberalismo
Se essa ideia soa radical e até mesmo maluca hoje, ela era comum entre os pensadores dos séculos XVII e XVIII, dentre eles John Locke e Thomas Jefferson.  A marca distintiva dessa teoria política é a de que a liberdade é um direito natural.  Ela antecede a política e antecede o estado.  O direito natural à liberdade não precisa ser concedido ou ganhado ou outorgado.  Ele deve apenas ser reconhecido como um fato.  É algo que existe naturalmente na ausência de um esforço sistemático para aboli-lo.  O papel do governo não é nem o de conceder direitos, nem o de oferecer a eles algum tipo de permissão para existir, mas simplesmente se restringir de violá-los.
A tradição liberal do século XVIII em diante percebeu que era o governo a entidade que praticava os mais sistemáticos esforços para roubar as pessoas de seus direitos naturais — o direito à vida, à liberdade e à propriedade —, e é por isso que um estado deve existir apenas se tiver a expressa permissão de todos os membros de uma sociedade, estando limitado a realizar apenas aquelas tarefas que toda a população julgar essenciais.  Era com relação a essa agenda que todo o movimento liberal estava comprometido.
Os liberais não estavam lutando para que certos direitos fossem dados ou impostos sobre as pessoas.  Não se tratava de uma forma positiva de liberdade, a ser imposta sobre a sociedade.  Tratava-se de algo não positivo, mas sim negativo, no sentido de que delineava aquilo que não deveria ser feito.  Os liberais queriam acabar com a opressão, arrebentar os grilhões, livrar-se do jugo do estado, libertar as pessoas.  O objetivo era acabar com o domínio do estado e iniciar uma governança feita pelas pessoas, as quais eram as únicas que deveriam controlar suas associações privadas e voluntárias.  A sociedade não precisa de qualquer tipo de gerenciamento social.  A sociedade se mantém coesa não pelo estado, mas sim pelas ações diárias e cooperativas de seus membros.
A nação não precisa de um ditador, nem de um presidente, e nem de atos de boa vontade para impor as bênçãos da liberdade.  Essas bênçãos advêm da própria liberdade em si, a qual, como escreveu Benjamin Tucker, é a mãe da ordem, e não sua filha. 
Um bom exemplo do princípio da auto-organização — isto é, a capacidade das pessoas de se organizarem voluntariamente por meio do comércio e do respeito mútuo — pode ser visto nas modernas organizações tecnológicas.  A internet é amplamente uma rede que se organiza sozinha, sem nenhum gerenciamento.  As comunidades comerciais que se formaram na rede [Amazon, eBay, Mercado Livre etc.] já são maiores e mais vastas do que muitas nações já o foram.  São comunidades formadas por indivíduos que se organizam voluntariamente e autonomamente, interagindo sob regras, fiscalizações e imposições amplamente privados.  As inovações disponíveis em nossa era são tão espantosas que vivemos em uma época considerada revolucionária.  E é verdade.
A vida moderna se tornou tão imbuída dessas pequenas esferas de administração — esferas de administração nascidas da liberdade —, que ela se assemelha em muitos aspectos a comunidades sociais anárquicas.  Todas as grandes instituições de nossa época — desde grandes e inovadoras empresas tecnológicas, passando por redes varejistas até enormes organizações benevolentes internacionais — são organizadas na base do voluntarismo e do comércio.  Elas não foram criadas pelo estado e não são gerenciadas em suas operações diárias pelo estado.
Um louvor à anarquia ordenada
Isso nos transmite uma lição e um modelo a ser seguido.  Por que não permitir que esse bem sucedido modelo de liberdade e ordem seja a base de toda a sociedade?  Por que não expandir tudo aquilo que funciona e eliminar tudo aquilo que não funciona?  Tudo o que precisaria ser feito seria remover o governo do cenário.
Nem é preciso ressaltar que tal ideia não é amplamente aceita.  Qualquer indivíduo que habita os quadros da burocracia estatal, de qualquer país, acredita que é o governo quem, de alguma forma, mantém a sociedade coesa, quem a faz funcionar, quem inspira grandeza, quem torna a sociedade justa e pacífica, e quem permite a liberdade e a prosperidade decretando e implantando toda uma cornucópia de leis e políticas.
Tal pensamento advém diretamente do antigo mundo dos faraós e imperadores romanos, em que os direitos de uma pessoa eram definidos e ditados pelo estado, o qual era visto como a expressão orgânica das vontades da comunidade, incorporadas na sua classe de líderes.  Não havia fronteiras claras entre indivíduos e a sociedade, o estado e a religião.  Todos eram vistos como parte da mesma unidade orgânica; daquela mesma coisa amorfa chamada ordem civil.
E foi justamente essa visão que passou a ser rejeitada pelo ideário cristão que afirmava que o estado não era o senhor da alma do indivíduo — a qual possui valor infinito —, e não podia se pretender o dono da consciência de todos.  Mil anos depois, começamos a ver esse princípio sendo expandido.  O estado já não era mais visto como o senhor nem da propriedade e nem da vida dos indivíduos.  Quinhentos anos mais tarde, vimos o nascimento da ciência econômica e a descoberta dos princípios do comércio — através da obra dos escolásticos espanhóis e portugueses —, além da miraculosa constatação de que as leis econômicas funcionam independentemente do governo.
Tão logo a cultura ideológica começou a absorver a lição do quão desnecessário era o estado para o funcionamento da sociedade — uma lição que claramente, e atualmente mais do que nunca, deve ser reaprendida a cada geração —, a revolução liberal não mais podia ser contida.  Déspotas caíram, o livre comércio reinou e as sociedades cresceram e se tornaram mais ricas, pacíficas e livres.
É natural que as pessoas que trabalham no governo e para o governo imaginem que, sem seus esforços, haveria a total calamidade.  Porém, essa atitude é onipresente na política atual.  Praticamente todos os lados do debate político querem utilizar o governo para impor sua visão de como a sociedade deve funcionar.

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