sábado, 6 de dezembro de 2014

Caio Blinder- Curtas & Finas (Rússia & Venezuela)

Eu não considero a Rússia de Vladimir Putin e a Venezuela de Nicolás Maduro plenas ditaduras. São petroestados autoritários e altamente corruptos. Com a baixa dos preços de petróleo, os dois regimes estão em uma enrascada. Ainda possuem commodities aparentemente inesgotáveis como demagogia, cinismo, assistencialismo, agitprop, perseguição da oposição e pretensão de terem o monopólio do patriotismo. Não sabemos exatamente até onde Putin e Maduro poderão recorrer à exploração destes recursos para aguentarem o tranco.
Maduro não é um tipo muito sofisticado. Putin é um bom tático. Como estrategista é um fiasco, o que o torna ainda mais perigoso. Neil Buckley escreveu no Financial Times um artigo preciososobre nosso homem em Moscou. Ele lembra que em uma primeira fase de poder (2000-2008), os crescentes preços do petróleo permitiram que Putin governasse através de uma barganha tácita com a população russa: sacrifique liberdades políticas em troca de crescente padrão de vida. Desde que ele retornou ao poder em 2012 (após uma fase como primeiro-ministro), a economia empacou.
Buckley explica que o novo pacto com o povo, forjado com a anexação da Crimeia e a intervenção militar na Ucrânia, é o seguinte: desista de mais liberdades e eu restaurarei as glórias imperiais da Rússia. Este pacto está sendo assolado por uma perfeita tempestade econômica, formada pelas sanções ocidentais (devido à agressão na Ucrânia) e os preços mais baixos do petróleo.
A tempestade avança e ameaça o padrão de vida conquistado, o qual foi a fonte original da popularidade de Putin. Esta taxa de aprovação do presidente ainda não sofreu impacto, mas um economista citado por Buckley faz a seguinte observação: acostumados a trocar liberdade por bem-estar, poucos estarão prontos para trocar bem-estar por demagogia.
A questão é como Putin reagirá. O tom é cada vez mais delirante, expressando um nacionalismo exacerbado. Na quinta-feira, no discurso anual ao Parlamento e ao alto escalão do governo, Putin acusou o Ocidente de tentar desmembrar e arruinar a Rússia, pois o país está ficando cada vez mais forte. O risco é que, como as aventuras militares se revelaram populares no começo do ano na sociedade russa, as turbulências econômicas possam dar ímpeto para Putin escalar o confronto com o Ocidente ao invés de suavizá-lo.
A perspectiva de mais aventureirismo de nosso homem em Moscou é simplesmente inquietante, em escala geopolítica global. O mesmo não acontece com qualquer lance de Nicolás Maduro. O impacto é mais regional, obviamente afetando o Brasil. Nosso homem em Caracas também tem suas válvulas de de escape. Como eu disse, a Venezuela não é uma plena ditadura. A oposição, por exemplo, pode se sair bem nas eleições no Congresso no ano que vem. Por ora, o regime chavista acua como pode os opositores.
Nesta semana, podemos destacar três notícias venezuelanas: mais sofrimento econômico com a baixa dos preços do petróleo, o anúncio da ONG Transparência Internacional de que a Venezuela é o país mais corrupto das Américas e a decisão chavista de processar a ex-deputada Maria Corina Machado, líder da ala mais aguerrida da oposição, de envolvimento em uma suposta trama para assassinar o presidente Maduro.
Sem dúvida, cinismo é uma commodity com os preços (corruptos) sempre em alta em Moscou e em Caracas.
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