sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Somos todos franceses (V)


Somos todos franceses (V)

Coluna fala da The New Yorker, mas não resiste a esta capa acima
Coluna fala da New Yorker, mas não resisti à capa acima
Debate político é muito caricaturado, com rótulos distribuídos com profusão sobre o que é ser de esquerda ou de direita (liberal ou conservador no jargão americano). Eu mesmo não resisto e muitas vezes pego os atalhos retóricos para gerar algum frisson. Nada como um frisson causado por surpresas. A revista The New Yorker é um baluarte dos liberais americanos (esquerda caviar, no rótulo brasileiro). Para mim, é leitura obrigatória, o bagel nosso de cada segunda-feira. A surpresa está no texto publicado no seu site por George Packer sobre o massacre de 12 pessoas em Paris na quarta-feira, um intento de massacrar a liberdade.
Packer fulmina: a chacina em Paris não resultou do fracasso da França para assimilar duas gerações de imigrantes muçulmanos das antigas colônias. Não foi uma reação ao atual papel militar francês no Oriente Médio ou à anterior invasão americana do Iraque. O ato de terror não foi parte de uma onda geral de violência niilista no Ocidente que sofre na economia e está socialmente atomizado. Tampouco dever ser racionalizado como uma resposta ao desrespeito à religião por cartunistas irresponsáveis. Charlie Hebdo é iconoclasta nos seus insultos. Não poupa cristãos e judeus. No entanto, apenas muçulmanos reagiram com ameaças e terror.
O ataque contra Charlie Hebdo foi apenas a última salva de uma ideologia que tenta conquistar o poder por décadas através do terror. A mesma que foi ao encalço do escritor Salman Rushdie a mando da teocracia iraniana, a mesma que matou três mil pessoas nos EUA em 11 de setembro de 2001, a mesma que assassinou Theo van Gogh nas ruas de Amsterdã em 2004 por fazer um filme, a mesma que pratica decapitação e estupro na S íria e Iraque, a mesma que massacrou 132 crianças e adultos em uma escola em Peshawar, no Paquistão, em dezembro. E como observa Packer, é a mesma que mata nigerianos com tanta regularidade, especialmente jovens, a que o mundo mal presta atenção.
No seu texto, Packer elabora que muitos tentam distanciar esta ideologia terrorista do islamismo. Outros se esforçam para colocar a culpa inteiramente no conteúdo teológico do islamismo. Quero enfatizar um ponto. Para Packer, o islamismo inclui hoje uma “substancial minoria” de seguidores que aceitam, isto quando não empreendem, um grau de violência na aplicação de suas convicções, algo que é singular hoje em dia entre as religiões.
E o que fazer? Não basta condenar. Tampouco ajuda alienar os milhões de muçulmanos que repudiam o que está sendo feito em nome de sua religião. A resposta deve ser cuidadosa e talhada para circunstâncias particulares. No caso da França, há uma urgência sobre como impedir que jovens cidadãos franceses e muçulmanos se entreguem a esta ideologia assassina, fazendo “estágio” terrorista no Oriente Médio para depois colocar as lições em prática dentro de casa. Quem deve ser tratado como herói para esta juventude não é um clérigo extremista ou algum líder jihadista psicopata, mas Mustapha Ourrad, o revisor do semanário Charlie Hebdo, de origem argelina, e uma das 12 vítimas da chacina.
Eu ia lendo Packer à espera de uma grande sacada estratégica no combate ao terror islâmico (há textos instigantes dele sobre o papel americano no Oriente Médio). No entanto, ele termina de forma comedida, embora correta. Diz que os assassinos de Paris são soldados em uma guerra contra a liberdade de pensamento e de expressão, contra a tolerância, o pluralismo e o direito de ofender. Os cartunistas morreram por uma ideia. Assim, para George Packer, “todos nós devemos ser Charlie não apenas hoje, mas todo dia”.

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