segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Andrea Faggion- Ordem Espontânea x Planejamento Central



Minha amada tia de 85 anos e primário completo adora sair com alguma variante do “argumento do desígnio”. O de ontem foi: “Deus existe, porque plantas têm nutrientes”. O raciocínio é bem conhecido: se existe uma ordem detectável em um sistema qualquer, ela tem que ter sido introduzida por uma inteligência.

Esse raciocínio, porém, nunca foi natural para mim. Criança, descobrindo Darwin, aceitei com alegria que plantas não têm nutrientes para que possamos sobreviver; mas nós sobrevivemos, porque as plantas têm nutrientes. É possível enxergar conexões sem teleologia. Nós, os que amamos a ordem espontânea, as consideramos as mais valiosas.

Nós também somos apenas uma pequena minoria. O sucesso da teoria darwinista de ordem espontânea veio apenas a duras penas, depois de muitas evidências, e só prevaleceu, porque, no fundo, deixa espaço para o modo de pensar do planejamento central.

A ordem espontânea pode ser aceita apenas epistemologicamente: Deus existe (portanto, ontologicamente, há planejamento central), mas eu não posso conhecer seus desígnios. Esse tipo de mente não é nocivo à ordem espontânea. Apesar de não abraçar o paradigma do ponto de vista ontológico, essa mente se conforma com a ordem espontânea, porque pensa estar se conformando aos desígnios incognoscíveis de um Ser superior.

A perturbação da ordem espontânea vem sempre dos intelectuais que querem substituir Deus: não há um intelecto superior controlando nosso destino conforme seu fim, mas eu assumo esse controle. Por sinal, é ótimo que não haja um Ser superior a mim com um fim superior aos meus. Assim, esse fim superior não será um obstáculo para o meu. Esse tipo de intelecto também rejeita a ordem espontânea do ponto de vista ontológico, mas, ao contrário do caso anterior, ele considera que o campo do ser é caótico se ele não introduzir nele a sua ordem. Assim, a ordem que ele conhece é a ordem que ele mesmo cria. Há ainda criacionismo, mas ele é agora o criador.

Já para nós, amantes da ordem espontânea, cada sistema já está sempre em ordem, a saber, na única ordem que cada sistema é capaz de ter, de modo que a interferência destinada a fazer com que o sistema se adeque a fins externos a ele só gera destruição.

O paradigma da ordem espontânea trata sistemas como organismos incognoscíveis em sua totalidade e, portanto, incontroláveis. Enquanto isso, o paradigma do design central trata sistemas como máquinas (relógios, lembram?), que podem ser construídas ou adaptadas para fins determinados.

A incognoscibilidade de todas as variáveis envolvidas em um sistema, para o defensor do paradigma da ordem espontânea, é o que torna sempre potencialmente destrutivas as intervenções de um planejador central. O interventor é visto como aquele que necessariamente vê apenas uma parte do sistema e, se tomá-la pelo todo, o destrói ao agir sobre a parte. Pense naquele que deseja eliminar uma espécie de um ecossistema, porque sem ela, ele imagina, o sistema seria mais propício a um fim (o SEU fim). Então, ele simplesmente retira essa espécie do ecossistema, ignorando que ela equilibra o todo, servindo de alimento para uma outra espécie e de predador para uma terceira espécie.

Com essas considerações, veja bem, não quero concluir que jamais devamos interferir em nenhum sistema. Somos seres cujas mentes funcionamteleologicamente. Nós idealizamos fins e buscamos os meios para realizá-los. Por isso, o paradigma do designo central é sempre predominante.

Nestas notas, quero dizer apenas que, em todas as esferas, deveríamos aprender uma lição de modéstia e finitude, agindo sempre com a cautela de quem não conhece o todo, não tem o poder de operar do lugar de Deus e não pode prever todas as consequências de suas interferências.

A miséria econômica em certas sociedades, assim como certos desastres ambientais, parece ser o fruto dos planos de quem desconhecia o quão pouco sabia. Porém, felizmente, tanto a natureza quanto a economia já mostraram ser capazes de cura quando a intervenção externa cessa. O melhor remédio para um organismo doente é sempre aquele que apenas elimina o que lhe é estranho.

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