quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Caio Blinder- Se fosse em Gaza…

Estou há exatamente uma semana na lenga-lenga do “somos isso, somos aquilo”, lenga-lenga desfechada com a chacina no jornal satírico Charlie Hebdo e que reflete a necessidade de solidariedade com as vítimas do terror islâmico, do centro de Paris aos cafundós da Nigéria.
Quando se trata de política internacional, os brasileiros estão no bloco de “todos somos provincianos”. O mundo em geral fica nos cafundós, raramente provoca comoção da sociedade brasileira. Claro que quando aviões são arremessados contra torres em Nova York, uma guerra explode ou um tsunami irrompe existe uma interesse fugaz. E cadê a comoção agora no Brasil?
Eu sou do bloco que acredita que o 7 de janeiro (data da primeira chacina em Paris) tenha sido o 11 de setembro dos europeus. Ok, não foi um espetáculo visual como a queda das torres, com a mesma quantidade de vítimas, mas a sociedade civil na Europa sentiu o golpe e no domingo passado quase quatro milhões de pessoas marcharam na França. No Brasil, o 7 de janeiro foi mais um 7 de janeiro.
Ocorreram marchas em outras cidades europeias e em várias partes do mundo. No entanto, nem isso no Brasil. Nem um minuto de silêncio? Em Buenos Aires, mil pessoas se congregaram diante da embaixada francesa para expressar solidariedade às vítimas do terror. Tão difícil juntar um punhado de manifestantes para tal na Avenida Paulista?
Atualização às 15:05 de quarta-feira: de fato, um punhado se reuniu na Avenida Paulista (leia aqui). Instituto Blinder & Blainder errou e pede desculpas, especialmente aos participantes das pequenas vigílias e marchas em São Paulo, assim como no Rio e em Brasília
Eu sempre reclamo que em cidades como Londres quando qualquer coisa acontece em Gaza o circo é montado e tem lugar uma marcha contra os “sionistas nazistas”. Existe uma obsessão maligna com Israel. Londres reagiu à altura com a manifestação domingo em Trafalgar Square. A rigor, está em marcha agora na Europa uma dinâmica mais complexa, com diferentes e intensas mobilizações (como na Alemanha, com manifestações de alta intensidade contra imigrantes e outras advertindo contra o risco deste populista nativista). A Europa debate sua identidade.
Obviamente, não devemos esperar tanta intensidade no Brasil sobre os eventos históricos na França, mas os desafios alinhados são universais (religião, terror, liberdade de expressão, acomodação social, direitos e deveres de minorias, etc.). Basta esta listinha solene? No entanto, como escreveu o veterano Clóvis Rossi, no UOL, Paris gerou um silêncio ensurdecedor no Brasil, do Palácio do Planalto à rua.
É verdade que a cobertura da imprensa é de alta intensidade, mas a sociedade parece anestesiada ao que acontece lá fora. Tivemos os chavões de um punhado de acadêmicos e militantes de esquerda denunciando o terror de forma anódina, mas sempre escudados no “mas”, relativizando o mal absoluto. Aqui em VEJA.com, vários dos meus colegas desconstruíram a mensagem vomitada no Brasil de que o Charlie Hebdo passou da conta com seus insultos, ou seja, regular a mídia é preciso.
Não estou no Brasil e posso estar equivocado com minhas impressões. No entanto, em julho/agosto do ano passado quando ocorreu mais uma guerra em Gaza, a comoção na província foi muito mais intensa do que com o 7 de janeiro. Tivemos uma mobilização oficial e da militância de esquerda contra Israel raramente vista. Somos provincianos e muito seletivos na indignação.

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