segunda-feira, 4 de julho de 2016

ANDREA FAGGION- Menos cartilhas de paz e amor, mais teoria dos jogos

Vi a matéria do Fantástico sobre as equipes de socorristas que agravavam deliberadamente o estado de saúde de pacientes que precisavam de atendimento emergencial, para que eles pudessem ser internados em UTIs, de tal forma que o tratamento ficasse mais caro para o Estado e mais rentável para os hospitais. De um ponto de vista estritamente econômico, você nota que há incentivos para o desperdício de recursos, portanto, algo está errado no sistema.
Um bom sistema é aquele que incentiva a otimização no uso dos recursos escassos. Mas não é só esse o nosso problema. Um ser humano civilizado tem limites morais para a busca do seu ganho pessoal. Nenhuma sociedade pode sobreviver sem essas restrições ao cálculo egoísta. O maior problema do Brasil é que temos um número grande demais de indivíduos que não têm o menor apreço por esses limites. Provavelmente, isso se deve ao fato de que a vantagem do ganho imediato é sempre mais sedutora do que a vantagem longínqua da observância de limites. Sem contar que o grande número de violações de limites é ele próprio um incentivo ainda maior para que cada um não respeite esses limites, pois você não pode ser o único a respeitá-los em hipótese alguma. A teoria dos jogos mostra isso. O que fazer então?
A solução, penso eu, é a mais antiga e tradicional já descoberta pela humanidade: punição exemplar. A punição existe para fazer com que o ganho longínquo e indireto da observância de limites morais coincida com seus interesses mais imediatos. Ademais, sabendo que os outros têm um incentivo para observar limites, só por isso, você ganha um motivo maior para observá-los também. De novo, é o que a teoria dos jogos contemporânea, que já tinha sido intuída por filósofos clássicos, ensina.
O Brasil é uma sociedade que acha que pode sobreviver como tal sem punir transgressores dos limites mais elementares. Em vez disso, acham que vão mudar a natureza humana com educação. Educação tem seu papel. Mas só se você muda primeiro o sistema de incentivos, sendo realista quanto ao que é a natureza humana, em vez de querer nos transformar em anjos por meio de cartilhas, campanhas de TV e disciplinas de bondades nas escolas. Em suma, é preciso mudar o sistema atual para um que recompense a economia de recursos e puna severamente a transgressão de limites à ganância. Ou isso ou continuamos a ser esse agrupamento humano lamentável que somos. 
Andrea Faggion-Professora do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Londrina e dos programas de mestrado em filosofia da Universidade Estadual de Londrina e da Universidade Estadual de Maringá

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