sexta-feira, 25 de julho de 2014

Caio Blinder-Dilma circula com o fantasma de Oswaldo Aranha






Foto do diplomata brasileiro Oswaldo Aranha

Há quase três anos (19 de setembro de 2011), eu publiquei o texto abaixo, um texto didático, explicando os motivos para o Brasil estar no centro do palanque das Nações Unidas. O texto também apresentava um quadro desolador da crise entre Israel e palestinos. Em julho de 2014, está patente como as coisas afundaram ainda mais no poço do Oriente Médio e da diplomacia brasileira. Está ainda mais difícil  enxergar o anão diplomático brasileiro devido a mais este vexame oportunista de condenar Israel por suas ações em Gaza, enquanto o governo (este e o anterior) é pródigo para ser cúmplice de gigantes ditatoriais pelo mundo afora, ser complacente com grupos terroristas como o Hamas e atuar de forma venal no seu próprio quintal latino-americano. O fantasma de Oswaldo Aranha deve estar mais assustado do que nunca.
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Nesta quarta-feira, a presidente Dilma Rousseff será a primeira mulher a abrir a assembléia-geral das Nações Unidas, em Nova York. Bacana! Ela deve o privilégio não por ser mulher, mas por ser brasileira. Deve ao então chefe da delegação brasileira, Oswaldo Aranha, que foi o primeiro orador na assembléia especial de 1947. A tradição de outorgar a primeira palavra ao Brasil foi mantida. Dilma dará o apoio explícito ao lance do presidente palestino Mahmoud Abbas de pedir o reconhecimento do estado palestino nas Nações Unidas. A questão palestina dará o tom explosivo desta assembléia-geral.
Quem sabe toda esta confusão palestina (e toda esta discurseira) poderia ter sido evitado. Mais bacana foi o que fez Oswaldo Aranha na presidência da assembléia especial de 1947. Aranha conduziu a assembléia com maestria para que fosse aprovada a resolução 181, em 29 de novembro, por 33 votos a favor (inclusive o do Brasil,), 13 contra (com todos os países islâmicos e árabes que votavam na ocasião) e 10 abstenções. A expressão-chave da resolução 181 é PARTILHA do território que estava sob mandato britânico em um estado judeu e um estado árabe. Os sionistas aceitaram. E os árabes, num erro estratégico (mais um), rechaçaram.
Os judeus tinham representatividade através da Agência Judaica que já forjara as instituições de um estado. Os árabes sintomaticamente optaram por não criar um órgão governamental palestino de caráter autônomo. Os palestinos eram representados pelo Alto Comitê Árabe que rejeitou a partilha junto com os países árabes com a promessa de afogar o estado judeu “nos rios de sangue”. Nada de partilha, nada de judeus naquelas terras. Os árabes, por outro lado, no mesmo 1947, não tiveram problemas para aceitar a partilha do subcontinente indiano entre a Índia e o Paquistão muçulmano.
Em 14 de maio de 1948, David Ben-Gurion proclamou a independência de Israel e os árabes foram à guerra. Guerra é guerra e os palestinos perderam parte do território original do estado alocado pelo plano de partilha das Nações Unidas. Qualquer acordo diplomático terá por base as linhas pós-armistício de 1949 ou pré-guerra de 1967. Aliás, cuidado, se o presidente palestino Mahmoud Abbas, como fez dias atrás, denunciar no seu discurso na ONU nesta sexta-feira os 63 anos de ocupação israelense. Neste caso, o pecado original é a própria criação de Israel em 1948.
Alguns podem perguntar o motivo de toda esta lenga-lenga histórica. Mais importante, afinal, é discutir o presente e o futuro. Mas é vital ver de onde os palestinos (e os árabes, por extensão) vieram e sua história de fracassos. Eles não derrotaram Israel pela guerra ou pelo terror. Na diplomacia, foram os erros estratégicos. Além da recusa da partilha em 1947, houve a perda de mais territórios, em 1967. São décadas de recusa de aceitação da fórmula de troca de paz por terra.
Sim, o estado de Israel é mal servido pela atual coalizão de governo, chefiada por Benjamin Netanyahu. Dá para aceitar em certa medida a exasperação palestina e árabe com o obstrucionismo israelense. Mas a enrolação de Netanyhau (que no processo de paz prefere o processo à paz), no final das contas, é a desculpa para árabes e palestinos não aceitaram o que é possível fazer em termos de partilha territorial.
Vamos além: ainda não aceitaram que Israel e os judeus pertencem ao Oriente Médio, apesar de acordos como os firmados pelo Egito e Jordânia. Antecessores de Netanyahu, como Ehud Barak e Ehud Olmert, um trabalhista e o outro de direita, foram até onde era possível nas concessões israelenses. Yasser Arafat e Mahmoud Abbas rejeitaram os planos. Aliás, nem se quisesse, Abbas, acantonado na Cisjordânia, poderia cumprir qualquer acordo enquanto os terroristas do Hamas controlarem Gaza.
Agora é esta jogada desesperada de Abbas nas Nações Unidas. Ela altera a dinâmica diplomática. Para quem é muito otimista, o solavanco poderá romper o imobilismo nas negociações. Mas nunca subestime o potencial de desastres no Oriente Médio. Ideal seria alguma costura ao longo da semana envolvendo europeus e americanos para impedir um estrago incalculável do tecido diplomático. Saudades da habilidade de Oswaldo Aranha. Difícil partilhar hoje o sentimento dos otimistas.
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