terça-feira, 13 de junho de 2017

H. L. MENCKEN- A IMORTALIDADE DA ALMA

A IMORTALIDADE DA ALMA 

Quando se trata da imortalidade da alma, vou logo dizendo que, seja isto o que for, parece-me inteiramente inacreditável e grotesco. Não há uma única prova plausível a seu favor; mas há uma vasta massa de provas irrefutáveis contra ela, e essas provas ó fazem crescer em peso e consistência toda vez que um teólogo abre a boca. Todos os argumentos favoráveis à imortalidade da alma podem ser reduzidos a quatro. O primeiro é lógico e se baseia na suposição de que seria impossível imaginar Deus criando uma besta tão nobre quando o homem, e deixá-lo morrer sem mais aquela, depois de alguns anos desagradáveis na terra. A resposta é simples: posso imaginá-lo muito bem, assim como outras pessoas também podem. Além disso, não há razão para acreditar que Deus veja o homem como nobre: ao contrário, todo os testemunhos teológicos disponíveis aponta na outra direção. 

O segundo argumento é o de que a crença na imortalidade é universal na humanidade, e esta universalidade é uma ampla prova de sua verdade. A resposta é : a) que inúmeros homens discordam disto, alguns de maneira violenta e até com chacotas; b) que, mesmo que todos os homens dissesse sim, isto nada provaria, porque todos os homens certa vez disseram sim à existência das bruxas. O terceiro argumento é o de que os mortos, falando pela boca de médiuns bem-dotados, comunicam-se freqüentemente com os vivos, logo também devem estar vivos. Infelizmente, esta prova é tão dúbia que, para lhe dar crédito, é preciso um tipo especial de cabeça, e este tipo de cabeça está longe de ser convincente.


 O quarto e último argumento é francamente baseado na revelação: a alma é imortal porque Deus disse que é, e ponto. Confesso que este último argumento me parece bem mais respeitável que os outros: pelo menos, não faz nenhuma tentativa tola de asfixiar os métodos da ciência com uma proposição teológica. Mas, de qualquer forma, está cheio de ratoeiras óbvias. Seus proponentes vêem-se em sérias dificuldades quando instalados a responder quando e como a alma entra no corpo, e de onde vem. Será especialmente criada em cada instância ou será o fruto de duas almas paternas? Em qualquer dos casos, em que momento ela surge? 

No momento da concepção ou pouco depois? No primeiro caso, o que acontece à alma de um zigoto expelido, digamos, uma hora depois da fertilização? Se a morte daquela alma se dá em seguida, então a alma não é imortal em todos os casos, o que significa que sua imortalidade não pode ser uma certeza em nenhum; e se, ao contrário, a alma vai para o Céu ou o Inferno, ou para qualquer outro escalão intermediário, somos levados a acreditar que os bispos e arcebispos que pululam além-túmulo são forçados a se associar, e em termos de igualdade, com formas que não aprenderam a pensar ou falar e parecem-se mais com girinos do que com cristãos. 

E se for respondido que todas as almas, depois da morte, evoluem até o mesmo ponto e perdem todas as características da carne, então qualquer esquema imaginável de jurisprudência post-mortem torna-se ridículo. A suposição de que a alma entre no corpo algum tempo depois da concepção apresenta dificuldades tão ou mais sérias, mais vou poupá-los desta tortura. Será suficiente dizer que isto nos força a acreditar que, durante algum tempo, um embrião humano, apesar de vivo, não será um ser humano; ou que um ser humano pode existir sem alma. Ambas as hipóteses me revoltam – Ambas as hipóteses me revoltam – a primeira, como um estudante de biologia; a segunda, como um abnegado súdito de um grande Estado cristão. Todas as respostas dos teólogos profissionais são inadequadas. 


Os católicos tentam driblar o problema despachando as almas dos não batizados a uma espécie de Limbus Infantum, o qual não é nem o Céu nem o Inferno, no que incorrem em petição de princípio. Quanto aos protestantes, eles simplesmente se recusam a discutir o assunto. Sua posição parece ser a de que todo mundo deve acreditar na imortalidade da lama por uma questão de decência e que, quando se chega a isto, os detalhes são irrelevantes. Mas meu apetite pelos detalhes continua a me azucrinar. Tenho de ser naturalmente curioso sobre uma doutrina que, se for provada verdadeira, será da maior importância para mim. À falta de luz sobre o assunto, continuarei acreditando com tristeza que, quando soarem os sinos e dispararem os canhões, e as pessoas se corroerem de dor enquanto meu barro humano estiver sendo embalsamado para ser exposto no National Museum em Washington, terá sido o verdadeiro fim de uma nobre a adorável criatura que, um dia, respondeu pelo nome de Henry.

 -- 1932

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