LUGAR ESTRANHO
Hoje
despertei num lugar estranho; cama e móveis desconhecidos, quarto sufocante. O
galo não cantou. Quando terminei de abrir os olhos, ouvi uma sirene e alguém
bateu à porta: entrou por ela um jovem com aparência aborrecida, fala rouca e
baixa.
-Antes
que o senhor pergunte onde está eu lhe digo; no inferno! Aqui neste papel estão
descritas as regras gerais do Reino do Capeta e todos os horários e
compromissos. E caso falhe em alguma das obrigações o castigo será em dobro e
assim por diante. E não ouse falar alguma coisa!
Fui
lendo a bula do inferno:
6h-
Café da manhã acompanhado de pães de aranhas secas;
7h-
Momento chibata;
8h-
Banho de salmoura;
9h-
Gargarejo com pimenta malagueta;
10h-
Vômitos induzidos ao som de Ravel;
11h-
Massagem especial com urtiga;
12h-
Almoço servido dentro de um cão morto;
13h-
Pequena siesta no refrigerador, 10 graus negativos;
14h-
Corrida de uma hora pelo deserto, 70 graus centígrados;
15h-
Passeio pelo inferno no ônibus da comunidade. O guia será o patrão;
16h-
Recepção aos recém-chegados, com direito aos novatos tomarem pedradas e choques
da galera mais antiga, não mui diferente de certos trotes de universitários;
17h-
Sauna;
18h-
Culto com os padres e pastores residentes;
19h-
Churrasco de bago de touro;
20h-
Discurso do mais velho capeta;
23h-
Recolhimento
Muito
bem, com a lista em mãos fui para o café da manhã com aranhas secas. Era enorme
o refeitório; apanhei minha bandeja e entrei na fila. Nela tinha café, manteiga
e os tais pães de aranhas secas. Mas não eram aranhas secas e sim castanhas
secas. O comprador do inferno era cego e comprou por engano toneladas de
castanhas, quando o certo seriam aranhas indianas. Saciada a fome, dirigi-me ao
salão da chibata para receber meu castigo. Fui jogado numa mesa fria de latão,
amarrado de bruços e de boca tapada.Mas tive sorte,o cara da chibata deu apenas
duas e desistiu:sofria de bursite e sentia mais dor do que eu. Fiquei de papo
até terminar meu horário e saí. Com o lombo são, saltei na banheira de
salmoura,tomando cuidado para não entrar água nos olhos.Foi tranqüilo.No
Departamento Gargarejo com Pimenta foi até bom.Após dois minutos de gargarejo a
gente recebia uma cerveja gelada pra acompanhar. Ali o diabo não era bem um
diabo. Deu 10h e lá estava eu para vomitar ao som de Ravel.Mas a especialista
não compareceu pois estava com a gripe suína.Fiz um tempo e me apresentei para
a tal massagem com urtiga.Mas urtiga mesmo era um por cento,o resto era creme
hidratante.Até gostei.Meio-dia,hora do almoço servido dentro de um cão
morto.Entrei na fila com meu bandejão, antevendo a catinga que iria ter que
aturar.E não podia reclamar.Como não vi nada de cão morto,perguntei ao
cozinheiro que fumava na ala própria:
-E
o cão morto?
-Está
no pastel, respondeu ele.
Não
comi o pastel, então almocei tranqüilo. Fiz uma pequena pausa e segui para o
freezer, o tal de 10 graus negativos. Um pouco antes havia lido num pequeno
quiosque: Alugam-se Casacos. Encostei-me no balcão e pedi o preço do aluguel
por uma hora.
-Dez
tabefes nas bochechas e um puxão de orelhas - sou viciado nisso, falou para mim
o diabinho que ali atendia. E tem bônus de meias de lã!
Bem,
tomei meus bofetes, apanhei meu casaco e entrei no freezer. Como estava bem
agasalhado não foi difícil suportar o frio por uma hora, ajudado por alguns
exercícios. Ao sair do gelo fiquei sabendo que a corrida pela deserto estava
cancelada; uma chuva providencial chegou para poupar o meu corpo de tão
estafante esforço.Descansei até a chegada do ônibus que faria o tour infernal.
O
capeta de guia estava todo posudo de terno e gravata, livro negro debaixo do
braço, barba feita e perfumado tal qual quarto de puta. Conheci todos os fornos
movidos a carvão e os modernos já aparelhados com energia nuclear. Os prédios
principais do recinto infernal estavam em bom estado,pelo jeito receberam uma
pintura recente.Achei muito interessante o campo de treinamento para novos
diabinhos.Como apanhavam e batiam! Cursos de graduação para linguarudas. Estava
lotada a arena onde seriam recepcionados os recém-chegados ao inferno. Atirei
apenas uma pedrinha de nada,pois tinha diabo de olho em mim.Mas vi gente
arremessar pedra de quilo e pilhas Raiovac.Quando peguei os apetrechos para ir
à sauna fui chamado pelo diabinho da recepção,que apavorado,analisando um
formulário amarelo, me disse: “o senhor pode retornar ao mundo terreno.Foi um
grande engano.Aqui no inferno,os diabos também erram.” Quando quis pedir como
seria a transição,apaguei.No momento,estou no hospital me recuperando de um
infarto.Mas não sei se conto essa história para alguém.
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