segunda-feira, 9 de maio de 2016

O “iminente colapso” da Venezuela JORGE ALMEIDA FERNANDES



A Venezuela reúne todas as condições para uma catástrofe que, para lá dos efeitos internos, ameaça produzir uma onda de choque em grande parte da América do Sul. Um laço fatídico liga o “iminente colapso económico” ao monopólio do poder pelo governo “chavista” de Nicolás Maduro, que bloqueia todas as tentativas de transição e acelera a corrida para a catástrofe.

Comecemos pela economia, que aqui comanda a marcha das coisas. A Venezuela tem as maiores reservas de petróleo do mundo. Há 35 anos era o país mais rico da América Latina. Hoje, candidata-se a tornar-se no mais pobre. “A economia da Venezuela apaga-se”, escreve o economista Leonardo Vera, professor na Universidade Central de Caracas. Resume: o FMI assinala uma queda de 8%, no PIB [em 2015], o maior retrocesso a nível mundial, dentro de uma tendência acumulada de três anos consecutivos de contracção económica. Terá perdido no final do ano, em relação a 2013, um terço do seu PIB por habitante. As empresas param por falta de energia e peças. Faltam alimentos básicos. Morrem nos hospitais doentes por falta de medicamentos e materiais. É o limiar do insuportável.

Um estudo de três universidades venezuelanas indica que 74% das localidades caíram abaixo da linha da pobreza, contra 31% em 2013. É o único país do mundo com uma inflação de três dígitos — cerca de 600% em 2015. O país está a cair na “armadilha da pobreza”, a partir da qual dificilmente conseguirá recuperar.

Nada disto é novidade para quem leia os jornais.
Chávez e o petróleo

Temos de fazer uma alusão a Hugo Chávez. Ele introduziu uma mudança irreversível: a incorporação das massas pobres na cena política. Por outro lado, “foi o primeiro governante de esquerda com veleidades revolucionárias a dispor de uma enorme massa de recursos”, observou o antigo guerrilheiro salvadorenho Joaquin Villalobos. A renda petrolífera não jorrou apenas sobre os bairros pobres, atingiu Cuba, a Bolívia, a Nicarágua, as Caraíbas — foi a base da política internacional “bolivariana”.

Menos conhecido é o modo como o “chavismo” destruiu a “galinha dos ovos de ouro”, a Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA). Após a derrota da greve nacional dirigida contra Chávez pelos sindicatos do petróleo em 2002-3, a elite dos trabalhadores (75%) foi substituída por chavistas fiéis. Na era das “vacas gordas”, o petróleo financiou as políticas sociais de Chávez mas o futuro não foi preservado. Quando Chávez morreu, em 2013, a degradação da PDVSA já era notória e a produção descia por falta de reinvestimento e de manutenção. A produção caiu para metade, triplicou o número de trabalhadores. Hoje, a PDVSA está altamente endividada.

O esbanjamento de recursos, o desinvestimento, o desinteresse pela indústria e a “corruptocracia” fazem hoje sentir devastadores efeitos. O intervencionismo estatal foi um “suicídio económico”. Caracas chegou à era do petróleo barato praticamente falida, sem as imensas reservas financeiras de que outrora dispôs. A seca e o preço do petróleo são o golpe de misericórdia, não a causa.

Maduro não é Chávez. O “bolivarismo” não resistiu à morte do caudilho, o único com legitimidade para tentar mudar o curso das coisas. Pelo contrário, o pânico de “trair o legado de Chávez” paralisa os sucessores. E a nova oligarquia, a chamada “boliburguesia”, profundamente corrupta, defende os seus privilégios.
MUD e Maduro

As eleições de Dezembro para a Assembleia Nacional ilustraram as regras do jogo. Falou-se numa “nova era”, após o triunfo maciço da Mesa de Unidade Democrática (MUD, coligação oposicionista), que obteve a maioria qualificada de dois terços, o necessário para depor governantes, reformar o Supremo Tribunal, aprovar leis constitucionais ou convocar referendos: em suma, poderia mudar o regime.

Foi uma ilusão. O Supremo Tribunal, que obedece a Maduro, contestou o mandato de três deputados (anulando a maioria qualificada) e desde então declara inconstitucionais todas as deliberações da Assembleia, que está praticamente paralisada. Decorre uma campanha de recolha de assinaturas para convocar este ano um referendo que reduziria o mandado de Maduro de seis para quatro anos — ou seja, presidenciais em 2017. O regime prepara-se para sabotar a iniciativa.

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