quarta-feira, 26 de abril de 2017

JANER CRISTALDO- BATALHA NO JARDIM DO REI

BATALHA NO JARDIM DO REI


Por si os álamos, Alex, são apenas álamos altos. — Paulo Bisol, Os Álamos

12 de maio de 1971 é uma data histórica para muitos stockholmare, de profunda significação democrática. Técnicos em urbanização tentaram executar naquele dia uma decisão tomada após meses de planejamento: serrar quatro olmos centenários do Kungsträdgården (Jardim do Rei) para construir uma estação de metrô. Mal chegaram os operários encarregados do trabalho na praça, alguns freqüentadores impediram o “ato criminoso” e reuniram imediatamente, através de contatos telefônicos, uma pequena multidão. A polícia tentou intervir, inutilmente. Os estocolmenses permaneceram alguns dias em vigília cívica, fizeram fogueiras e compuseram canções. A terminal de metrô foi esquecida, árvore alguma foi derrubada. A partir do incidente foi elaborada uma peça teatral, gravou-se um long-play e um jornal foi criado, Almbladet, A Folha de Olmo. Os contestatários insurgiam-se contra os “abusos da tirania”. Algumas frases de Almbladet:
“A luta pelos olmos é também uma luta por uma democracia mais autêntica.”
“Serrar os olmos teria sido democrático? A salvação dos olmos foi uma vitória da democracia.”
Telegramas de todo o país, brevemente endereçados a Bosque de Olmos, Kungsträdgården, Estocolmo, felicitavam os amigos dos olmos pela “vitória contra a burrice e o abuso de poder”, pelas “exigências do povo contra a linguagem do poder”, pelo “violento golpe desferido à burocracia”. Outros desejam “êxitos na democrática luta pelos olmos”. Até hoje, a então fundada Sociedade Amigos dos Olmos mantém-se vigilante para impedir qualquer atentado feito às árvores em questão. Membros são escalados para vigiá-las 24 horas por dia. Em caso de qualquer ameaça, uma cadeia telefônica é rapidamente acionada para salvar os olmos e a democracia.
A batalha dos olmos foi liderada pelo grupo Alternativ Stad (Cidade Alternativa) que pretende salvar Estocolmo da fúria dos planejadores do trânsito e da indústria imobiliária. Stockholm ska vara bilfri, Estocolmo deve ser livre de automóveis, é sua bandeira de lutas. Sua primeira preocupação: devido ao desenvolvimento urbano, a cidade — construída sobre 14 das 34.000 ilhas do arquipélago — dispõe de apenas 80 metros quadrados de área verde por habitante. (Porto Alegre, com a mesma população, dispõe escassamente de um metro quadrado por cabeça.) Em 24 de agosto de 69, organizou-se o Dia sem Automóveis. Milhares de estocolmenses deixaram seus carros na garagem e saíram a pé pelas ruas, gozando o silêncio e a pureza do ar. “365 dias por ano sem automóveis”, “carros ou homens”, diziam os cartazes. Mas como a manifestação prolongava-se além do horário permitido pelas autoridades e iniciava a atrapalhar o tráfego de curiosos que observavam, de seus carros, o protesto, a polícia expulsou com violência os pedestres das ruas que cercam Sergeltorget.
Enquanto Alternativ Stad e simpatizantes lançam-se contra o automóvel e protegem os olmos, os últimos vestígios de individualidade ainda existentes em Svensson vão sendo eliminados através de um planejamento urbano e arquitetura concebidos exatamente para isso. “Planejamento urbano, diz Ingrid Jussil, ideóloga social-democrata, precisa enfatizar o coletivo. Podemos conseguir isto forçando o povo ao contato um com outro. Desta forma, podemos, por exemplo, socializar a criança desde pequena. A sociedade tem que decidir como o povo deve viver.”
“Após a revolução de 17, os russos forçaram habitantes da cidade e do campo a viver em imensos blocos de apartamentos. Esta política não só facilitava a espionagem e controle como também encorajava um modo coletivo de pensar. As casas privadas foram banidas, pois poderiam encorajar o individualismo burguês.” (9) Da mesma forma, a casa é vista com maus olhos na Suécia. A municipalidade, através de legislações sucessivas, atribuiu-se a si o direito de aprovação e eventual alteração dos projetos de construção, como também a prerrogativa de decidir quem vai construir e o que será construído.
Segundo Lennart Holm, diretor-geral da Superintendência do Planejamento Nacional, “imóveis isolados são prejudiciais. Encorajam a estratificação social, e queremos evitar isso. Não podemos permitir que o povo preserve suas diferenças. O povo precisa renunciar ao direito de escolher seus próprios vizinhos.”
Os ideólogos social-democratas consideram a arquitetura e planejamento urbano como instrumentos para transformação da sociedade na direção estabelecida pelo partido. “Arquitetura — diz Huntford, com a anuência dos arquitetos — tornou-se um instrumento do Estado e agente de sua ideologia. A função do arquiteto é oficialmente definida como modificar a sociedade.”
Svensson é coagido — tanto através dos círculos de estudo da ABF como da política de concessão de créditos para construção da casa própria — a optar pelos centros de serviços coletivos. Tais centros são quarteirões autônomos com lojas, farmácias, restaurantes, cafés e uma praça central. Os edifícios possuem centros de lazer, creches, restaurantes e instalações para lavagem de roupas, de uso comum de seus moradores. “Nosso sistema educacional visa a socializar o povo em idade ainda tenra — diz o prof. Bror Rexed. — E aos jovens repugna a idéia de casas privadas longe do centro. Eles aprenderam que isolamento não é bom e querem transferir-se para o centro.”
Huntford relata uma conseqüência caricatural desta política. EmSvappvaara, já além do círculo polar Ártico, onde a densidade populacional é de um habitante por milha quadrada, foi criada uma cidade cujo centro é um comprido bloco de apartamentos de quatro andares e mais de 200 metros de ponta a ponta. Em 65, Svappvaara abrigava 600 pessoas. Espaço não faltava para casas, jardins e sítios. Mas, conforme declarações de um jovem arquiteto da Superintendência do Planejamento Nacional, “viver em casas separadas provoca isolamento e restringe os contatos. Eu estou interessado na vida coletiva e quero ver isso difundido. Removendo as facilidades do lar e transferindo-as para dependências coletivas, pode- se forçar o povo a viver em comunidade. Então eu quero ver mais restaurantes coletivos, onde todos comem juntos. Não existe nada tão isolante como a refeição familiar feita em conjunto, entre quatro paredes”.
Ainda segundo Huntford, o arquiteto sueco não é mais um artista, mas um sociólogo. A estética é sacrificada em favor da funcionalidade. “Uma arquitetura anônima deve ser a conseqüência lógica de um estilo anônimo de vida.” O jornalista sul-africano reforça sua tese citando o arquiteto T. Ahrbohm:
— Simpatizo com a arquitetura anônima e desaprovo construções que são monumentos a quem as concebe. Housing não é a expressão da personalidade de um arquiteto, mas um instrumento da sociedade. Deve promover mudanças.

 DA OBRA  O PARAÍSO SEXUAL DEMOCRATA-JANER CRISTALDO- 

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