terça-feira, 5 de maio de 2015

O mais importante é O QUE ler. Ou: Hitler, o leitor



Hitler
Certa vez vi o candidato a presidente pelo PCO falar em frente a uma pilha de livros, e soube que ele realmente era um leitor voraz, com mais de três mil volumes na bagagem intelectual. Fiquei perplexo: como pode alguém ler tanto e ainda assim defender o comunismo? Como alguém que é apaixonado pela leitura e defende tanto sua importância na vida das pessoas, tal perplexidade é ainda maior e precisa de uma explicação.
A conclusão inequívoca é que não basta sair lendo inúmeros livros, pois o mais importante é quais livros são lidos, além da honestidade intelectual de quem os lê. O mesmo vale para a educação, tida como uma panaceia por muitos. Qual educação? Eis a questão. Colocar na escola ou mesmo na universidade e achar que resolveu o problema é uma grande balela.
Pensei nisso ao ler a ótima coluna de João Pereira Coutinho na Folha hoje, sobre o leitor Adolph Hitler, cujo suicídio acaba de completar 70 anos. Hitler era um monstro, sem dúvida, mas o paradoxal é que ele era um monstro fabricado por intensa leitura. O problema é que lia muita porcaria, e basicamente no afã de confirmar suas teses já (de)formadas, seus preconceitos.
Ou seja, a grande quantidade de livros lidos não tem ligação alguma com sua qualidade, e é perfeitamente possível alguém ser um leitor voraz e um rematado idiota ou um maluco perigoso. Hitler é prova disso, mas está longe de ser o único. Há vários “intelectuais” com Ph.D. por aí que devoraram centenas ou milhares de livros e nem por isso deixam de passar recibo de idiota (ou canalha). Chomsky é um exemplo claro que vem à mente, assim como Marilena Chaui no Brasil.
Olhando para essas obras, e sobretudo para os sublinhados e anotações dos livros que Hitler terá realmente lido, é possível compreender melhor a sua cabeça destrutiva”, diz Coutinho. Dependendo de quem lê e do que é lido, o efeito pode ser ainda pior. Os livros errados numa mente estranha ou frágil podem ter um resultado explosivo. Resume Coutinho sobre as influências em Hitler:
Deixando de lado o número impressionante de obras de ocultismo e espiritismo que só reforçaram a sua messiânica paranoia, a Hitler interessava sobretudo “meditações” científicas, ou pseudocientíficas, sobre a decadência da Alemanha e a contaminação –material, intelectual, rácica– de que era vítima o povo alemão.
Isso começou logo na Primeira Guerra Mundial, quando um pequeno livro sobre Berlim, da autoria de Max Osborn (ironicamente, um autor judeu), foi lido e relido pelo então cabo austríaco. Em “Berlin”, Osborn defendia uma cidade limpa de “elementos estranhos” que pudessem degradar arquitetonicamente “uma distintiva visão teutônica”. O livro teve uma influência tão profunda em Hitler que, anos mais tarde, nos seus desejos grandiosos de refazer Berlim, era no livro de Osborn que o “Führer” pensava ainda.
E quem fala em corrupção arquitetônica, fala em corrupção internacionalista. O nacionalismo de Hitler encontra-se em autores românticos como Herder ou o referido Fichte? Não, não se encontra: está antes na prosa medíocre de um Otto Dickel que, contra o fatalismo de Oswald Spengler, apelava aos instintos mais primários da nação germânica para que regenerasse o Ocidente.
Por último, a “praga judaica”: como explicar essa funesta obsessão? Com livros, sempre com livros. Não apenas com as obras infames de Stewart Chamberlain ou Henry Ford. Mas lendo –e levando a sério– os avisos de Madison Grant, um autor de terceira categoria, para quem a “raça nórdica” (ou “ariana”, como Hitler preferia chamar-lhe) se deixara abastardar pelo contato com “raças inferiores”. A miscigenação que ocorreu na América Latina era a prova dessa bastardia.
Nos 70 anos da morte de Hitler, escutaremos os clichês recorrentes sobre a ascensão e queda do “monstro”. Mas jamais conheceremos verdadeiramente esse “monstro” se nos esquecermos da singela observação de Walter Benjamin: a biblioteca de um homem é a sua mais fiel (auto)biografia. 
Portanto, estimado leitor, leia sempre, leia mais, tente criar uma rotina de leitura, pois ela sem dúvida pode enriquecer muito a vida, trazer conhecimento e até sabedoria. Mas mantenha sempre em mente o seguinte: a escolha de o que será lido é ainda mais importante. A quantidade não pode substituir a qualidade. Os clássicos não têm esse nome à toa.
E quanto aos filósofos e pensadores políticos, muito cuidado, pois uma mente obtusa pode ser confundida com uma profunda, e o efeito será trágico naquele que não estiver preparado para notar a diferença.
Rodrigo Constantino

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