O predomínio do casamento monogâmico no reino de Cristo é comumente
atribuído a considerações éticas. Isto é tão absurdo quanto atribuir à guerras a
mesma consideração. A simples verdade é a de que tais considerações não passam de
deduções extraídas da experiência e são rapidamente abandonadas quando a
experiência se volta contra elas. No presente caso, a experiência ainda está
abundantemente a favor da monogamia; os homens civilizados a preferem, porque
acham que a monogamia funciona. E por que funciona? Porque é o mais eficiente de
todos os antídotos disponíveis aos alarmes e terrores da paixão. A monogamia, em
suma, mata a paixão – e a paixão é o mais perigoso de todos os inimigos da suposta
civilização, a qual é baseada na ordem, no decoro, na repressão, na formalidade, no
trabalho e na disciplina.
O homem civilizado – o homem civilizado ideal – é aquele que nunca sacrifica a
segurança dos seus por paixões particulares. Ele chega à perfeição quando deixa de
amar apaixonadamente – quando reduz a mais profunda de suas experiências
instintivas, do nível do êxtase para o nível de um mero estratagema para municiar
exércitos ou construir fábricas, mandar reformar suas roupas, reduzir a mortalidade
infantil, arranjar mais inquilinos para cada senhoria ou informar a polícia sobre o
que qualquer cidadão pode estar fazendo de dia ou de noite. A monogamia consegue
tudo isto ao destruir o apetite.
Ela força as duas partes contratantes a uma intimidade
tão persistente quanto não atenuada; estão sempre firmemente de acordo em muitos
pontos. Pouco apouco, o mistério do relacionamento se evapora e o homem e a mulher
atingem aquele ponto assexuado de irmão e irmã. Portanto, aquele maximum de
tentação de que fala George Bernard Shaw já contém em si as raízes da sua própria
decadência. Todo marido começa por beijar uma garota bonita (sua esposa) e termina
maquiavelicamente evitando beijar aquela com quem ele partilha diariamente as
refeições, os livros, as toalhas de banho, a carteira, os parentes, as ambições, os
segredos, as doenças e os negócios – um procedimento tão romântico quanto o de
mandar que lhe engraxem os sapatos. Nem mesmo o inato sentimentalismo do homem
consegue superar o desgosto e a chatice disso tudo. E nem mesmo a capacidade
histriônica da mulher pode ver nisto qualquer sombra de volúpia ou espontaneidade.
Os defensores da monogamia, iludidos pelos seus reflexos morais, deixam de
usufruir todas as vantagens que há nela. Considere, por exemplo, a importância moral
de preservar a virtude dos não-casados – ou seja, daqueles ainda capazes de se
apaixonar.
O atual plano para se lidar com, digamos, um jovem de vinte anos é cercá-lo de espantalhos e proibições – para tentar convencê-lo logicamente de que a paixão é
perigosa. Isto é um abuso e uma imbecilidade – abuso, porque ele próprio já sabe que
ela é perigosa; e imbecilidade, porque é impossível sufocar uma paixão lutando contra
ela. A maneira de matá-la é dar-lhe corda sob condições desfavoráveis e
desanimadores -- para verga-la ao chão, pouco a pouco, até reduzi-la a um absurdo ou
horror. Muito mais ainda poderia ser conseguido se fosse proibida a poligamia a estes
jovens antes do casamento, mas permitida a monogamia. A proibição, neste último
caso, seria relativamente fácil de impor, ao invés de impossível, como no outro. A
curiosidade ficaria satisfeita; a natureza sairia da jaula; mesmo o romance teria a sua
chance, 99% dos jovens se submeteriam, mesmo porque seria mais fácil submeter-se
do que resistir a ela.
E o resultado? Obviamente seria louvável – isto é, aceitando-se a atual
definição de louvável. O resultado final, seis meses depois, seria um jovem desiludido e
no cabresto, tão desprovido de paixão quanto um velho de oitenta anos – em suma, o
cidadão ideal do reino de Cristo.
1921
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