segunda-feira, 7 de março de 2016

Paulo Martins- A Democracia de um neurônio só



Toda unanimidade é burra, disse o Nelson Rodrigues. Sem dar muita bola para o Nelson ou para a burrice, o Brasil é um país onde imperam algumas unanimidades. O programa governamental Bolsa Família é uma unanimidade nacional. Não há um líder político, um acadêmico reconhecido, uma voz que fale ao povão que, de fato, questione o programa. A exceção de praxe cabe a alguns jornalistas.

Todas os atores que se apresentam no cenário político, quando passam pelo Bolsa Família, estacionam no lugar comum. Irão mantê-lo, aprimorá-lo e ampliá-lo. Ninguém é capaz de dizer até onde ou mesmo, até quando. Parece que o objetivo é fazer com que totalidade da população seja beneficiária direta do papai governo. Somos uma nação de esfomeados que jamais serão capazes de se auto-sustentar.

A superficialidade do debate, ou melhor, a inexistência do debate faz com que a conclusão óbvia para um liberal fique encoberta, fora do alcance até mesmo das ditas mentes mais brilhantes não precisamente marxistas: o sucesso de um programa social não se mede pelo número de pessoas que entram nele, mas pelo número de pessoas que dele saem! Ronald Reagan teria dito algo assim.

O próprio leitor que chegou até aqui já pode estar com raiva deste “autor reacionário e insensível “, sem nem se dar conta de que em nenhum momento foi abordado o mérito do programa. Também o leitor é vítima de um ambiente que toca um samba de uma nota só. Isso o envolve de tal maneira que o induz a reagir de forma automática contra qualquer apontamento que se faça a respeito das unanimidades nacionais. Não há raciocínio, há apenas reflexo.

Tal ambiente é consequência de décadas de ausência de uma corrente liberal influente. O que havia no final do Império, definhou.

A ascensão do varguismo após a revolução de 30 contribuiu com algumas pás de terra sobre o que restava de liberalismo no país. O populismo de Getúlio, o uso do “trabalhismo” e o caráter antidemocrático do Estado Novo, encurralou os liberais no ringue do debate público brasileiro. O estado era Getúlio, Getúlio era o pai dos pobres. Os poucos liberais que restavam abrigaram na então recém-criada UDN.

Getúlio caiu, permaneceram o estado, os pobres, o populismo e toda a instabilidade política de nosso regime republicano.

A tomado do poder pelos militares em 1964 jogou a última pá de terra sobre o que restava de liberalismo no Brasil. Os militares baniram todos os partidos e forjaram um novo cenário político. Os liberais que influenciavam uma parte da UDN perderam o espaço que haviam alcançado.

O lance definitivo aconteceu no ambiente acadêmico. A esquerda se aprimorou e paralelamente à luta armada, passou a trabalhar a chamada revolução cultural, baseada nos escritos de Antônio Gramsci. Aos poucos, ocupou os espaços nas universidades, dominou a produção acadêmica e formou líderes e intelectuais de cultura marxista com nível de preparo para ocupar postos chave em diversos setores da sociedade, seja na economia, nas artes, na imprensa e na própria universidade.

O predomínio marxista na universidade baniu os autores liberais da discussão acadêmica. Isso impediu a formação de novos intelectuais liberais e consequentemente, novas referências políticas e culturais.

O resultado do predomínio esquerdista pode ser visto já durante o próprio regime militar, que especialmente em sua fase final, foi marcado por uma brutal intervenção estatal na economia, algo que frontalmente contrário aos princípios liberais. Não havia liberais como referência, com exceção de um Roberto Campos que amadurecia como liberal.

Campos amadureceu e morreu. Era o único, não multiplicou seguidores, tampouco deixou sucessor. Hoje, no debate público brasileiro não há liberais. Logo, não há debate. Intelectualmente, somos uma democracia maneta. Temos somente a mão esquerda e vivemos a babar na gravata. Daí para o leitor, tolido de um debate sério, se deparar com um questionamento sobre uma “bondade estatal” e se assustar é consequência inevitável.

Quem acompanha os ambientes virturais nota que há um jovem movimento liberal que emerge. Alguns think tanks foram criados e tornaram acessíveis obras escassas e outras antes nem editadas no Brasil. Apesar de alguns esforços, isso ainda está longe de caracterizar um movimento político, mas avança no campo intelectual, o que não chega a ser um problema, pelo contrário, é o caminho correto para que um movimento político surja com solidez.

É possível que em breve o leitor que hoje se assusta, esteja familiarizado com posições que tradicionalmente não está acostumado a ouvir. Ambiente efervescente de ideias diferentes deve abranger da granfina ao contínuo.

A democracia é feita de tensões e não é possível o seu desenvolvimento ocorra sem o choque de ideias.

Por isso que é necessário que surjam intelectuais e atores políticos com formação diversa e com coragem para sustentar posições com mais compromisso intelectual do que populismo, o que não implica necessariamente em inocência. É o que faz o eixo referencial do país se deslocar para o rumo certo.

Questionar uma unanimidade nacional, como o Bolsa Família, pode não ter nada de reacionarismo ou insensibilidade. Pode ter fundamentação racional e correta ou no mínimo, intelectualmente honesta.

É o que se espera em um novo cenário, pois, no cenário atual, os atores que se apresentam não possuem formação ou coragem para desmitificar nenhuma unanimidade nacional em público. Aliás, nem em público, nem em lugar algum. Nem mesmo em um terreno baldio, na presença apenas de uma cabra vadia.

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