terça-feira, 24 de março de 2015

ORDEM LIVRE Conceitos-chave do libertarianismo

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David Boaz


Os conceitos chave do libertarianismo se desenvolveram através de vários séculos. Os primeiros pequenos sinais deles surgiram na China, Grécia e Israel antigos; eles começaram a ser desenvolvidos em algo semelhante à filosofia libertária moderna nas obras de pensadores dos séculos XVII e XVIII, como John Locke David Hume, Adam Smith, Thomas Jefferson e Thomas Paine.

Individualismo. Os libertários encaram o indivíduo como a unidade básica de análise social. Somente indivíduos fazem escolhas e são responsáveis por suas ações. O pensamento libertário enfatiza a dignidade de cada indivíduo, o que acarreta tanto direitos quanto responsabilidades. A progressiva extensão da dignidade a mais pessoas — a mulheres, a pessoas de outras crenças e raças — é um dos grandes triunfos libertários no mundo ocidental.

Direitos individuais. Por serem agentes morais, os indivíduos têm um direito a estar seguros em sua vida, liberdade e propriedade. Esses direitos não são garantidos pelo governo ou pela sociedade; são inerentes à natureza dos seres humanos. É intuitivamente correto que os indivíduos gozem da segurança de tais direitos; o ônus da explicação deve ser daqueles que os restringem.

Ordem espontânea. Um alto grau de ordem na sociedade é necessário para que os indivíduos sobrevivam e prosperem. É fácil presumir que a ordem precisa ser imposta por uma autoridade central, da forma como se impõe ordem a uma coleção de selos ou a um time de futebol. A grande ideia da análise social libertária é que a ordem na sociedade surge espontaneamente, a partir das ações de milhares ou milhões de indivíduos que coordenam suas ações com as de outros de maneira a atingir seus propósitos. Através da história, vimos optando gradualmente por mais liberdade e ainda assim conseguimos desenvolver uma sociedade complexa e intrincadamente organizada. As mais importantes instituições da sociedade humana — a língua, a lei, o dinheiro, e os mercados — todos se formaram espontaneamente, sem direcionamento central. A sociedade civil — a complexa rede de associações e conexões entre as pessoas — é outro exemplo de ordem espontânea; as associações feitas dentro da sociedade civil se formam para um propósito, mas a sociedade civil em si não é uma organização e não tem propósito próprio.

Estado de direito. O libertarianismo não é libertinismo e nem hedonismo. Não é a afirmação de que “todos podem fazer o que bem entenderem, e ninguém pode reclamar”. Na verdade, o libertarianismo propõe uma sociedade de liberdade sob a lei, na qual os indivíduos são livres para se ocupar de suas próprias vidas contanto que respeitem os direitos iguais de outros. Um estado de direito significa que os indivíduos são governados por regras legais desenvolvidas espontaneamente e genericamente aplicáveis, e não por ordens arbitrárias; e que essas regras devem proteger a liberdade dos indivíduos de buscar a felicidade à sua própria maneira, e não almejar algum propósito ou resultado em particular.

Governo limitado. Para proteger direitos, os indivíduos formam governos. Mas o governo é uma instituição perigosa. Os libertários têm forte antipatia ao poder concentrado, pois, como disse Lord Acton: “O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente.” Querem, portanto, dividir e limitar o poder, o que significa em especial limitar o governo, geralmente através de uma constituição escrita enumerando e limitando os poderes que o povo delega ao governo. Governo limitado é a implicação política básica do libertarianismo, e os libertários apontam o fato histórico de que foi a dispersão de poder na Europa — mais do que em outras partes do mundo — que levou a liberdade individual e crescimento econômico sustentado.

Mercados livres. Para sobreviver e prosperar, os indivíduos precisam praticar atividades econômicas. O direito à propriedade acarreta o direito de trocar propriedades por acordo mútuo. Os mercados livres são o sistema econômico dos indivíduos livres, e são necessários para criar riqueza. Os libertários acreditam que as pessoas serão mais livres e mais prósperas se a intervenção do governo nas escolhas econômicas das pessoas for minimizada.

