quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Caio Blinder-Em Hong Kong, o atrevimento democrático



Quem se atreve a desacatar a autoridade de Xi Jinping?
Quem se atreve a desacatar a autoridade de Xi Jinping?
Em setembro, a revista The Economist publicou amplo material sobre a China e seu homem-forte, Xi Jinping. Ele está desmantelando o sistema de liderança coletiva e assim se tornou o dirigente mais poderoso desde Deng Xiaoping, o déspota que deslanchou as reformas econômicas no final dos anos 70, mas preservou o monopólio de poder do Partido Comunista (a revista divaga que Xi pode ser o dirigente mais poderoso desde Mao).
Sob Deng, o protesto pró-democracia foi massacrado na Praça da Paz Celestial, em Pequim, em junho de 1989. O temor é que a história se repita novamente como tragédia em Hong Kong, em outubro de 2014. No entanto, por ora, é improvável que Xi Jinping esteja envolvido em decisões operacionais sobre o que fazer com a mobilização, deixando o fardo a cargo da liderança local de Hong Kong, capitaneada por Leung Chun-ying, cuja demissão como executivo-chefe (uma espécie de governador) é exigida pelas multidões nas ruas. A mobilização democrática é justamente por eleições em Hong Kong sem a tutela e o poder de veto de Pequim.
Xi Jinping não queria de forma alguma tal tipo de cenário de desafio à autoridade. Suas prioridades são outras e não estes “pedregulhos” democráticos no meio do caminho. Existe a tentação de ver em Xi Jinping o líder autocrático que terá condições de combater a corrupção e suavizar as desigualdades sociais que vieram com as reformas econômicas (com Mao havia muita igualdade para morrer de fome), além de projetar o nacionalismo chinês no exterior quando o país se converte em superpotência. Aliás, em Hong Kong, além de clamor por democracia, fatores de mobilização são as pressões econômicas e o custo de vida na cidade.
Xi Jinping está aí para ser obedecido e eu não tenho dúvidas que a esta altura da história ele representa o que a maioria dos chineses imagine que seja o melhor para eles: despotismo modernizante e estabilidade.
O atrevido e franzino líder estudantil Joshua Wong
O atrevido líder estudantil Joshua Wong, magrela e com cara de nerd
Xi Jinping não gosta de ser desobedecido. A sociedade civil em Hong Kong (a região tem um status especial na China desde a devolução pela Grã-Bretanha em 1997) desacata a autoridade e se atreve a desmascarar o déspota modernizante. O atrevimento é eletrizante e explode nesta quarta-feira, Dia Nacional, o feriado de fundação da República Popular da China, implantada com a vitória da revolução comunista em 1949.
Este clamor por democracia tem lugar quando a China se torna mais autoritária, esmagando os dissidentes com mais vigor, e assume uma postura mais agressiva no exterior. É um dilema para Xi Jinping, especialmente neste momento, mostrar fraqueza mesmo se entre os que confrontam o sistema esteja Joshua Wong, o líder estudantil de 17 anos, magrela e com cara de nerd, porém com postura ferrenha.
Xi Jinping consolida o seu poder como homem-forte da China. Concessões neste momento o tornariam vulnerável. No entanto, eu ainda acredito que o plano tático das autoridades locais e de Pequim seja esperar que o movimento pró-democracia se esvazie sem necessidade do uso de força extrema. Existe hesitação para jogar pesadamente. É um jogo de paciência sem prazo definido para terminar ou desandar.
Esta mobilização que se agigantou esta semana e fugiu ao controle dos organizadores é o maior desafio político ao regime comunista desde os protestos de 1989. Nosso magrela-nerd Joshua Wong, conversando com uma repórter do jornal britânico The Guardian disse que a “escala de desobediência civil é acima das expectativas”.
Com seu status especial, Hong Kong poderia ser o laboratório para uma transição modernizante no sistema político chinês. No entanto, o que se passa na cidade é visto pelo “partidão” como um desafio a ser removido e, como eu já disse, particularmente agora para Xi Jinping.
A China comunocapitalista tem objetivos econômicos e políticos que colidem. De um lado, Xi Jinping quer manter o sistema econômico aberto para garantir crescimento e estabilidade social. E o crescimento pujante oferece a Pequim um papel de liderança global. De outro lado, existe a meta férrea de preservar o monopólio de poder político do Partido Comunista, ou seja, a própria sobrevivência do regime.
A colisão dos objetivos está à vista, aos olhos do mundo, nas ruas de Hong Kong.

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