sábado, 25 de outubro de 2014

TIRANDO DO BAÚ- VIDA EM CUBA- YOANY SÁNCHEZ

A sombra de um "almendrón"*

Para la Havana? me grita o chofer como se a esquina de Boyeros e Tulipán onde estou parada não pertencesse à cidade em que nasci e vivo. Eu respondo com um gesto do dedo em direção à esquerda e confirmo: “Sim, para a Fraternidad”, porque gosto de fazer esta homenagem diária ao parque da Celba (tipo de árvore) – essa que se conta que tem debaixo, um presente que foi enterrado por Machado e que nos condena a eterna infelicidade nacional.
Subo no almendrón e me acomodo entre outros passageiros que olham em direção a parada que deixamos para trás e parecem aliviados de estar “aqui” e não “ali”. Os dez pesos me pulsam no bolso, porem a lembrança do novo onibus articulado com mínimas janelas me devolve a convicção de ter feito o melhor. O carro tem licença, e capacidade para oito passageiros, dois junto ao chofer, tres no meio e outros tres atrás onde uma vez foi o bagageiro. Me cabe o assento que deve ser dobrado cada vez que alguem tem que sair do carro quando chega ao seu destino. Não importa, nada é pior do que mão boba num “camello”.**
Passamos em frente a um controle policial, que fazem seu “agosto” justamente com os transportadores privados. Estamos com sorte, não nos param. O chofer conta então seu último encontro com a policial que lhe custou dez chavitos.***
Os passageiros opinam, contam histórias iguais nojentas e pouco a pouco vamos nos introduzindo num tem, onde todos tem algo a dizer. Aquilo parece um encontro de “neuróticos anônimos” explicando as causas de seus desiquilíbrios.
A cumplicidade foi criada. O mágico espaço deste Chevrolet anos 40 conseguiu fazer falar o nosso descontentamento. Os temas se sucedem, passando pelos subterfúgios, a asfixia dos produtores privados, a excessiva repetição de certos temas na televisão nacional e terminam como um ponto em uma frase que minha vizinha de assento joga em cheio na cara: “Sim, porem ninguem faz nada!”.
Chegamos a um lado do Capitólio e todo o efeito termina. O carro volta a seu ponto de taxi e ouço o chofer que grita “!Vinte, até Santiago de las Vegas!”, a senhora do meu lado me ignora por completo e toma outra direção. Eu seguro firme a Ceiba cercada que uma vez se semeou alí com terra de todas as repúblicas deste continente e murmuro entre dentes: Que bem que nos fizeste.
*Antigos carros americanos que servem como taxi.
**Tipo de onibus em que a cabine do motorista fica separada da dos passageiros – como os antigos papa-filas de São Paulo.
***Gíria para pesos cubanos conversiveis – CUCs (criados num dia que Hugo Chavez estava na ilha).

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