segunda-feira, 9 de março de 2015

Caio Blinder- Crime e farsa em Moscou

O aparato de segurança e de justiça do regime de Vladimir Putin funciona de forma rápida e eficiente. No domingo, um tribunal de Moscou indiciou dois dos cinco suspeitos habituais presos por suposto envolvimento no assassinato do líder oposicionista Boris Nemtsov, com quatros tiros nas costas, ocorrido em 27 de fevereiro, pertinho do Kremlin, um dos locais mais vigiados na Rússia.
Alguns dos cinco suspeitos habituais são aparentados entre eles e procedentes da Chechênia, no Cáucaso do norte, a volátil região de população muçulmana, onde o Exército russo travou duas brutais guerras contra separatistas desde os anos 90. Hoje, a região está sob controle de Ramzan Kadyrov, um ex-líder rebelde que se bandeou para o lado de Putin.
Kadyrov acusava Nemstov,  que era judeu, de ser um traidor por desafiar o governo e criticar a agressão russa na Ucrânia. Ele, no entanto, nega qualquer envolvimento no assassinato, que Putin qualificou como uma “provocação” para desestabilizar o governo.
No final do domingo, Kadyrov disse que um dos dois indiciados, o ex-policial na Chechênia, Zaur Dadayev, era um “verdadeiro patriota”, um muçulmano devoto que ficara indignado com as charges de Maomé publicadas no jornal satírico Charlie Hebdo. Nemtsov foi solidário ao jornal francês, alvo de atentado em janeiro. De acordo com a juíza no caso, Dadayev já confessou o crime e, segundo as autoridades, um sexto suspeito habitual se suicidou em Grozny, capital da Chechênia. Para dizer o mínimo, o rumo das investigações levanta mais questões do que respostas.
Ninguém pode acusar Putin de inconsistência. Estas prisões de suspeitos habituais seguem o padrão registrado em outros assassinatos políticos na Rússia, com a culpabilidade atribuída a homens da Chechênia e de outros repúblicas do Cáucaso do norte. Os pistoleiros são presos e a farsa é enterrada sem a identificação dos mandantes do crime. O escândalo mais ilustrativo do gênero fora até agora o assassinato da jornalista Anna Politkovskaya, em 7 de outubro  de 2006, data do aniversário de Putin.
O caso de Nemtsov, porém, é bem mais sério. Rompeu um pacto tácito que existia na elite política desde a morte de Stálin, em 1953, de que políticos não devem ser assassinados de forma escancarada. Horas antes de sua morte, Nemtsov, que foi vice-primeiro-ministro nos anos 90, gravara uma entrevista em que denunciava que a “Rússia estava rapidamente se tornando um estado fascista”.
Nemtsov e um ex-primeiro-ministro que se tornou oposicionista, Mikhail Kasyanov, estavam engajados em um projeto para desmascarar a farsa de Putin de que a Rússia não tem soldados diretamente envolvidos no conflito ucraniano ao lado dos separatistas. Dias antes da morte de Nemtsov, Kasyanov disse que o regime morria de medo da “carga 200″, termo militar russo para soldados mortos. A ideia era justamente mostrar as evidências de soldados russos mortos na Ucrânia. Por estimativas de parentes e de grupos de defesa de direitos humanos, já morreram centenas.
A maioria dos russos acredita na agitprop do regime. Pesquisa do grupo independente Levada feita em fevereiro revela que 60% dos entrevistados não acreditam que exista uma guerra entre Rússia e Ucrânia e apenas 1 em 4 acha que há soldados russos no país vizinho.
Dá para imaginar que a maioria dos russos irá comprar a versão oficial sobre os suspeitos habituais envolvidos no assassinato de Boris Nemtsov.

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