segunda-feira, 23 de março de 2015

SwissLeaks: separando o joio do trigo. Ou: Nem todos que abriram contas na Suíça são ladrões

A lista de supostos clientes do HSBC na Suíça não para de aumentar, com nomes de famosos. Após gente da mídia, foi a vez de artistas terem seus nomes expostos. Nomes como Jô Soares, Maitê Proença, Marília Pêra, Francisco Cuoco e Claudia Raia surgiram no que ficou conhecido como SwissLeaks. A maioria nega.
Ter conta na Suíça não é crime, desde que informada à Receita Federal. Caso não seja, aí pode se configurar crime de evasão e sonegação fiscal. Mas pretendo, aqui, fazer uma importante distinção, nem sempre compreendida pelo público em geral. Por ser algo politicamente incorreto, quase ninguém levanta este ponto, e qualquer um com conta na Suíça acaba na vala comum, visto como simples bandido.
Sim, é um crime mandar dinheiro para a Suíça sem o governo ficar sabendo. Normalmente é uma fuga dos pesados impostos. Mas no Brasil há um motivo especial: convivemos por décadas com planos heterodoxos, incluindo até mesmo o confisco do nosso dinheiro. Sendo assim, muitos buscaram alternativas de proteção, ou seja, formas de manter o próprio dinheiro longe das garras do governo faminto e autoritário.
Se mandar divisas ilegalmente para a Suíça representa um meio legítimo ou não para se proteger de governos com insaciável sanha arrecadatória é um longo e complexo debate. Sem dúvida é algo ilegal, mas será que toda lei é legítima? Até que ponto a desobediência civil é justificável quando o “império das leis” não vale e o governo é o próprio “criminoso”, que rouba legalmente o dinheiro conquistado de forma legítima?
E eis meu ponto principal aqui: é preciso separar o joio do trigo e analisar, acima de tudo, a fonte dos recursos, sua origem. Mesmo aquele que condena o método ilegal de proteger o dinheiro terá de concordar que uma coisa é evitar o avanço maior do governo sobre o que foi ganho de forma legítima, e outra, bem diferente, é ganhar o dinheiro de forma ilegítima, roubando dos outros.
Ou seja, o empresário, o artista ou o profissional liberal que, temendo um novo plano maluco do governo ou um confisco de sua poupança, remete ao exterior parte de seus recursos, não pode ser colocado no mesmo saco podre daquele que mandou para a Suíça recursos provenientes de propina ou desvio de recursos públicos. Um está cometendo um crime para defender o seu dinheiro, ganho honestamente, e o outro está cometendo um crime para se apropriar de recursos alheios.
Há uma linha moral que divide ambos. Para o leitor compreender melhor isso, vamos supor que o governo aprove uma nova lei que coloque o imposto em 90% da renda. É claramente um regime de escravidão, mas digamos que foi aprovado legalmente. Será que aqueles que tentarem, mesmo que por métodos ilegais, proteger os seus recursos da mordida do Leão são simples criminosos, como aqueles que desviam parte desse montante confiscado para seus bolsos?
O governo brasileiro tem um histórico de confisco, seja de forma direta (Collor), seja de forma indireta (hiperinflação). Muitos, desesperados, topavam até mesmo cair na ilegalidade para tentar salvar aquilo que foi ganho com o próprio suor. Contas em bancos suíços eram uma das alternativas. Podemos condená-los, podemos achar que não era justificável. Só não podemos misturá-los aos políticos e burocratas que recebem propinas no exterior, pois estes não estão protegendo o próprio dinheiro, mas se apropriando indevidamente do dinheiro dos outros.
Ou alguém acha que o sonegador venezuelano de hoje, que tenta proteger o próprio dinheiro das garras de um governo autoritário e corrupto, é como os bandidos que montaram uma quadrilha na Petrobras para desviar recursos públicos?
Rodrigo Constantino

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