quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Brasílio e a dieta do dr. Bellezza-Alexandre Schwartsman

Brasílio e a dieta do dr. Bellezza

Nunca fora um grande atleta, mas Brasílio se sentia ainda mais fraco. Não conseguia sustentar o ritmo das passadas e seus tempos na corrida começaram a subir visivelmente. Preocupado, foi procurar a nova médica, que recentemente se instalara nas vizinhanças, em busca de diagnóstico e tratamento.
Dra. Vilma chamou uma junta de especialistas de sua confiança, em especial o dr. Bellezza, e eles decretaram que a queda de desempenho de Brasílio tinha uma causa simples: desnutrição.
O remédio era a dieta do dr. Bellezza: sete refeições ao dia, ricas em carboidratos e gordura, regadas a doses generosas de refrigerantes e finalizadas com sobremesas variadas.
Não era uma opinião compartilhada por todos os especialistas. Boa parte deles considerava que Brasílio já andava meio gordinho e que o problema, na verdade, resultava de insuficiência cardíaca.
Brasílio, porém, nunca gostara de dietas muito rígidas e lembrava bem como, uns anos antes, havia sofrido de desnutrição por causa de uma piora na qualidade da comida importada, que lhe causara fraqueza considerável.
Não havia, é bom que se diga, nenhuma indicação de que a comida importada tivesse sofrido qualquer deterioração visível nesta ocasião, apesar dos alertas estridentes do Dr. Pombini a respeito.
Seja como for, Brasílio embarcou na onda. Com as sete refeições do dr. Bellezza passou a se sentir muito feliz. Sempre gostara de massas, churrascos, doces, refrigerantes e a sensação de consumi-los por ordem médica, sem culpa, era inigualável.
Não houve, porém, qualquer melhora em sua performance. Pelo contrário, os tempos continuaram a piorar, agora acompanhados de fortes dores musculares.
Voltou à dra. Vilma, que, aconselhada pela junta, não apenas manteve o diagnóstico, como reforçou a dose: agora eram nove refeições e os refrigerantes, antes opcionais, passaram a ser obrigatórios.
O desempenho piorou ainda mais e Brasílio chegou a cogitar consultar outro médico, mas a perspectiva de perder a feijoada de quartas e sábados, a picanha nossa de cada dia, os doces à vontade, assim como a alegria advinda da sensação da barriga permanentemente cheia falaram mais alto e ele manteve a dra. Vilma.
Enquanto os charlatões vociferam, Brasílio agoniza, numa maca imunda do Sistema Único de Saúde
Até que, certo dia, sofreu um colapso. Já não se tratava sequer dos seus tempos na corrida: sua temperatura havia subido, seu peso havia ultrapassado todas as medidas razoáveis (apesar das tentativas da equipe da dra. Vilma de alterar o funcionamento da balança e do termômetro) e o seguro-saúde passou a cobrar prêmios elevadíssimos.
Veio o novo diagnóstico: era mesmo insuficiência cardíaca.
Dra. Vilma colocou a culpa na comida importada (!), mas, mesmo assim, mudou sua equipe, agora chefiada pelo dr. Manoel Cohen, que tentou enquadrar Brasílio numa dieta severa. Cortaram o refrigerante, mas não conseguiram fazê-lo largar dos carboidratos nem da gordura.
Brasílio segue prostrado e os prêmios da seguradora explodiram. Ainda assim, dr. Bellezza e seus asseclas culpam a dieta, mal-e-mal adotada desde o começo do ano, pelos problemas do paciente, aferrados ao diagnóstico de desnutrição, apesar da barriga saliente, e a dra. Vilma ainda resiste aos conselhos do dr. Cohen.
Enquanto os charlatões vociferam, Brasílio agoniza, numa maca imunda do Sistema Único de Saúde.
Fonte: Folha de S. Paulo, 16/9/2015

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