segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Caio Blinder-Henry Kissinger e a desordem mundial




Aos 91 anos, o vigor do Doktor K
Henry Kissinger é homem da ordem, nem sempre da lei. Cínico e sicofanta, o judeu alemão trabalhou para o antissemita Richard Nixon e foi cúmplice de momentos sombrios da política externa dos EUA, como a desestabilização do Chile de Salvador Allende e operações clandestinas no sudeste asiático, mas também de lances luminosos com a triangulação com a URSS e China no jogo de poder. Doktor K provoca reações viscerais de ódio e de admiração.
Ao longo da vida, eu já reagi de forma radical (ódio e admiração) a esta figura tão influente no tabuleiro das relações internacionais. Hoje me impressiona muito o vigor de Henry Kissinger. Aos 91 anos, o ex-professor de Harvard, que ocupou o cargo de secretário de estado em dois governos (Nixon e Gerald Ford), está ágil em World Order, o seu novo livro (Penguin Press). Que título sucinto! Que timing! O lançamento é marcado por resenhas da obra e entrevistas do velho bruxo de voz gutural.
O mundo está uma desordem com as convulsões no Oriente Médio, o revanchismo de Vladimir Putin e a China ensaiando sua expansão geopolítica, além da econômica, no Pacífico. Tudo isso diante do retraimento dos EUA depois da hegemonia que prevaleceu após o triunfo da Guerra Fria e à sofreguidão de George W. Bush para esticar a corda (Barack Obama a encurta demais).
Nenhuma supresa que Doktor K atribua a nova desordem mundial, antes de tudo, ao desmonte do estado. Na Europa, é um projeto supranacional, enquanto no Oriente Medio é a desintegração do estado em conflitos étnicos e sectários. Kissinger sendo Kissinger, ele receita o papel vital da liderança americana para preservar a ordem mundial. Ele teme o vácuo deixado por um presidente dos EUA enfraquecido e uma nação desengajada de suas responsabilidades globais.
Este engajamento, porém, deve ser feito através do realismo e não do moralismo. Afinal, Doktor K é um catedrático da Realpolitik. Não se trata de amoralismo, mas do seu tema familiar que a balança de poder não emana de indiferença aos princípios morais, mas do imperativo, igualmente moral, para impedir que os estados destruam uns aos outros. O conceito de ordem mundial descende do sistema de Vestfália, montado depois da brutal violência religiosa que afligiu a Europa na Guerra dos 30 Anos (1618-48). Nada de impor princípios religiosos, nada de interferir nos assuntos internos de um outro país, tudo para administrar a paz entre as nações.
Cabe aos EUA, que Kissinger define como “a superpotência ambivalente”, agir em concerto com outros países (amigos e inimigos) para impedir que as coisas fujam ao controle. O acadêmico Kissinger está de volta ao seu tema predileto: a acomodação realista entre os estados. Camarada com a China, ele acredita que a ascensão da nova superpotência deva ser acolhida com naturalidade desde que não balance demais o coreto.
Kissinger é menos camarada com o Irã dos aiatolás. Ele está preocupado com o futuro das negociações nuclares, pois vê com suspeita um regime teocrático sem muita fé no conceito de acomodação entre os poderes mundiais. Kissinger teme que o fracasso das negociaç ões multilaterais resulte na proliferação nuclear no Oriente Médio e isto quando se forma um “cinturão xiita” de Teerã a Beirute, passando por Bagdá.
Doktor K não esconde suas prioridades na escala de inquietações. Em entrevista à rádio pública americana, a NPR, ele disse considerar o Irã um problema muito maior do que os terroristas do Estado Islâmico. Para Kissinger, o “Estado Islâmico é um grupo de aventureiros com uma ideologia muito agressiva. Mas eles precisam de mais e mais territórios antes de se tornarem uma realidade permanente e estratégica. Eu penso que um conflito com o Estado Islâmico, por mais importante que seja, é mais manejável do que um confronto com o Irã”.
Eu também.

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