terça-feira, 23 de maio de 2017

H.L. MENCKEN- A MULHER FRIA



A MULHER FRIA




O talento feminino para esconder a emoção é provavelmente o maior responsável pela convicção de tantos americanos do sexo masculino de que as mulheres são vazias de paixão, e é por isto que eles contemplam suas manifestações do mesmo tipo no macho quase que com horror. Este talento feminino fica ainda mais à vista quando se sabe que poucos observadores, nas raras ocasiões em que pensam no assunto, são propícios a uma observação científica. A verdade é que não há razão alguma para se acreditar que a mulher normal é frígida, ou que a minoria de mulheres inquestionavelmente o são tenham algum peso na balança. É a vaidade dos homens que dá tanto valor às mulheres do tipo virginal, o que faz com que este tipo tenda a crescer pela seleção sexual – mas, apesar disto, está longe de superar a mulher normal, tão realistamente descrita pelos teólogos e publicistas da Idade Média. Seria apressado, no entanto, concluir que esta seleção longa e contínua não se faz sentir, mesmo no tipo normal. 

Seu principal efeito talvez tenha sido o de tornar mais fácil para a mulher conquistar e ocultas suas emoções do que para um homem. Mas este é um mero reforço de uma qualidade inata ou que, pelo menos, antecipou de muito a ascensão daquela curiosa preferência já mencionada. Esta preferência obviamente deve a sua origem ao conceito da propriedade privada e é mais evidente nos países em que a maior concentração de propriedades está nas mãos dos homens – i. e., em que a casta dos proprietários conseguiu descer ao mais baixo estrato dos néscios e dos tapados. O homem de baixo nível nunca tem total confiança em sua mulher, a menos que seja convencido de que ela é totalmente desprovida de suscetibilidade amorosa. Ele fica inquieto quando ela dá algum sinal de responde à alturas às suas maneiras elefantinas, e fica mais desconfiado ainda quando ela reage com chama ao que deveria ser um casto beijo conjugal. Se ele conseguisse se livrar de tais suspeitas, haveria menos tagarelice pública a respeito de mulheres assexuadas, menos livros seriam escritos por charlatões propondo esta ou aquela “cura”, e muito menos formalismo e monotonia no recesso do lar. 

Tenho a impressão de que esta espécie de marido está prestando a si mesmo um péssimo favor, e que ele não gosta de ficar consciente disto. Tendo capturado uma mulher segundo as conveniências do seu gosto austero, ele logo descobre que ela o deprime – que sua vaidade foi quase tão penosamente atingida pela inércia emocional dela como o teria sido por um espírito mais provocante e hedonista. Pois o que mais delicia um homem é ver uma mulher atravessar a barreira da solene submissão, em direito à potência afrodisíaca do seu grande amor – ou seja, o contraste agudo e envaidecedor entre a reserva que ela mentem na presença de outros homens e sua absoluta entrega a ele na intimidade. Isto faz cócegas em sua vaidade. Ao resto do mundo, ela parece remota e inabordável; para ele, ela é dócil, palpitante, efervescente, e até mesmo abandonada. Quanto maior o contraste entre os dois fronts da moça, maior a satisfação dele – até o ponto em que isto levanta as suspeitas do paspalhão. No momento em que ela diminui um pouquinho este contraste em público – ao sorrir para um ator atraente, ao dizer uma palavra a mais a um maître que lhe deu atenção, ao segurar a mão do padre nas despedidas ou ao piscar de brincadeira para o marido de sua irmã --, imediatamente o matuto começa a procurar por bilhetes clandestinos, contrata detetives particulares ou passa a examinar atentamente os olhos, orelhas, narizes e o cabelo de seus filhos com dúvidas vergonhosas. Isto explica muitas catástrofes domésticas.




1921

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