terça-feira, 13 de janeiro de 2015

CAIO BLINDER- Somos todos nigerianos (adianta?)

Paris fica a 4.700 quilômetros de Lagos, a maior cidade da Nigéria. Em Paris, no domingo, aconteceu a maior marcha da história do país: pela civilização, contra o terror islâmico, em solidariedade às vítimas de dois massacres na semana passada. Precisamos também marchar pela Nigéria, contra o grupo terrorista islâmico Boko Haram, contra seus massacres, por suas vítimas. Falo tudo isto com um pé atrás.
Sem cinismo, mas com realismo, precisamos observar: mais charmoso marchar em Paris do que em Lagos. Os olhos do mundo se voltaram nos últimos dias para a França. Jornalisticamente é assim mesmo. C’est la vie. Os olhos nunca vão se voltar com a mesma intensidade para a Nigéria, assim como não para o Paquistão, onde, em dezembro, o Talibã massacrou 130 crianças e adultos em uma escola na cidade de Peshawar.
Em todo caso, vamos marcar presença. O Boko Haram já sequestrou milhares de pessoas. Tem uma queda por meninas escolares. Acaba de ser acusado de ter realizado o seu maior massacre. E, no entanto, sempre consegue surpreender por seu desempenho ignóbil. As notícias agora são de que “empregou” uma menina, talvez com 10 ou 11 anos, como suicida em um movimentado mercado na cidade de Maiduguri, no nordeste do país, em um atentado no sábado que deixou dezenas de mortos. A dose se repetiu no domingo com o uso de duas adolescentes na cidade de Pokiskum, com pelo menos cinco mortes.
O grupo já usara mulheres como terroristas-suicidas e até agora fracassara no emprego de crianças. Missão finalmente cumprida e isto logo depois de outro feito. A organização Anistia Internacional anunciou que o mais sangrento massacre na história do Boko Haram foi praticado em Baga, uma cidade na fronteira com o Chade, na semana passada ao longo de seis dias. Talvez duas mil pessoas, em sua maioria crianças e idosos, tenham morrido, pois não conseguiram correr com a mesma rapidez dos demais. Os soldados também costumam correr rapidamente na Nigéria, para fugir do Boko Haram ou para praticar seus próprios massacres.
Baga fica perto de uma base regional de contraterrorismo, atacada pelos insurgentes. Em um cenário de horror, as forças governamentais pouco fazem para ajudar os refugiados. Mais de 10 mil nigerianos estão em um campo montado pelas autoridades do Chade, no outro lado da fronteira. Inteiras áreas fronteiriças, também com Camarões e Níger, estão nas mãos do Boko Haram. Sua área de atuação é no norte nigeriano, que em sua maioria é muçulmano, enquanto o sul é mais cristão. O Boko Haram massacra cristãos e muçulmanos. Massacra.
Em geral, as autoridades nigerianas têm falado pouco sobre quase 200 meninas sequestradas em abril pelo Boko Haram (houve uma imediata comoção global, já dissipada). Adversários políticos do presidente Goodluck Jonathan o acusam de lavar as mãos, pois o dantesco nordeste nigeriano, atormentado pelo Boko Haram, é baluarte da oposição.
Goodluck Jonathan, que é cristão, parece muito ocupado com sua campanha eleitoral, buscando um segundo mandato nas eleições de fevereiro. Ao final da semana passada, ele não perdeu tempo para condenar os massacres em Paris, mas não fizera comentários sobre a situação em Baga.

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