segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Caio Blinder- A Arábia Saudita e o fedor da realpolitik


No começo do ano, o presidente americano Barack Obama deu uma extensa entrevista à revistaThe New Y0rker, divagando sobre sua ideia de uma “equilíbrio competitivo” no Oriente Médio. Em uma bruxaria geopolítica ao estilo Henry Kissinger, seria uma especie de balança do poder autorregulatória para substituir a espiral de violência entre sunitas e xiitas e as guerras de procuração empreendidas por Arábia Saudita e Irã.
David Gardner escreveu no Financial Times que a ideia se dissolveu no “coquetetel ácido” de falência de estados no Siraque, da barbárie e da blitz jihadista. Obama foi sugado para este coquetel ácido e agora tenta montar a coalizão para combater o grupo terrorista Estado Islâmico.  E qual é uma peça-chave nesta coalizão? A Arábia Saudita. A raposa foi convocada para colocar um pouco de ordem no galinheiro.
Entre as tarefas atribuídas à Arábia Saudita está a de treinar rebeldes sírios no país, como parte do malabarismo americano de inventar ou reiventar uma terceira via, em contraste ao açougueiro Bashar Assad e aos decapitadores do Estado Islâmico. Não há dúvida sobre o empenho saudita para decapitar o regime de Bashar Assad (afilhado do regime xiita de Teerã) e também de sua inquietação com o Estado Islâmico. Isto, porém, não serve de consolo. O foco saudita é sua competição com o Irã xiita e o regime apoia outros grupos jihadistas.
Em um dos seus primorosos textos no Financial Times, David Gardner também escreveu que os“sauditas perderam o direito à liderança dos sunitas”. A espinha dorsal ideológica do reino saudita é o wahabismo, uma interpretação fundamentalista e puritana do islamismo sunita. Os sauditas exportam petróleo e também está doutrina com a construç ão de mesquitas e de escolas religiosas em todas as partes. Nunca podemos esquecer que os sauditas também foram convocados pelos americanos para colaborar no enxotamento dos soviéticos do Afeganistão há pouco mais de 30 anos. Rebeldes foram treinados e usaram o know-how para fortalecer a rede Al Qaeda (mais tarde, os sauditas reconheceram o Taleban). Dos 19 terroristas no 11 de setembro, 15 eram sauditas.
O reino saudita abomina o Estado Islâmico, assim como o islamismo político da Irmandade Muçulmana (Riad apoiou o golpe militar que derrubou o governo de Mohamed Mursi no Egito). No entanto, na expressão de Gardner, o Estado Islâmico é o “wahabismo com anabolizantes”. Os decapitadores de cabeça consideram a Casa de Saud (o regime que manda em Riad) um desvio teológico. No entanto, estes jihadistas são herdeiros do zelo wahabista, que esmagou a diversidade religiosa na península arábica no século 20. Na Arábia Saudita, não existem igrejas (nem sinagogas, é clar0) e a autorização para a construção de mesquitas xiitas é coisa rara.
A ofensiva wahabista teve um novo alento com a revolução xiita no Irã em 1979 e desde então os sauditas patrocinam seus próprios grupos jihadistas e no jogo geopolítico combatem os movimentos patrocinados por Teerã. Quem é pior? Parece aquele debate estéril sobre Hitler e Stálin. A posição saudita como maior exportador mundial de petróleo, a posição do país como aliado dos EUA desde os tempos de Franklin Roosevelt e o fato de ser contrapeso ao Irã  geraram complacência ou resignação com o reino de Riad no Ocidente. Até os judeus “infiéis” de Israel têm uma aliança de conveniência com os sauditas devido a inimigos comuns como o Irã.
O cenario é simplesmente desolador. De fato, um país como a Arábia Saudita não tem crediblidade para estar na linha de frente do combate ao extremismo islâmico. O absolutismo wahabista, como escreve David Gardner, faz parte do código genético de grupos como o Estado Islâmico. Eu confesso não ter resposta, além de expressar meu desencanto e conformismo com a necessidade de aliança ocidental com um regime abjeto como o saudita.
Renegar os sauditas teria um resultado meramente desestabilizador em uma região do mundo convulsionada. Não se trata apenas da importância do seu petróleo (embora haja um pouco menos de dependência), mas do seu peso geopolítico. O preço a pagar por atribuir um papel respeitável aos sauditas na luta contra a barbárie islâmica é a desmoralização da causa, uma menor chance de êxito e a constatação de que a realpolitik fede.

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