Que é um cristão?
Hoje em dia não é bem assim. Tem-se de ser um pouco mais vago quanto ao
sentido de cristianismo. Penso, porém, que há dois itens diferentes e
essenciais para que alguém se intitule cristão. O primeiro é de natureza
dogmática — a saber, que tem-se de acreditar em Deus e na imortalidade. Se não
se acredita nessas duas coisas, não penso que alguém possa chamar-se,
apropriadamente, cristão. Além disso, como o próprio nome o indica, deve-se ter
alguma espécie de crença acerca de Cristo. Os maometanos, por exemplo, também
acreditam em Deus e na imortalidade, no entanto, dificilmente poderiam
chamar-se cristãos. Acho que se precisa ter, no mínimo, a crença de que Cristo
era, se não divino, pelo menos o melhor e o mais sábio dos homens. Se não
tiverdes ao menos essa crença quanto ao Cristo, não creio que tenhais qualquer
direito de intitular-vos cristãos. Existe, naturalmente, um outro sentido, que
poderá ser encontrado no Whitaker’s Almanack e em livros de geografia, nos
quais se diz que a população do mundo se divide em cristãos, maometanos,
adoradores de fetiches e assim por diante — e, nesse sentido, somos todos
cristãos. Os livros de geografia incluem-nos todos, mas isso num sentido
puramente geográfico, que, parece-me, podemos ignorar. Por conseguinte, julgo
que, ao dizer-vos que não sou cristão, tenho de contar-vos duas coisas
diferentes: primeiro, por que motivo não acredito em Deus e na imortalidade e,
segundo, por que não acho que Cristo foi o melhor e o mais sábio dos homens,
embora eu lhe conceda um grau muito elevado de bondade moral.
Mas, devido aos esforços bem-sucedidos dos incrédulos no passado, não
poderia valer-me de uma definição de cristianismo tão elástica como essa. Como
disse antes, antigamente ela possuía um sentido muito mais vigoroso. Incluía,
por exemplo, a crença no inferno. A crença no fogo eterno do inferno era
cláusula essencial da fé cristã até tempos bastante recentes. Neste país, como
sabeis, deixou de ser item essencial devido a uma decisão do Conselho Privado
e, por causa dessa decisão, houve uma dissensão entre o Arcebispo de Cantuária
e o Arcebispo de York — mas, neste país, a nossa religião é estabelecida por
ato do Parlamento e, por conseguinte, o Conselho Privado pôde sobrepor-se a
Suas Excelências Reverendíssimas e o inferno deixou de ser coisa necessária a
um cristão. Não insistirei, portanto, em que um cristão deva acreditar no
inferno.
Bertrand Russell
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