
James Foley (1973-2014)
Pouco mais de 12 anos separam dois espetáculos da barbárie do terror islâmico, dois jornalistas americanos, duas decapitações, dois vídeos. Em 22 de fevereiro de 2002, o consulado americano em Karachi, no Paquistão, recebeu o vídeo da execução de Daniel Pearl, o repórter do Wall Street Journal, que fora sequestrado um mês antes por militantes locais e entregue para a rede Al Qaeda. Seu executor foi o superterrorista Khalid Sheikh Mohammed, mais tarde capturado e hoje sob custódia militar americana em Guantánamo.
Um vídeo hoje não precisa ser entregue fisicamente. Na terça-feira, militantes do Estado Islâmico divulgaram no YouTube a execução do jornalista americano James Foley, que estava desaparecido na Síria desde novembro de 2012. Leitores podem perceber como estou evitando adjetivos, hipérboles ou brados de indignação. Será realmente preciso escrever um editorial denunciando a barbárie do terror islâmico?
A situação é tão absurda que existe um debate sobre métodos de barbárie. Divulgações de decapitações e crucificações são componentes proeminentes na atuação do Estado Islâmico, não apenas como intimidação, mas para o recrutamento de militantes. Trata-se de um corte (sorry, pelo trocadiho) com os métodos da Al Qaeda, que hoje parece um grupo de escoteiros diante dos novos astros da barbárie (meu temor é que a Al Qaeda agora tente recuperar o tempo perdido).
Em 2005, Ayman al-Zawahiri, o então vice da Al Qaeda e hoje chefão da gangue, enviou uma carta a Abu Musab al-Zarqawi, líder do grupo no Iraque (que na sua mutação deu no atual Estado Islâmico), dizendo que não deveriam mais ser divulgadas imagens de execuções de reféns. Nas palavras de Zawahiri: “Muçulmanos nunca vão considerar as imagens palatáveis”. E os não muçulmanos? “Grupos de escoteiros” como Hamas e Hezbollah também evitam a degola.

Daniel Pearl (1963-2002)
Muitos recrutas do Estado Islâmico são jovens criados no Ocidente, que provavelmente assistiram na Internet a vídeos de degola e a outros atos de violência exacerbada antes de se juntarem a grupos extremistas. O assassino que aparece no vídeo com a vítima James Foley tem um sotaque britânico.
Da minha parte, jamais divulgarei imagens de execuções que promovam a causa de terroristas. Sou a favor do blecaute (quixotesco) nas mídias sociais do material de ódio, glorificação da desumanização e propaganda do Estado Islâmico e similares. Aqui um debate sobre a questão da divulgação do espetáculo da barbárie. Minha opção foi pela publicação na coluna de fotos dignas dos dois jornalistas, não sendo atormentados e executados pelos verdugos. Foley e Pearl são símbolos da prática da barbárie, mas não podemos ficar nisso.
Especialmente vulnerável ao terror islâmico por ser judeu, antes de ser ceifado, Daniel Pearl disse: “Em Bnai Brak, em Israel, existe uma rua chamada Haim Pearl, o nome do meu bisavô”. Haim, que, por sinal é o meu nome judaico de batismo, significa vida (tem também a grafia “chaim”). Em um livro sobre Pearl, Bernard-Henri Lévy observou que a frase fora um resgate deliberado de um específico e orgulhoso passado que impediu seus algozes de o reduzirem a um mero símbolo.
Já Foley cresceu em uma família profundamente católica no estado de Nova Hampshire. Em 2011, quando cobria a insurreição na Líbia, ele passou 44 dias no cativeiro, após ser sequestrado por soldados do regime Khadafi. Foley disse que sua fé permitiu que tolerasse a agonia, ao lado de Clare Morgana Gillis, que também era refém. No ano seguinte, Foley foi para a Síria cobrir a guerra civil, sendo novamente sequestrado. No entanto, desta vez…
O jornalista francês Nicolas Hénin, libertado em abril e que foi companheiro de Foley por um tempo no cativeiro, disse que ele foi submetido a um tratamento particularmente brutal pelos terroristas por ser americano.
Que em todas as partes do mundo, além de meramente viverem, jornalistas como Daniel Pearl e James Foley possam trabalhar com segurança, liberdade e dignidade.
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