quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Livre para morrer: a eutanásia da paratleta Marieke Vervoort Por Thiago Kistenmacher

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Há poucos dias o jornal francês Le Monde apresentou uma matéria intitulada L’euthanasie au détour des Jeux paralympiques de Rio sobre o caso da paratleta Marieke Vervoot que, desde sua adolescência, é atormentada por uma doença degenerativa. Por isso, depois de tanto sofrer, ela optou pela eutanásia. A despeito de ser uma decisão de foro íntimo, sabemos que o tema é polêmico e, em sociedade, abrange tanto a questão individual, quanto a estatal e a religiosa. Em suma, é um debate sobre a liberdade.
No entanto, independente disso, a paratleta Marieke Vervoort informa que esta será sua última Paralimpíada. De acordo com o Le Monde, “A doença degenerativa muscular incurável com a qual ela vive desde sua adolescência se agravou e lhe impede de continuar seus treinos rigorosos necessários para a prática do esporte em alto nível”. Nas palavras da própria Marieke Vervoort: “Minha doença degenerativa progride e não há nenhuma chance de melhora […] Eu sinto que meu corpo não é mais capaz. Eu adoro estar na minha cadeira, mas eu perco a consciência frequentemente durante os treinos por causa da dor. Meu corpo me diz: pare!” Só ela sabe pelo que passa.
Aliás, cabe salientar aqui que a presente discussão trata única e exclusivamente de um caso de eutanásia de uma pessoa com sua capacidade argumentativa e razão em perfeito estado. Logo, não misturemos temas como o aborto, pena de morte, eutanásia para sujeitos em situação de coma e suicídios, por exemplo. Esses são temas que estão em outro departamento cujos envolvidos não se encontram na mesma condição de Marieke Vervoot.
Ela está com a consciência em tão perfeito estado que, como lemos na reportagem, além de sorrir e tratar da questão com naturalidade, diz que tem vários planos para quando encerrar sua carreira esportiva, como “viajar, escrever um segundo livro, talvez abrir um museu para contar sua história” e que só “quando os sofrimentos não forem mais suportáveis e seu corpo estiver próximo de quebrar, ela receberá a eutanásia.”
Marieke Vervoort não vai tomar a decisão logo após os jogos, como anunciou em uma conferência de imprensa feita no Rio de Janeiro. A paratleta declarou que “Quando chegar o momento em que houver mais dias ruins do que bons, então eu terei meus papéis da eutanásia em mãos.” Aliás, ela ressalta que se não os tivesse – pois conseguiu a autorização em 2008 – teria se suicidado há muito tempo. Paradoxalmente, aqui a eutanásia parece ter lhe concedido alguns anos de vida.
A belga afirma que estava muito preocupada antes de ter os papéis, pois em seu país o processo para conseguir tal autorização é longo e difícil. Existem vários processos pelos quais os suplicantes devem passar. “Não encontramos estes papéis em lojas”, brinca. Na Bélgica a eutanásia é permitida desde 2002. Lá os médicos podem auxiliar o paciente desde que ele tenha uma situação irreversível e esteja em sofrimento mental e físico constante.
Conforme reportagem do jornal Correio Braziliense, que discutiu a questão da eutanásia no Brasil, na Bélgica esta “relação entre o médico e o paciente precisa ser longa, e é preciso que o paciente manifeste desejo de morrer.” [1] Assim, como noticia o Le Monde, quase 1500 pessoas escolhem morrer por eutanásia a cada ano, sendo que a maioria delas é de pessoas com câncer e que, de acordo com estatísticas de 2013, as vítimas de transtornos mentais somam apenas 5% dos casos.
No Brasil a eutanásia é crime. Por isso a discussão deveria transcender o âmbito jurídico e estatal e levar em consideração situações como o da paratleta Marieke Vervoot, que vive o drama para além dos códigos de lei. Aliás, ela diz esperar que seu caso prove que “a eutanásia pode garantir a serenidade e até mesmo ajudar a prolongar a vida.” E também que seu caso “inspire outros países a introduzir essa legislação.” Como ainda não existe nenhum método para transferir a dor de quem passa por isso para aqueles que proíbem o processo da eutanásia em condições como a dela, seria fundamental que a discussão não fosse colocada no ostracismo e tratada como tabu.

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