terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Lula e a democracia

Denis Lerrer Rosenfield, O Globo
Ablindagem petista em relação ao presidente Lula mais parece a da barragem de Mariana. A lama se espraia para todos os lados, com seus limites sendo, por agora, impossíveis de determinar. As imagens e o odor são fétidos, em nítido contraste com o que foi outrora um líder e um partido que se arvoravam em defensores da “ética na política”.
O tríplex do Guarujá e o sítio de Atibaia estão ganhando jornais, revistas, rádios e emissoras de televisão. As explicações dadas são cada vez mais bisonhas e inverossímeis. De difícil credibilidade. Só um petista fanático para levá-las a sério.
Chega a ser grotesca a defesa que o partido faz de seus líderes presos, cumprindo penas e julgados. Para não falar dos inquéritos em curso. A única linha de defesa parece ser a mentira, o ocultamento e o desrespeito aos cidadãos. É como se nada mais devesse ser acrescentado.
Agora, o alvoroço é total, pois a figura de seu líder máximo foi fortemente atingida. São Lula, o homem mais honesto do mundo, foi obrigado a deixar o altar. Não apenas para se encontrar com cidadãos comuns, mas com aqueles que devem prestar contas à Justiça. A queda foi abrupta. A vertigem, insuportável.
Contudo, aquilo que seria um destino “normal” sob certas circunstâncias em uma sociedade democrática — o destino de uma pessoa política sendo julgada por seus malfeitos ou o de um partido obrigado a fazer face a suas práticas de aparelhamento do Estado e às suas contradições — pode estar se tornando um problema propriamente institucional.
E isto porque a defesa lulopetista está se voltando contra os meios de comunicação, o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal, que são instituições sociais e estatais da República, de nossa democracia.
Ora, aí reside precisamente o perigo, pois se o país não entrou em crise propriamente institucional, isto se deve precisamente ao trabalho do Judiciário, do Ministério Público, da Polícia Federal e dos meios de comunicação em geral.
O Poder Executivo está inerte, o Legislativo é vítima dos seus próprios malfeitos, os partidos políticos perdem cada vez mais credibilidade e, ademais, a oposição não cumpre com a sua função. Pilares basilares do Estado estão desmoronando, com o PT atuando fortemente neste desmoronamento, produzido por suas políticas econômicas, corrupção, desvio de recursos públicos e uma ideologia revolucionária que dá novamente a sua cara. Ideologia ainda mais reforçada pelo elogio ao estatismo, que levou o país a este buraco.
O Brasil vive em um regime presidencialista e este, por sua própria natureza, exige um governante que presida no sentido mais forte da expressão. Não se pode ter um regime presidencialista sem uma presidente que exerça a sua função.
Ora, a presidente Dilma goza de baixíssima aprovação, nenhuma credibilidade, não transmite confiança e sua política econômica está conduzindo o país ao precipício. Ninguém mais a leva a sério, a começar pelo seu próprio partido, que dela procura se afastar cada vez mais, prevendo um desfecho que lhe poderá ser muito desfavorável. Uma presidente que não governa é uma contradição em termos.
O Legislativo é outro poder que se encontra totalmente deslegitimado frente à opinião pública. Não exerce as suas funções e transmite à sociedade a imagem de uma instituição refém de traficâncias, negociatas e transações escusas dos mais diferentes tipos. Parlamentares sérios não conseguem se impor diante deste quadro de desmoralização ética.
A imagem transmitida é a de que o bem coletivo e a representação popular não são preocupações de deputados e senadores, imersos, sim, na “conquista” de benefícios particulares. Se o processo de impeachment já tivesse se desenvolvido positivamente, caminhando para o afastamento da presidente da República, o resgaste da imagem deste poder poderia estar ocorrendo.
O pilar republicano que está segurando institucionalmente o país é o Judiciário, aí incluindo o Ministério Público, com o apoio decisivo de um órgão do Executivo, que é a Polícia Federal, atuando independentemente de seu ministro petista. Ou seja, se o país ainda não entrou em uma crise institucional, isto muito se deve à atuação deste poder e deste órgão estatal.
As menções de que o país está funcionando normalmente do ponto de vista institucional são expressões de que, na verdade, possuem um foco determinado, a saber, as investigações e condenações da Lava-Jato que estão dando um basta à impunidade reinante. Se houver aqui uma quebra de confiança, um rompimento deste trabalho, aí sim a situação institucional ficaria crítica.
Note-se que uma instituição da sociedade — os meios de comunicação, representados por jornais, revistas, rádios, emissoras de televisão, além da ampla circulação de ideias nas redes sociais — está cumprindo um papel fundamental no país, concretizando a liberdade de expressão, apesar dos ataques de que tem sido objeto por parte do PT e dos seus movimentos sociais.
As operações da Lava-Jato têm tido uma ampla cobertura, partes de delações são publicadas, editoriais críticos são feitos, de tal maneira que houve todo um processo de formação da opinião pública.
O perigo, do ponto de vista institucional, reside em que o PT e o ex-presidente Lula, acuados pelas denúncias que se avolumam, partam para um ataque mais frontal ao Judiciário, ao Ministério Público, à Polícia Federal e aos meios de comunicação em geral.
Ou seja, os seus alvos seriam as instituições do Estado e da sociedade que estão cumprindo com a sua função, abrindo, assim, uma crise institucional. Note-se que os ataques à “mídia conservadora”, ao estado democrático de direito como se fosse um “estado de exceção” e assim adiante revelam uma tentativa de desestabilização política, apesar de o contrário ser reiterado.
Consideram o funcionamento de instituições republicanas e sociais uma anomalia, que deveria ser “normalizada”, entendendo a "normalização" como a degradação das instituições republicanas em geral. A democracia está ameaçada.
Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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