A virtude da produção. Muito do ímpeto pelo libertarianismo no século XVII foi uma reação contra monarcas e aristocratas que viviam do trabalho produtivo de outras pessoas. Os libertários defenderam o direito das pessoas de manter os frutos de seu trabalho. Esse esforço desabrochou como respeito pela dignidade do trabalho e da produção, e especialmente pela classe média em expansão, que era desprezada pelos aristocratas. Os libertários desenvolveram uma análise de classe pré-marxista que dividia a sociedade em duas classes básicas: aqueles que produziam riqueza, e aqueles que a tomavam dos outros pela força. Thomas Paine, por exemplo, escreveu: “Há duas classes distintas de homens nas nações: aqueles que pagam tributos, e aqueles que os recebem e vivem deles.” Do mesmo modo, Jefferson escreveu em 1824: “Temos mais maquinário de governo do que é necessário, parasitas demais vivendo do trabalho dos industriosos.” Os libertários modernos defendem o direito das pessoas produtivas de preservar o que ganham com sua produção, protegendo-se de uma nova classe de políticos e burocratas que querem tomar seus ganhos e transferi-los para quem não produz.

Harmonia natural de interesses. Os libertários acreditam que há uma harmonia natural de interesses entre pessoas produtivas e pacíficas em uma sociedade justa. Os planos individuais de uma pessoa — que podem envolver conseguir um emprego, começar um negócio, comprar uma casa, e assim por diante — podem conflitar com os planos de outros, de forma que o mercado faz com que muitos de nós mudemos nossos planos. Mas todos prosperamos com o funcionamento do mercado livre, e não há nenhum conflito necessário entre fazendeiros e mercadores, manufatureiros e importadores. Somente quando o governo começa a distribuir recompensas com base em pressões políticas nos vemos envolvidos em conflitos coletivos, obrigados a nos articular e competir com outros grupos por uma fatia do poder político.

Paz. Os libertários sempre lutaram contra o antigo flagelo da guerra. Eles compreendiam que a guerra traz morte e destruição em grande escala, perturba a vida social e econômica, e coloca mais poder nas mãos da classe dominante — o que pode explicar por que os líderes nem sempre compartilham o sentimento pacifista do povo. Homens e mulheres livres, evidentemente, em muitas ocasiões já tiveram que defender suas sociedades de uma ameaça estrangeira; mas, ao longo da história, a guerra em geral foi um inimigo comum das pessoas produtivas e pacíficas em ambos os lados do conflito.

...Pode ser apropriado reconhecer a esse ponto a provável suspeita do leitor de que o libertarianismo parece ser apenas o quadro padrão do pensamento moderno - individualismo, propriedade privada, capitalismo, igualdade diante da lei. Certamente, após séculos de luta intelectual, política e algumas vezes violenta, esses princípios libertários centrais se tornaram a estrutura básica do pensamento político moderno e do governo moderno, pelo menos no Ocidente e, cada vez mais, em outras partes do mundo.

No entanto, três observações adicionais precisam ser feitas. Primeiro, o libertarianismo não é apenas esses princípios liberais gerais. O libertarianismo aplica esses princípios plena e consistentemente, bem mais do que a maioria dos pensadores modernos e certamente mais do que qualquer governo moderno. Em segundo lugar, enquanto nossa sociedade permanece genericamente baseada em direitos iguais e capitalismo, todos os dias se criam novas exceções a esses princípios em Washington e em capitais estatais como Albany em Nova York, Sacramento na Califórnia e Austin no Texas (para não falar em Londres, Bonn, Tóquio, e outras). Cada nova diretiva do governo toma um pouco de nossa liberdade, e devemos pensar com cuidado antes de abrir mão de qualquer liberdade. Em terceiro lugar, a sociedade liberal é resiliente; suporta muitos golpes e continua a prosperar; mas não é infinitamente resiliente. Aqueles que alegam acreditar em princípios liberais mas advogam mais e mais confiscos da riqueza gerada pelas pessoas produtivas, mais e mais restrições à interação voluntária, mais e mais exceções aos direitos de propriedade e à soberania da lei, mais e mais transferência de poder da sociedade para o estado, associam-se sem saber ao enfraquecimento, em última análise fatal, da civilização.



Publicado originalmente em Cato.org.

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