segunda-feira, 27 de outubro de 2014

VIDA EM CUBA- YOANI SÁNCHEZ- Minhas preocupações


Minhas preocupações


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Preocupa-me este velhinho que depois de trabalhar toda a sua vida agora vende cigarros a varejo na esquina. Também a jovem que se observa no espelho e avalia seu corpo para o “mercado do sexo”, onde poderá encontrar um estrangeiro que a tire daqui. Preocupa-me o negro de pele curtida que por mais que se levante cedo jamais poderá ascender a um posto de responsabilidade por culpa desse racismo – visível e invisível – que o condena a um emprego menor. A quarentona de rugas profundas que paga automaticamente a mensalidade do sindicato mesmo que intua que na próxima reunião lhe anunciarão que ficou sem trabalho. O adolescente da província que sonha em escapar para Havana porque em seu povoadozinho só lhe aguardam a penúria material, um emprego mal remunerado e o álcool.
Preocupam-me as amigas junto das quais cresci e que agora – ao correr das décadas – tem menos e sofrem mais. O chofer de táxi que deve levar um facão escondido sob o assento porque a delinqüência cresce mesmo os jornais se negando a noticiá-la. Preocupa-me a vizinha que vem, na metade do mês, pedir emprestado um pouco de arroz apesar de saber que nunca poderá devolvê-lo. Essa gente que permanece nas cercanias dos açougues até chegar o frango do mercado racionado, pois se não o compram nesse mesmo dia sua família não lhes perdoará. Preocupa-me o acadêmico que cala para que sobre ele não chovam as suspeitas e os insultos ideológicos. O homem maduro que acreditou e já não crê e a quem, contudo, sente terror só de pensar numa mudança possível. O menino que depositou seus sonhos em ir para outro país, para uma realidade que nem sequer conhece, para uma cultura que nem sequer entende.
Preocupa-me as pessoas que só podem assistir à televisão oficial e ler só os livros publicados pelas editoras oficiais. O camponês que esconde no fundo da maleta o queijo que venderá na cidade, para que os controles policiais não o encontrem. A anciã que diz: “isto sim é café” quando a filha emigrada lhe envia um pacote com alguma comida e um pouco de dinheiro. Preocupam-me as pessoas que cada vez estão num maior estado de desamparo econômico e social, que dormem em tantos portais em Havana e que procuram comida em tantos latões de lixo. E me preocupam não só pela miséria de suas vidas, mas sim porque ficam mais a margem dos discursos e das políticas. Tenho o temor, a grande preocupação de que o número de desfavorecidos está aumentando e que nem sequer existem os canais para reconhecer e solucionar sua situação.
Tradução e administração do blog em língua portuguesa por Humberto Sisley de Souza Neto

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